sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Congresso tem como consertar erro do Supremo

O Globo

Projeto de Lei tenta restabelecer segurança jurídica depois de decisão que gerou incerteza tributária

A Câmara deveria aprovar regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 508/2023, do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), protocolado na última terça-feira. O texto propõe mudanças nas regras para cobrança de tributos menos de uma semana depois que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada no último dia 8, criou enorme insegurança jurídica em matéria tributária.

Provocados pelo Fisco, os ministros julgaram um caso envolvendo a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). De forma unânime, os 11 derrubaram decisões judiciais beneficiando empresas que entraram com ação pedindo isenção da contribuição. O embasamento foi o princípio da isonomia. A Corte entendeu, corretamente, não poder compactuar com um desarranjo na concorrência. Quem ganha o direito de não pagar passa a ter uma vantagem desleal diante dos concorrentes que não entraram na Justiça ou que entraram e não foram atendidos.

Nesse ponto, não houve polêmica. O Supremo despertou celeuma, porém, ao permitir que o Fisco cobrasse de forma retroativa a CSLL que não tivesse sido recolhida depois de uma decisão judicial tendo permitido a isenção. Num placar de seis votos a cinco, os ministros decidiram que não haveria “modulação” nos efeitos do julgamento para lidar com o passado tributário.

Como a decisão cria um precedente que não fica restrito à CSLL, ela acaba por criar um ambiente de insegurança jurídica para todas as empresas que pararam de pagar alguma contribuição ou imposto depois de passar pelos degraus da Justiça. Em vez de alívio, decisões favoráveis se transformam agora em potenciais problemas contábeis no futuro. Até mesmo contratos de operações de fusão e aquisição foram afetados. Novos cálculos sobre quanto vale uma empresa são agora necessários diante do possível aumento da conta com a Receita.

Uma questão ainda em aberto é se o julgamento da CSLL no Supremo permitirá cobrança de multa e correção monetária. É esperado uma posição contrária dos ministros, pois o Código Tributário prevê expressamente que o contribuinte que tenha seguido decisão posteriormente reformada não deve pagar multa e juros.

O PL do deputado Pedro Paulo tenta acabar com a indefinição e a insegurança jurídica. Caso aprovado, o contribuinte que tiver conquistado na Justiça o direito de não recolher um imposto não poderá pagar nem um centavo de forma retroativa, mesmo que o Supremo reverta a decisão. Nessas situações, o PL determina que seja dado à decisão o mesmo tratamento dispensado a tributos novos. Se for uma contribuição, a empresa terá 90 dias para começar a pagar. Se for imposto, o pagamento terá início no exercício seguinte. Pedro Paulo protocolou também na terça-feira um Projeto de Lei Complementar (PLP) propondo que não sejam cobradas multas. A expectativa é que não seja necessário desde que o Congresso dê atenção e imprima urgência ao PL.

Força-tarefa contra crime organizado no Vale do Javari é medida oportuna

O Globo

PF fez bom trabalho ao investigar assassinato de Bruno e Dom. É preciso agora tirar as quadrilhas da região

Foi oportuna a decisão do governo de criar uma força-tarefa envolvendo quatro ministérios e órgãos como Polícia Federal (PF) ou Ibama para combater o crime organizado no Vale do Javari, Amazonas, onde há oito meses foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Ainda que não seja suficiente para conter a escalada de violência, pelo menos assegura a presença do Estado numa região que se transformou em território sem lei.

Segundo a PF, o assassinato de Bruno e Dom foi encomendado por Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, chefe de uma quadrilha de pesca ilegal que atuava livremente na área. Apontado desde o início das investigações como suspeito de ser o mandante, ele já responde a um processo por pesca ilegal e está preso desde dezembro. O superintendente da PF no Amazonas, delegado Eduardo Fontes, afirmou ter provas de que ele fornecia munição aos executores. Colômbia também pagou o advogado de defesa para um dos suspeitos de matar Bruno e Dom. “Há fortes convicções de que Colômbia teria sido o autor intelectual dos crimes”, disse. De acordo com as investigações, ele planejou as mortes por estar insatisfeito com a fiscalização de atividades ilegais promovida por Bruno.

