quinta-feira, 27 de abril de 2023

Assis Moreira - ‘Nacionalismo metálico’ entra no radar

Valor Econômico

Relatório da OCDE aponta crescentes restrições às exportações de matérias-primas especiais empregadas na transição para a energia verde

As matérias-primas críticas tomam crescente espaço em estratégias de governos para assegurar o abastecimento, na transformação de uma economia dominada por combustíveis fósseis, em uma economia liderada por tecnologias de energia renovável. Há oportunidades, mas também riscos de mais conflitos comerciais e mais tensões internacionais. O Brasil, em todo o caso, poderá ter papel relevante na cadeia de suprimentos da transição verde.

Algumas matérias-primas relativamente abundantes, que tradicionalmente têm sustentado a produção industrial, como alumínio, cobre e minério de ferro e aço, continuarão sendo essenciais nos setores verdes. Outros materiais, como minerais de terras raras, lítio, cobalto ou níquel, são predominantes nas novas tecnologias, veículos elétricos, energia renovável.

A transição verde reduzirá a dependência global de combustíveis fósseis. Ocorre que a produção de matérias-primas industriais é bem menor que a oferta de petróleo. Além disso, relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta crescentes restrições às exportações. Um alto funcionário europeu reagiu tuitando: “Preparem-se para o nacionalismo metálico”.

O tema está na ordem do dia impulsionado pelo compromisso de um grande número de países de alcançar emissões líquidas zero de CO2 até 2050. Isso exigirá um aumento enorme da produção e do comércio internacional de várias matérias-primas para descarbonizar as economias. Exemplo: um carro elétrico típico requer seis vezes mais insumos minerais do que um carro convencional, e uma usina eólica terrestre exige nove vezes mais recursos minerais do que uma usina a gás. Pelas projeções da Agência Internacional de Energia (AIE), nos próximos 20 anos a demanda do setor de energia limpa por materiais como cobalto, grafite natural ou lítio aumentará de 20 para mais de 40 vezes.

Na última década, o lítio, elementos de terras raras, cromo, arsênico, cobalto, titânio, selênio e magnésio registraram as maiores expansões de volume de produção, variando entre 33% para magnésio a 208% para o lítio. Mas a OCDE calcula que esse aumento é modesto comparado ao projetado crescimento da demanda na transição verde. Ao mesmo tempo, a produção de outras matérias-primas críticas, como chumbo, grafite natural, zinco, minérios metálicos preciosos e concentrados e estanho, declinou nesse período.

A produção é hoje concentrada em alguns países. A China é um dos principais produtores de seis das dez matérias-primas críticas com produção mais concentrada, enquanto Austrália e Rússia aparecem três vezes, e a África do Sul e o Zimbábue, duas vezes.

Por sua vez, a concentração no comércio internacional desses produtos parece mais modesta, mas a OCDE mostra visível inquietação. Metade da dependência de abastecimento de seus países membros (38 industrializados e alguns emergentes) está concentrada em países do Brics: a China responde por 24% do total, a Rússia por 10%, seguida por Brasil (6%), África do Sul (6%) e Índia (4%). Ela ocorre em uma gama de diferentes matérias-primas críticas, mas sobretudo em metais tradicionais como ferro e aço, cobre e alumínio, também utilizados intensivamente em tecnologias verdes.

O Japão é responsável por 9% de toda a dependência, seguido por Chile, Colômbia e Austrália (8% cada). Chile e Austrália, por exemplo, dependem principalmente de ferro, aço e produtos químicos inorgânicos importados principalmente da China e de outros países do Brics, e a Colômbia, de materiais de alumínio.

Ao mesmo tempo, a incidência global de restrições à exportação de matérias-primas críticas aumentou mais de cinco vezes em dez anos. Cerca de 10% do valor global das exportações de matérias-primas críticas enfrentou pelo menos uma medida de restrição às exportações nos últimos anos. A OCDE atribui o uso dessas barreiras a uma mistura complexa de considerações econômicas e não econômicas.

China, Índia, Argentina, Rússia, Vietnã e Cazaquistão são os seis principais países que mais impuseram novas restrições na exportação. Com a China, o Ocidente tem crescente rivalidade. Com a Rússia, tem a guerra na Ucrânia. É nesse cenário de alta tensão geopolítica que os países da OCDE estão cada vez mais expostos a restrições à exportação de matérias-primas críticas.

O Chile é país que mais recentemente anunciou plano de nacionalizar as reservas de lítio. O México já decidiu a nacionalização de sua indústria dessa commodity no ano passado. A Indonésia controla a exportação de níquel, pela qual quer ser uma potência na energia limpa. O Zimbábue proibiu a exportação de lítio não processado. Na América Latina, segundo levantamento da Universidade de Boston (EUA), os investimentos de companhias da China focam cada vez mais em lítio, energia renovável e veículos elétricos. Em janeiro, a Bolívia anunciou acordo de investimento de US$ 1 bilhão com os chineses envolvendo suas reservas de lítio.

O Brasil tem um peso nada desprezível em algumas matérias-primas industriais estratégicas. Conforme levantamento da OCDE, o país detém a segunda maior reserva mundial de elementos de terra rara (18,33% do total), bastante utilizada na indústria de alta tecnologia; de manganês (13,6%) e de ferro-gusa (18,8%). Tem a terceira maior reserva de níquel (12,4%) e também de grafite natural (24%). Mas, em termos de produção, só aparece entre os maiores com o grafite, com 8,5% do total e 2% de ferro-gusa. O estudo não menciona que o Brasil é o maior produtor mundial de nióbio, metal muito resistente ao calor e ao desgaste e amplamente cobiçado.

O país impõe licença de exportação para quatro produtos: nióbio, terras raras, titânio e zircônio (com grande aplicação na indústria nuclear).

O interesse de parceiros aumentou. A China busca investir onde pode, no setor. A União Europeia quer explorar com o Brasil uma parceria estratégica em matérias-primas críticas. No governo de Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira já tinha respondido aos Estados Unidos que eles eram bem-vindos, inclusive para fazer diferença em investimentos nesse setor, mas que o Brasil não pretendia privilegiar parceiros, como queria Washington. Agora, cabe ao governo Lula definir claramente a direção que o país vai tomar.

 

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