O Estado de S. Paulo
As discussões preliminares são importantes.
Mas chega uma hora em que não podem monopolizar a agenda de um país que precisa
encontrar seu caminho
Qual a taxa de juros correta num
determinado momento histórico? Perguntar isso a quem não tem profundos
conhecimentos econômicos me faz lembrar uma peça de Harold Pinter na qual
mendigos entram numa cozinha de restaurante e são bombardeados por pedidos de
pratos sofisticados e não têm mais do que um modesto sanduíche no farnel. Mas há
uma intensa discussão sobre o assunto. Precisamos saber por que isso influencia
nossa vida. Quem tem razão? Um dos critérios é escolher o que se preocupa com
os mais pobres.
Lula quer taxas mais baixas porque isso poderia não só garantir sua política social, mas ajudar os que precisam de emprego. Ele tem os mais pobres no seu horizonte. O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, defende as taxas altas porque baixá-las, segundo ele, impulsiona a inflação e prejudica os pobres.
É difícil de declarar empate nesse quesito,
isto é, supor, simultaneamente, que altas taxas de juros e baixas taxas de
juros representem o interesse dos mais pobres.
Então, é preciso ir um pouco adiante para
ver se a inflação é resultado de uma alta atividade econômica que precisa ser
contida no momento.
Há economistas que acham que a inflação no
momento é provocada por outros fatores, como, por exemplo, a queda da produção
durante a pandemia e o aumento do preço da energia e de fertilizantes por causa
da guerra na Ucrânia. Esses últimos fatores influenciando também o preço de
alimentos. Isso nos leva, pobres mortais, a supor que a economia está patinando
e que as altas taxas de juros podem impedir que ela decole.
Há outro impasse de grandes dimensões.
Quando se fala em aumentar investimentos públicos, entra em cena o fantasma do
desequilíbrio fiscal. Algum investimento público é algo consensual, exceto
entre os que acham que o Estado não serve para nada. Há quem diga que a relação
dívida/PIB, de 70%, não é assustadora e que as contas do País estão
relativamente em ordem. Como arbitrar essa dúvida? De um lado, gente dizendo
que os investimentos públicos vão gerar inflação; de outro, gente que afirma
que o aumento da taxa de juros amplia nossa dívida num nível ainda maior.
A história vai se confundindo para o
espectador. Não se sabe quem defende os pobres nas posições conflitantes e não
se sabe se o estrago maior nas contas é causado pela ousadia do governo ou
pelas canetadas do BC.
O interessante é que essa contradição não é
antagônica, do tipo em que uma das partes é suprimida pela outra. O Banco
Central continuará autônomo e seu presidente, no cargo.
Dizem que o BC brasileiro foi considerado o
melhor do mundo no ano passado. Mas o homem comum não votou nem conhece as
regras dessa eleição.
Supondo que todos tenham seus argumentos e
que seja difícil de eliminar uma das partes, o que nos resta?
O que nos resta é trabalhar para que o tom
de confronto seja superado pelo diálogo e que neste período se encontre uma
saída conciliatória que possa garantir o desenvolvimento do País.
As eleições de 2022 ocorreram para definir
linhas. O presidente do Banco Central afirmou, nos EUA, que os ciclos da
economia e da política são diferentes. Acontece que são interligados – na
verdade, não existe política monetária pura, dissociada de qualquer traço
político, muito menos existe uma política navegando nas nuvens, distante da
realidade econômica.
Por isso a expressão independência do Banco
Central, conforme lembrou o economista André Lara Resende, não é adequada. É
correto dizer autonomia, algo que pressupõe interdependência, um conceito, no
meu entender, muito mais próximo da realidade.
Todo este debate, assim como as tentativas
frustradas de golpe, acaba atrasando o processo, fixando o esforço de
crescimento nas preliminares. Talvez seja preciso encaminhar logo a reforma
tributária, a nova política fiscal, que alguns chamam de âncora, outros de
arcabouço, enfim, a gente pode escolher pela sonoridade de cada um.
Mais do que isso, é preciso atrair
capitais. Os EUA decidiram se associar, modestamente, em termos de cifras, ao
Fundo Amazônico. Não creio que devamos considerar as possibilidades de
investimento na região apenas levando em conta dinheiro oficial. As
possibilidades de atrair ajuda particular, de captar investimentos
empresariais, são uma parte essencial do processo.
No passado, mencionei rapidamente aqui o
livro de uma economista norte-americana, Mariana Mazzucato, Mission Economy, no
qual ela mostra como a conquista da Lua foi um empreendimento de parceria entre
governo e iniciativa privada. A preservação e o desenvolvimento sustentável da
Amazônia, no meu entender, são uma tarefa de grandes dimensões e têm o mesmo
potencial de unir governos e iniciativa privada numa proporção colossal.
A bola continua quicando na área. Não
estamos mais de costas para o gol, como no período Bolsonaro. Mas é preciso um
pouco da ousadia e da fórmula da conquista da Lua para avançar nessa tarefa.
As discussões preliminares são importantes.
Mas chega uma hora em que não podem monopolizar a agenda de um país que precisa
encontrar seu caminho.
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