Bruno e Dom: Vale do Javari terá megaoperação contra invasores oito meses após mortes

A PF fez um bom trabalho. Menos de uma semana depois do crime, prendeu Amarildo da Costa de Oliveira, que confessou ter participado do assassinato. Depois foram detidos Jefferson da Silva Lima e Oseney da Costa de Oliveira (irmão de Amarildo), suspeitos de envolvimento. Colômbia já fora encarcerado em julho, acusado de chefiar uma quadrilha de pesca clandestina. Em outubro, pagou fiança de R$ 15 mil e foi solto. Como não respeitou as normas estipuladas para a liberdade provisória, voltou à cadeia.

O assassinato de Bruno e Dom numa expedição pela Amazônia expôs a violência que impera na região e a negligência do Estado em combatê-la. Os criminosos não apenas tomaram conta do território, mas também impuseram suas leis perversas. Bruno, licenciado da Funai, já denunciara quadrilhas de pesca ilegal. Nada foi feito. Os bandidos estavam investidos de autoridade. Pouco antes de ser assassinado, Bruno recebeu um bilhete com uma ameaça de morte. Não era blefe. Os detalhes do crime revelam uma história de horror. Os corpos foram esquartejados, queimados e enterrados na floresta.

A despeito da eficiência da PF para desvendar o crime em menos de um ano, a parte mais difícil começa agora: expulsar da região as quadrilhas que operam à margem da lei. A nova força-tarefa é um bom começo. Em vez de se perder nos debates estéreis que costumam assombrar organismos dessa natureza, precisa adotar um plano prático rapidamente — e começar a agir logo. É o mínimo a fazer pela memória de Bruno e Dom e pelo futuro da Amazônia.

Minha Casa de volta

Folha de S. Paulo

Nova versão do programa deve superar carência de recursos e problemas do passado

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relançou o Minha Casa, Minha Vida, que criara em 2009, em seu segundo mandato. Uma medida provisória deu as novas diretrizes do programa habitacional. No Orçamento, revisto na transição de governo, elevaram-se os recursos para o MCMV de quase nada para cerca de R$ 9,5 bilhões em 2023.

Há novidades importantes, embora as normas de sua implementação ainda dependam de regulamentação do Ministério das Cidades, o que pode levar ao menos três meses. A fonte dos recursos para financiar o programa a partir de 2024 é um mistério, mesmo porque a atual gestão ainda não dispõe de um plano fiscal.

A intenção é contratar 2 milhões de moradias até 2026, metade delas destinada à faixa 1 do MCMV, que atende famílias com renda bruta equivalente a até dois salários mínimos, excluídos benefícios sociais. De 2016 a 2022, som Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), o atendimento subsidiado dessas pessoas foi praticamente extinto.

Na versão de 2023, será permitido o financiamento de reformas de imóveis e compra de habitações usadas, de lotes urbanizados ou locação social. Suas diretrizes, ao menos, determinam que as moradias sejam próximas da vida real das cidades, com mais infraestrutura, transporte e possibilidades de emprego.

Uma das grandes críticas ao programa foi a construção de conjuntos habitacionais padronizados, mal adaptados ao contexto regional, em locais distantes, sem serviços públicos básicos.

Além de dificultar sobremaneira a vida social e econômica de seus moradores, a distância exigia, em tese, caras obras de extensão de infraestrutura, um efeito da horizontalização desnecessária ou antissocial das cidades. Isolados, vários conjuntos habitacionais foram assolados pelo crime.

Apesar de quase 6 milhões de residências contratadas, o déficit habitacional do país pouco se alterou.
A alternativa seria procurar integrar os beneficiários do programa às zonas mais centrais das cidades, em imóveis ou terrenos sem uso ou por meio de reformas e outros arranjos, como urbanização de favelas ou de assentamentos indignos.

Em suas linhas gerais, a medida provisória parece ter prestado atenção a tais críticas. Resta saber se a regulamentação vai permitir que os problemas possam ser superados ou atenuados.

Potencialmente relevante para a atividade econômica e o emprego, o MCMV precisa ser mais do que uma fábrica de casas em massa em conjuntos habitacionais periféricos, que podem produzir uma nova rodada de exclusão social.

Mais armas, menos razão

Folha de S. Paulo

Bolsonarismo gerou aumento do número de armas, mas novo governo retoma sensatez

Entre os piores legados da passagem de Jair Bolsonaro (PL) pelo poder está a escalada do número de armas de fogo em poder da população. O ex-presidente facilitou, de modo irresponsável, o acesso a esses artefatos —desvirtuando o Estatuto do Desarmamento, que desde 2003 restringe fortemente a posse e o porte no país.

Como resultado, o número de armas nas mãos de civis mais que dobrou nos últimos cinco anos. Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, em 2022 haviam 2.965.439 artefatos registrados; em 2018, eram 1.320.582.

