O Estado de S. Paulo
Não é um mal em si permitir o rompimento da meta de primário, desde que a sanção seja de fato boa para produzir maior controle de gastos
O novo arcabouço fiscal nasceu pelo Projeto
de Lei Complementar (PLP) n.º 93, de 2023. O plano é bom e poderá ajudar a
melhorar as contas públicas. Contudo, há uma série de aprimoramentos que
poderiam deixar o controle de gastos mais efetivo e reforçar a proposta
apresentada pela equipe econômica.
A regra de gastos do PLP n.º 93 baseia-se
na evolução das receitas líquidas de transferências a Estados e municípios,
descontando-se também os recursos de dividendos pagos por estatais, a
arrecadação de concessões e os royalties.
Se a receita líquida crescer a 0,9%, em termos reais, no acumulado em 12 meses até junho de 2023, então as despesas de 2024 só poderão crescer a 70% dessa taxa, ou seja, 0,63% em termos reais. A essa taxa real será adicionada a inflação projetada para 2023, que o governo informará no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) em agosto. Se a inflação for de 6%, então a despesa crescerá esses 6% mais a taxa real citada.
Há dois problemas nessa mecânica proposta.
Primeiro, a inflação utilizada para calcular a evolução real da receita
líquida, no meio do ano, será a acumulada até junho, o que é economicamente
errado (algo que já vinha também do antigo teto de gastos). Nessa ótica, a
inflação será provavelmente de 4,2%. O segundo problema é usar a inflação
projetada para o fim do exercício de modo a fixar as despesas para o ano
seguinte. Esses dois erros criam uma diferença de índices de correção a elevar
a despesa nominal estimada.
Para corrigir, o Congresso poderia propor
que a taxa real da receita fosse calculada com base na inflação média. A alta
real de 0,9% se transformaria numa queda real de 0,7%. Neste caso, como existe
uma banda de 0,6% a 2,5%, a despesa não diminuiria, no ano que vem; seria
aplicado o piso de 0,6%. Por sua vez, a inflação utilizada para calcular o
gasto nominal de 2024 deveria ser a mesma do cálculo da receita líquida real. É
verdade que há uma série de gastos indexados à inflação e, se ela aumentar até
o fim do ano, as projeções de despesas acabariam pressionadas para 2024,
enquanto a correção do limite estaria congelada pelo cálculo do meio do ano.
Para resolver esse problema, poder-se-ia prever um mecanismo de atualização da
correção circunscrito ao período de tramitação do Ploa no Congresso.
Outra sugestão: inserir medidas automáticas
de ajuste para situações de iminente rompimento da meta de resultado primário.
Elas seriam acionadas quando da avaliação periódica do Orçamento. Dois
exemplos: congelamento de quaisquer ações que aumentem os gastos, tanto do
Executivo como do Legislativo; e interrupção de programas de reajustes
salariais.
Essa modificação complementaria a nova
lógica introduzida pelo arcabouço fiscal, de permitir o rompimento da meta de
resultado primário fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A saber, na
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000), o
descumprimento da meta de primário não tem perdão, digamos assim. Pode ensejar
crime de responsabilidade. É bom, por razões óbvias, ao estabelecer padrões
rígidos e corretos de responsabilidade. Contudo, ao longo de mais de 20 anos de
funcionamento do regime de metas de primário, governos de colorações
partidárias diferentes optaram por propor mudança de meta na LDO ao Congresso
quando vislumbravam risco. A meta era alterada e, em seguida, cumprida. O mesmo
ocorreu por ao menos quatro vezes com o teto de gastos, mas com custo muito
maior, já que dependeu de alteração constitucional.
A flexibilização trazida no PLP n.º 93
serve para permitir o acionamento de sanções. Se a meta, por definição, na lei,
não pode ser rompida, como mostrei, não haveria como acionar restrições para o
crescimento do gasto vinculadas a esse rompimento. Nenhum governante deixaria o
ano terminar com a meta de primário estourada. Sempre, como aconteceu até aqui,
enviaria um projeto de lei mudando a meta, com anuência do Congresso.
Assim, não é um mal em si permitir o
rompimento da meta de primário, desde que a sanção seja de fato boa para
produzir maior controle de gastos. A sanção proposta no PLP n.º 93 é reduzir o
porcentual de 70% da taxa de variação real da receita líquida para 50%. Minha
sugestão é que esse porcentual fosse fixado em 20%, restringindo mais o gasto
no ano seguinte.
Então, quando e se o governo optasse por
deixar de cumprir a meta de resultado primário ou mesmo se o contingenciamento
de despesas discricionárias não fosse suficiente para garanti-la, a sanção dos
20% seria acionada. Na minha proposta, ele teria também de aplicar medidas
restritivas já no ano corrente. A vantagem desse sistema em relação ao
originalmente previsto na LRF é que ele contém plano B. Romper a meta de
primário não levaria a um abismo fiscal, mas, sim, ao acionamento de medidas de
ajuste fiscal críveis.
Essas são as minhas sugestões, a partir de
um modelo que atendeu, no nascedouro, às expectativas gerais. Sem dúvida,
afastou o risco de um cenário fiscal mais pessimista. O Congresso daria boa
colaboração se, ao lado da equipe econômica, promovesse esses ajustes.
*Economista-chefe e sócio da Warren Rena, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor-executivo da IFI
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