Valor Econômico
Só com decreto CMN pode mudar meta de
inflação já fixada
Há uma aparente trégua na briga que o
presidente Lula começou com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Lula saiu do embate e deixará a tarefa de falar contra as taxas elevadas dos
juros com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Mas o clima continua ruim para o comando do BC, que está sob pressão há dez dias. A tendência, agora, é de se preservar a autonomia da instituição e atacar o patamar da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75%. Até porque os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, responsáveis pela aprovação da lei que conferiu autonomia para o BC, reiteraram, de forma dura, que esse é um assunto que não tem volta.
Lula foi eleito para gastar, sob a crença
de que o Estado aumentando o gasto público gera renda para as famílias e a
economia cresce. André Lara Resende acabou dando um arcabouço teórico para esse
desejo. Mas há um senão no debate, pois o país não dispõe dos pré-requisitos
para a visão de Lara Resende funcionar. Afinal, há 40 anos o gasto público sobe
no Brasil. E o crescimento da despesa não foi para financiar investimentos com
retorno, mas sim para aumentar as transferências para pessoas.
Se o Banco Central errou, não foi agora -
quando a taxa de juros está em cerca de 5% em termos reais, considerando que o
núcleo do IPCA está em quase 9% -, mas quando colocou a Selic em 2%, que durou
de agosto de 2020 a março de 2021. De lá para cá foram vários aumentos, que
resultaram nos 13,75% ao ano.
Depois da discussão travada por Lula, de
qualquer reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que vier a baixar os
juros vai se dizer que a decisão foi por pressão do presidente. Emparedado, a
tendência de Roberto Campos será de não mexer na Selic.
Em breve vai ter início a divulgação de
dados que vão mostrar o impacto do aumento dos juros sobre o mercado de
trabalho e sobre o nível da atividade econômica. Deverá ter aumento do
desemprego e queda na performance do PIB.
“Estamos vivendo o rescaldo, o fim da
festa, em que já tem um ou outro passando mal de bebedeira”, ressalta uma
fonte, que se refere à situação em que cabe ao Banco Central entrar na festa e
retirar a bebida antes que degringole o ambiente.
Isso vai reduzir o crescimento da economia,
e o risco, a continuar essa briga, é o de contaminar o ano de 2024.
Plantaram, na semana passada, que Roberto
Campos aprovaria a mudança da meta para a inflação. Aí ele veio e negou que
tenha concordado com uma elevação da meta (dos atuais 3% para o ano que vem
para algo em torno de 4% a 4,5%, como citou o presidente Lula). Esse, porém, é
um capítulo bastante decisivo.
Para mexer na meta de inflação deste ano ou
de 2024 será preciso que Lula edite um decreto autorizando o CMN a alterar as
metas já estabelecidas. E aí Campos Neto vai ter que votar contra. Como os
membros votantes do conselho são dois ministros - Haddad, da Fazenda, e Simone
Tebet, do Planejamento - e o presidente do BC, caberá à ministra Tebet o voto
de desempate
Há uma maneira de levar a discussão sobre
as metas para a inflação dos próximos anos, desde que seja um debate
estrutural, calçado em estudos técnicos que mostrem que no mundo pós-pandemia e
pós-guerra, a inflação neutra, de longo prazo, é mais alta do que se pensava
quando o Conselho Monetário Nacional decidiu que a taxa seria de 3%. Mas essa é
uma discussão e decisão de governo, e não do Banco Central.
Por enquanto, a onda é não mexer na
autonomia do Banco Central. Essas são questões que se movem por ondas, segundo
assinalam fontes oficiais. Ontem, em jantar com o senador Vanderlan Cardoso
(GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), por indicação do
PSD, Campos Neto ouviu que não há risco de se mudar a lei da autonomia do BC. O
senador também acertou com o presidente do BC que ele irá em março para uma
sessão da comissão. Por lei, o presidente do BC deve comparecer duas vezes por
ano à CAE para falar sobre economia. Também do Tribunal de Contas da União
(TCU) Roberto Campos teve manifestação de apoio.
Há uma fila de candidatos à sucessão de
Lula, e esse assunto já é parte do jogo sucessório. Tanto que Lula teve que
declarar, em entrevista recente que, conforme o seu estado de saúde, poderá se
candidatar à reeleição em 2026.
Assim como Haddad teve que antecipar para
março o anúncio do novo arcabouço fiscal que estava previsto para abril, quando
viu que Aloizio Mercadante estava montando um seminário, no BNDES, com a
presença de André Lara Resende, Monica de Bolle e Nelson Barbosa, sobre a nova
política fiscal que deverá substituir o teto de gasto público. Isso é parte do
desejo de ambos de serem ungidos por Lula para a sucessão.
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