O perfil do proprietário também mudou. Um ano antes da posse de Bolsonaro, 47% das armas estavam com membros de instituições militares, enquanto CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores) detinham 27%.

Já no final do ano passado, CACs passaram a ter 42,5% —um crescimento de 259%. Na região Norte, os números dispararam: de 6.693 para 56.473, durante o mesmo período. Nada menos que 743,8% de alta.

Dada a ausência de serviços de segurança pública em áreas remotas e atividades como garimpo e extração de madeira, a Amazônia é, historicamente, uma zona conturbada. Em 2021, a taxa de mortes violentas chegou a 30,9 por 100 mil habitantes —38,6% superior à média nacional (22,3 por 100 mil).

Facilitar e estimular a posse de armas, inclusive de grosso calibre, nesse contexto, é como acender um rastilho de pólvora.

O argumento bolsonarista é o da dissuasão, conhecido como "mais armas, menos crimes": potenciais agressores inibiriam suas ações ao considerar que as vítimas poderiam estar armadas.

Contudo, levantamento feito pelo economista Thomas Conti, professor do Insper, mostra que 90% da revisão de literatura (análises das pesquisas já realizadas sobre o tema) publicada entre 2013 e 2017 não comprova essa hipótese.

Assim, fez bem Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao revogar normas que, por exemplo, permitiam a compra de até 60 armas, 30 de uso restrito e 30 de uso permitido, por parte de CACs. Agora, o limite é de 3 artefatos apenas de uso permitido. A emissão de novos certificados para CACs foi interrompida e todas as armas no país devem ser registradas na Polícia Federal.

Segurança pública é área complexa na qual populismo e imediatismo podem produzir efeitos contrários ao esperado. Ao lidar com vidas humanas, medidas baseadas em racionalidade e perseverança ainda são as mais indicadas.

A ameaça de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo.

Ex-presidente diz que voltará para liderar oposição. A direita civilizada deve ver essa promessa como ameaça a seus valores mais caros e um risco de que a esquerda se fortaleça no poder

Jair Bolsonaro disse ao Wall Street Journal que voltará ao Brasil para liderar a oposição. Se não quiser perpetuar a dialética infernal que recolocou no Planalto o lulopetismo – responsável pelos maiores escândalos de corrupção e a pior recessão da Nova República – nem a espiral de degradação que desembocou no 8 de Janeiro – o maior atentado à democracia desde a ditadura –, a direita, seja a liberal, seja a conservadora, deve fugir desse “líder” que nega todos os seus valores mais caros.

A direita civilizada deve se opor tão energicamente a Bolsonaro quanto a Lula. Em certo sentido, até mais. Seu enfrentamento ao lulopetismo é um combate corpo a corpo. Até as derrotas podem ser revigorantes, se servirem para reconduzi-la às fontes de sua potência e de seu dinamismo. Como disse Winston Churchill, “o sucesso não é final; o fracasso não é fatal; é a coragem de continuar que conta”. A luta com o bolsonarismo é de outra natureza. Não tanto contra um adversário em pé de igualdade, mas contra um patógeno, um parasita que suga suas energias a ponto da putrefação.

Bolsonaro não é conservador nem liberal, só reacionário e autoritário. O liberalismo crê na potência do livre-arbítrio e sua contrapartida, a responsabilidade individual. Daí a ênfase nas liberdades fundamentais, na igualdade ante a lei, na meritocracia, no livre mercado. O conservadorismo reverencia a sacralidade da família e a experiência acumulada pela sociedade nas tradições e materializada nas instituições. Ambos desconfiam da húbris humana. Por isso, creem no progresso rumo a uma sociedade mais justa e próspera por meio da distribuição, não da concentração do poder; do debate, não da imposição de ideias; da reforma, não da ruptura das instituições.

Não é liberal quem faz carreira insultando minorias; acumulando privilégios para sua família e clientela política; opondo-se a reformas e defendendo o intervencionismo estatal. Não é conservador quem desdenha tão orgulhosamente do princípio moral e religioso do amor ao próximo, especialmente lá onde ele é mais testado e necessário: na compaixão pelos desvalidos, os vulneráveis, os marginalizados e mesmo, sim, os marginais. Não é nem liberal nem conservador quem promove o culto à própria personalidade; quem vê a luta política não como um embate entre adversários, mas como a aniquilação de inimigos; quem violenta a separação dos Poderes e busca submetê-los ao seu tacão.

