Valor Econômico
Relatório da OCDE aponta crescentes
restrições às exportações de matérias-primas especiais empregadas na transição
para a energia verde
As matérias-primas críticas tomam crescente
espaço em estratégias de governos para assegurar o abastecimento, na
transformação de uma economia dominada por combustíveis fósseis, em uma
economia liderada por tecnologias de energia renovável. Há oportunidades, mas
também riscos de mais conflitos comerciais e mais tensões internacionais. O
Brasil, em todo o caso, poderá ter papel relevante na cadeia de suprimentos da
transição verde.
Algumas matérias-primas relativamente abundantes, que tradicionalmente têm sustentado a produção industrial, como alumínio, cobre e minério de ferro e aço, continuarão sendo essenciais nos setores verdes. Outros materiais, como minerais de terras raras, lítio, cobalto ou níquel, são predominantes nas novas tecnologias, veículos elétricos, energia renovável.
A transição verde reduzirá a dependência
global de combustíveis fósseis. Ocorre que a produção de matérias-primas
industriais é bem menor que a oferta de petróleo. Além disso, relatório da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta
crescentes restrições às exportações. Um alto funcionário europeu reagiu
tuitando: “Preparem-se para o nacionalismo metálico”.
O tema está na ordem do dia impulsionado
pelo compromisso de um grande número de países de alcançar emissões líquidas
zero de CO2 até 2050. Isso exigirá um aumento enorme da produção e do comércio
internacional de várias matérias-primas para descarbonizar as economias.
Exemplo: um carro elétrico típico requer seis vezes mais insumos minerais do
que um carro convencional, e uma usina eólica terrestre exige nove vezes mais
recursos minerais do que uma usina a gás. Pelas projeções da Agência
Internacional de Energia (AIE), nos próximos 20 anos a demanda do setor de
energia limpa por materiais como cobalto, grafite natural ou lítio aumentará de
20 para mais de 40 vezes.
Na última década, o lítio, elementos de
terras raras, cromo, arsênico, cobalto, titânio, selênio e magnésio registraram
as maiores expansões de volume de produção, variando entre 33% para magnésio a
208% para o lítio. Mas a OCDE calcula que esse aumento é modesto comparado ao
projetado crescimento da demanda na transição verde. Ao mesmo tempo, a produção
de outras matérias-primas críticas, como chumbo, grafite natural, zinco,
minérios metálicos preciosos e concentrados e estanho, declinou nesse período.
A produção é hoje concentrada em alguns
países. A China é um dos principais produtores de seis das dez matérias-primas
críticas com produção mais concentrada, enquanto Austrália e Rússia aparecem
três vezes, e a África do Sul e o Zimbábue, duas vezes.
Por sua vez, a concentração no comércio
internacional desses produtos parece mais modesta, mas a OCDE mostra visível
inquietação. Metade da dependência de abastecimento de seus países membros (38
industrializados e alguns emergentes) está concentrada em países do Brics: a
China responde por 24% do total, a Rússia por 10%, seguida por Brasil (6%),
África do Sul (6%) e Índia (4%). Ela ocorre em uma gama de diferentes
matérias-primas críticas, mas sobretudo em metais tradicionais como ferro e
aço, cobre e alumínio, também utilizados intensivamente em tecnologias verdes.
O Japão é responsável por 9% de toda a dependência,
seguido por Chile, Colômbia e Austrália (8% cada). Chile e Austrália, por
exemplo, dependem principalmente de ferro, aço e produtos químicos inorgânicos
importados principalmente da China e de outros países do Brics, e a Colômbia,
de materiais de alumínio.
Ao mesmo tempo, a incidência global de
restrições à exportação de matérias-primas críticas aumentou mais de cinco
vezes em dez anos. Cerca de 10% do valor global das exportações de
matérias-primas críticas enfrentou pelo menos uma medida de restrição às
exportações nos últimos anos. A OCDE atribui o uso dessas barreiras a uma
mistura complexa de considerações econômicas e não econômicas.
China, Índia, Argentina, Rússia, Vietnã e
Cazaquistão são os seis principais países que mais impuseram novas restrições
na exportação. Com a China, o Ocidente tem crescente rivalidade. Com a Rússia,
tem a guerra na Ucrânia. É nesse cenário de alta tensão geopolítica que os
países da OCDE estão cada vez mais expostos a restrições à exportação de
matérias-primas críticas.
O Chile é país que mais recentemente
anunciou plano de nacionalizar as reservas de lítio. O México já decidiu a
nacionalização de sua indústria dessa commodity no ano passado. A Indonésia
controla a exportação de níquel, pela qual quer ser uma potência na energia
limpa. O Zimbábue proibiu a exportação de lítio não processado. Na América
Latina, segundo levantamento da Universidade de Boston (EUA), os investimentos
de companhias da China focam cada vez mais em lítio, energia renovável e
veículos elétricos. Em janeiro, a Bolívia anunciou acordo de investimento de
US$ 1 bilhão com os chineses envolvendo suas reservas de lítio.
O Brasil tem um peso nada desprezível em
algumas matérias-primas industriais estratégicas. Conforme levantamento da
OCDE, o país detém a segunda maior reserva mundial de elementos de terra rara
(18,33% do total), bastante utilizada na indústria de alta tecnologia; de
manganês (13,6%) e de ferro-gusa (18,8%). Tem a terceira maior reserva de
níquel (12,4%) e também de grafite natural (24%). Mas, em termos de produção,
só aparece entre os maiores com o grafite, com 8,5% do total e 2% de
ferro-gusa. O estudo não menciona que o Brasil é o maior produtor mundial de
nióbio, metal muito resistente ao calor e ao desgaste e amplamente cobiçado.
O país impõe licença de exportação para
quatro produtos: nióbio, terras raras, titânio e zircônio (com grande aplicação
na indústria nuclear).
O interesse de parceiros aumentou. A China
busca investir onde pode, no setor. A União Europeia quer explorar com o Brasil
uma parceria estratégica em matérias-primas críticas. No governo de Jair
Bolsonaro, a diplomacia brasileira já tinha respondido aos Estados Unidos que
eles eram bem-vindos, inclusive para fazer diferença em investimentos nesse
setor, mas que o Brasil não pretendia privilegiar parceiros, como queria
Washington. Agora, cabe ao governo Lula definir claramente a direção que o país
vai tomar.
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