A direita, se quiser manter seu vigor e promover seus valores, deve combater esse corpo estranho. Mas não com seus mesmos meios. O bolsonarismo deve ser desmoralizado sem violência.

Não será fácil. Primeiro, porque liberais e conservadores precisam expiar seus próprios pecados, a começar pela complacência com as desigualdades sociais, e recobrar a convicção em seus ideais e sua capacidade de articulação. Mas também porque a facção da esquerda no poder fará de tudo para oxigenar esse parasita que corrói a direita e no qual os esquerdistas encontraram sua nêmesis ideal. Lula tem feito tudo menos cumprir suas promessas de conciliação e está redobrando a aposta no ressentimento, colando em toda oposição os rótulos de “elitista”, “fascista”, “golpista”, “genocida”, “terrorista”. Essa esquerda também deve ser desmoralizada. Mas não com seus mesmos meios.

Conservadores e liberais não devem buscar desmoralizar os eleitores de Lula ou Bolsonaro, mas ouvi-los, humildemente questioná-los, influenciá-los e, enfim, representá-los. Aos primeiros, precisam provar que antes que antagonizar seus ideais mais preciosos, a igualdade e a inclusão, só desconfiam dos instrumentos da esquerda e oferecem outros mais eficazes. Já as ansiedades dos eleitores de Bolsonaro – ante o crime, ante as intromissões estatais, ante as coerções das militâncias identitárias, ante a corrupção do “sistema” político – podem ser passíveis de distorções, mas exprimem, no fundo, um anseio pela lei e a ordem e pela preservação de valores universais. O desafio é mostrar que Bolsonaro, antes que liderá-los rumo à satisfação desses desejos, só os afastará dela, como os afastou, ainda mais.

Pacote fiscal lanhado

O Estado de S. Paulo.

Enquanto aceita ganhar menos do que esperava em processos no Carf, o governo trabalha para aumentar ainda mais os gastos; não é à toa que o mercado projeta inflação mais alta

O governo fechou acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Quando houver empate nos julgamentos do conselho, os contribuintes poderão se livrar dos juros e multa sobre dívidas tributárias, desde que aceitem pagar o valor principal do débito e não levem a disputa à Justiça. A negociação não foi exatamente um gesto de boa vontade do governo, mas uma forma de evitar o desmonte de um dos pilares do pacote fiscal anunciado em janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Câmara e Senado já haviam deixado claro que resistiam a essa medida, e a OAB havia entrado com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubá-la, de forma que a chance de o governo ser derrotado não era desprezível. Embora ainda seja preciso aguardar o Congresso dar aval ao texto acordado, Haddad considerou a negociação positiva, por entender que ela garantiu a volta do voto de qualidade, como ele desejava.

Na posição em que o ministro está, é compreensível que ele tenha de manter um discurso otimista. Haddad, inclusive, reafirmou a estimativa de arrecadação que viria das medidas relacionadas ao Carf, de R$ 50 bilhões. A meta já era considerada fantasiosa antes mesmo do acordo, mas o ponto não é esse. O episódio é mais um, entre muitos, a reforçar o quão irreal é esperar que o governo entregue as contas públicas em um nível um pouco mais equilibrado.

Antes mesmo de tomar posse, a equipe do presidente Lula da Silva contratou um considerável aumento de gastos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Muito além da recomposição da verba de programas sociais, o texto elevou a projeção do déficit primário a R$ 231,55 bilhões. Haddad se disse incomodado com o número e, por isso, imaginava-se que ele atuaria para conter o ímpeto gastador de seus correligionários. Ledo engano. Em pouco mais de 45 dias, o governo sinalizou apoio a novas despesas e disposição de abrir mão de mais receitas.

Já de início, o Executivo desistiu de reonerar os combustíveis. O salário mínimo – piso dos benefícios da Previdência Social e um dos principais dispêndios obrigatórios da União – já teria aumento real de 1,4% e seria elevado a R$ 1.302 a partir de maio, mas agora irá a R$ 1.320. A tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que não é atualizada desde 2014, será reajustada para isentar quem receber até dois salários mínimos em 2024. A justeza das medidas é indiscutível, bem como seus impactos sobre as contas públicas. Por outro lado, até agora, o governo não apresentou a âncora fiscal que pretende adotar no lugar do teto de gastos, tampouco começou a trabalhar pela aprovação de uma reforma tributária que venha a compensar essas perdas.

Lula tem preferido gastar toda a sua verve para atacar a autonomia do Banco Central (BC), o atual nível da taxa básica de juros e a rigidez das metas de inflação. E, ao contrário do que o presidente tem pregado, parte do mercado concorda com suas críticas. Muitos acham que as metas de inflação são inalcançáveis e precisam ser mais realistas. Vários acreditam que o BC errou ao reduzir a Selic a 2% em 2020 e demorou a desfazer esse equívoco. Há quem diga que o governo Bolsonaro legou uma involução ao País em termos de gastos públicos permanentes. E quem diz isso não é a “meninada que fica no computador dando ordem de compra e venda”, como Haddad ironizou em evento do BTG, mas Rogério Xavier e Luis Stuhlberger, gestores de alguns dos fundos de investimentos mais bem-sucedidos do mercado.

Na mesma conferência, Xavier explicou aquilo que, aparentemente, ninguém havia contado ao governo. Não é a eventual mudança nas metas – medida que, aliás, o gestor fez questão de dizer que apoia – que fez com que os investidores voltassem a apostar em uma inflação mais elevada. As incertezas vêm das muitas evidências a confirmar a completa falta de credibilidade da política fiscal do governo. Seria muito bom que Haddad e Lula assimilassem integralmente essa mensagem.

Futebol não é um mundo à parte

O Estado de S. Paulo.

Enfim a CBF decidiu que racismo é intolerável; espera-se punição efetiva, sem os tradicionais arranjos do futebol

Demorou muito, mas, enfim, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu endurecer a punição aos clubes que tiverem seus torcedores envolvidos em episódios de racismo. Era inaceitável assistir ao aumento desses casos de violência racial nos estádios sem que nada de concreto fosse feito pela entidade para coibi-los. As punições começarão a ser aplicadas já a partir do início da Copa do Brasil, no próximo dia 22.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” Nas palavras inspiradoras de Nelson Mandela subjaz a ideia de que a educação é fundamental para que as sociedades superem ódios e preconceitos.

No mundo ideal, a educação humanitária adviria, primordialmente, do diálogo no âmbito das famílias e das escolas em torno de valores universais. Mas há vezes, porém, em que a educação de gente adulta só vem pela força sancionadora, seja do Estado, judicialmente, seja de entidades privadas, na esfera administrativa. Nesse sentido, a decisão da CBF foi correta.

Além da perda de pontos na tabela de classificação, os clubes podem ter de pagar multas de até R$ 500 mil pela incivilidade criminosa de seus torcedores. Podem ainda perder o mando de campo e ter de jogar sem a presença de sua torcida. Quem sabe esses prejuízos esportivos e financeiros impostos aos clubes não sirvam de estímulo para campanhas educacionais mais incisivas voltadas aos seus fãs violentos?

É lamentável que seja assim, mas a experiência internacional já provou que sanções administrativas impostas aos clubes, sobretudo a perda de pontos nos campeonatos, têm o condão, se não de acabar, ao menos de conter os ímpetos racistas de alguns membros mais radicais de suas torcidas.

Estádios de futebol, é óbvio, não são zonas fora do alcance da Constituição e das leis do País. As emoções suscitadas pelo esporte não autorizam ninguém a expelir seu racismo e seus preconceitos das arquibancadas. Se queremos ser uma sociedade civilizada, para começar, há que ter respeito aos direitos humanos. Não é possível tolerar o intolerável a depender do contexto em que as barbaridades ocorrem. O futebol não é um mundo à parte.

A decisão de combater o racismo nos estádios por meio da punição administrativa aos clubes – sem prejuízo da eventual persecução criminal de indivíduos, pois as súmulas dos jogos em que ocorrerem ataques racistas serão encaminhadas ao Ministério Público – foi incluída pela direção da CBF no Regulamento Geral de Competições (RGC) e apenas comunicada aos clubes, sem possibilidade de debate ou recurso. Não havia mesmo o que discutir.

Passava da hora de a CBF agir com mais rigor para conter o aumento dos casos de racismo no futebol. Muitos atletas e seus familiares sofreram a dor e a humilhação provocadas por racistas até que a entidade resolvesse se mexer. Agora é esperar que tanto a CBF como os clubes cumpram o novo regulamento com o máximo rigor, sem os tradicionais arranjos e jeitinhos do futebol.

Novos e velhos desafios para a política externa

Valor Econômico

A política externa brasileira terá de ser virtuosa para caminhar em um terreno minado

Falta apenas a viagem à China para completar a volta inaugural da política externa do presidente Lula. Ao reabrir portas entrefechadas com Pequim, principal parceiro comercial brasileiro que foi de início hostilizado pelo governo de Jair Bolsonaro, em seguida a seu encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula demonstra a princípio equilíbrio no tratamento de duas potências em conflito que se aprofunda, com consequências econômicas e geopolíticas de enorme envergadura, que podem vir a se tornar duradouras. A política externa brasileira terá de ser virtuosa para caminhar em um terreno minado.

Ao suceder Bolsonaro na Presidência, Lula ganhou um bônus de trânsito internacional. A ressurreição da defesa do ambiente e da democracia entre os objetivos da política externa mudaram da água para o vinho a percepção de todos os atores globais em relação ao Brasil. Não há qualquer tema sério da política global que ignore as mudanças climáticas. O Brasil é protagonista de primeira linha no combate ao aquecimento da Terra.

O gesto de otimismo inicial, para persistir, necessitará de ações concretas do governo brasileiro. Há problemas e eles começam perto de casa, no Mercosul. A Argentina, primeiro destino de Lula após ser eleito, continua em falência. O governo brasileiro prometeu oferecer crédito a um credor sem capacidade de pagamento, com o truque de uma moeda contábil e financiamento do BNDES, ambos duvidosos. Lula e o presidente argentino Alberto Fernández, que, como todo peronista, é protecionista, uniram-se para questionar o acordo do Mercosul com a União Europeia, que levou duas décadas para chegar à conclusão - sinalizam, assim, com mais uma década de discussões.

Lula dá prioridade ao acordo com a UE, mas o Uruguai, governado pelo conservador Lacalle Pou, prefere um entendimento comercial com a China, que, por sua vez, ofereceu a mesma coisa para o Brasil, com ou sem Mercosul. Acordos individuais ferem a carta de constituição do bloco, que ameaça se romper. A dupla protecionista de Lula e Fernández ameaça prorrogar impasses.

A reaproximação do bloco da Venezuela, patrocinada pelo Brasil, é outra fonte de problemas. O enorme êxodo de venezuelanos exige um relacionamento diplomático entre todos os países da região, algo que o ideólogo Bolsonaro sepultou. Mas os motivos desse êxodo - a desastrosa política do ditador Nicolás Maduro -, tendem a ser escamoteados por Lula, que incensa outros autocratas.

Não se trata de política de não ingerência em assuntos de outros países, mas de predileção seletiva. Mais de uma vez, como presidente, Lula manifestou apoio a Chávez, e depois Maduro, em eleições e nunca fez uma crítica séria à agonia da democracia no país. Da mesma forma, apoiou Alberto Fernández para presidente e inocentou previamente a vice Cristina Kirchner, que enfrenta vários processos de corrupção, como se a perseguição de que se diz vítima no Brasil fosse suficiente para invalidar acusações semelhantes contra aliados ideológicos.

O governo brasileiro mantém polido distanciamento dos EUA. Clima e combate aos radicais de direita circunstancialmente o aproximaram de Biden. Suas declarações durante a campanha eleitoral que colocavam culpa equivalente em Vladimir Putin e Volodymyr Zelenski pela guerra na Ucrânia causaram constrangedores ruídos. Lula reviu sua posição e sancionou comunicado conjunto com Biden condenando a invasão russa. E propôs um “clube da paz” para negociar o fim do conflito, ignorado pelos EUA.

Adepto de relações mais estreitas com o Sul global, Lula deve ser bem recebido pelo ditador Xi Jinping, seu parceiro também nos Brics. As tratativas para ampliar a pauta comercial - basicamente commodities - seguirão no papel, dada a baixa competitividade geral da indústria brasileira. Terá apoio para o pleito de ampliação do Conselho de Segurança da ONU e para acordos tecnológicos vários.

Já os Brics estão em encruzilhada. Ao apoiar a Rússia, a China busca liderar um polo geopolítico oposto aos EUA, que não tem apoio da Índia ou simpatia ativa da África do Sul. A independência da política externa brasileira terá neste conflito entre as duas maiores economias do mundo - uma, a que mais compra seus manufaturados, outra, a que mais compra suas commodities - um teste permanente nos próximos anos. Há espaço de manobras, mas ele requer propósitos muito claros e pragmatismo.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Congresso tem como consertar erro do Supremo
O Globo"
Texto tão ruim e tendencioso que parece ter sido encomendado ao WWaack

Anônimo disse...

O Globo não tem como consertar seu próprio erro... E repete em poucos dias a mesma lenga-lenga.