Valor Econômico
Desculpa risível de Bolsonaro fragiliza
aposta do Centrão
Estava tudo pronto para o início da
temporada de achaques. O terraplanismo era apenas a cereja do bolo. A CPMI do
8/1 foi montada por interesses mais do que terrenos. Concretíssimos. Tantos que
se multiplicaram. Planejam-se filhotes de comissões. Uma para achacar os
bilionários da Americanas, outra para tirar, do MST, as superintendências
regionais do Incra. Saíram do planejamento para ações concretas como o aval da
comissão de Segurança da Câmara ao restabelecimento do liberou geral das armas.
Eis que, neste momento, uma picada de
morfina golpista, tirou o foco da turma. O ex-presidente disse à Polícia
Federal que veiculou, por engano, no Facebook, um vídeo de incitação ao golpe
que se destinava ao WhatsApp. E que o fez por estar sob o efeito de morfina
ministrada num hospital, em Orlando, onde se internara com obstrução
intestinal.
O meme já tinha viralizado nas redes
sociais - “foi mal, tava doidão” - quando o deputado federal, André Fufuca
(PP-MA), entrevistado ao vivo na GloboNews, com o rubor natural das maçãs de
seu rosto acentuado, disse não ter fatos concretos para acreditar que Jair
Bolsonaro tenha estado por trás dos atos de 8/1. Dois dias antes, o presidente
do PP, senador Ciro Nogueira (PI), havia dito, no “Roda Viva”, que nenhum dos
três filhos parlamentares do ex-presidente lhe era tão leal quanto ele.
O opioide golpista é uma má notícia para a turma do achaque. Não afasta a responsabilidade penal do “tô doidão”. Nem mesmo o dolo. Não explica o genocídio dos Yanomamis, as centenas de milhares de mortos da gestão criminosa da pandemia nem a interdição das estradas do Nordeste no dia da eleição. Tampouco é um alucinógeno capaz de transformar as joias árabes numa miragem. No limite, prova a dependência do ex-presidente dos fármacos - da cloroquina à morfina.
Fica difícil para o PP de Ciro Nogueira,
Arthur Lira e André Fufuca sustentar a lucrativa empreitada. A CPMI é uma
tentativa de prorrogar as engrenagens da era bolsonarista, que associa a
capacidade do ex-presidente de fabricar mentiras e influenciar eleitores com a
caixa registradora do Centrão. Na medida em que o ex-presidente se mostra
desarmado frente ao inquérito do Supremo Tribunal Federal, não é na CPMI que
encontrará meios de manter a chama acesa do capital eleitoral do bolsonarismo.
É bem verdade que é cedo para reduzir a
trinca Ciro-Lira-Fufuca a uma nota de R$ 3. Com um ano e meio de antecedência, Lira
só pensa nas composições de que precisará para fazer seu sucessor e, assim, se
manter influente. Já não tem nem metade dos 464 votos que o elegeram em
fevereiro. No limite, os 173 de seu bloco. Qualquer oportunidade que tenha para
emparedar o governo e arrancar vantagens para aqueles que pretende
arregimentar, tanto melhor. Um exemplo? Danilo Forte (União Brasil-CE) na
relatoria da LDO. Nunca foram próximos, mas o cargo evita fissuras no partido
que espera manter ao seu lado.
Tome-se, ainda, o que se passa com a CPI da
Americanas. A ameaça é requentada. Quando apareceu, dois meses atrás, os sócios
do 3G ainda relutavam em fechar acordo com os bancos credores. Apareceu uma
cifra de R$ 10 bilhões, a CPI refluiu. A pedida subiu para R$ 12 bilhões. A CPI
reapareceu e, com ela, a descrença de que qualquer empreitada do gênero é
indiferente à proximidade entre André Esteves, presidente do conselho de
administração de um dos credores (BTG) e Arthur Lira.
Ex-parlamentares com bom trânsito no
Congresso foram arregimentados ao longo desta quarta-feira para tentar abortar
a CPI da Americanas. E no que uma comissão do gênero pode ser danosa ao
governo? Como a turma do achaque tem a boca torta, apareceu um novo cachimbo, o
dos IPOs cujos acionistas tiveram prejuízos nos últimos anos. É uma maneira de
tentar contaminar o mercado que, até aqui, tem se mantido quieto na expectativa
de salvar, pelo menos, o arcabouço fiscal.
A sorte do governo é que o Judiciário hoje
está tão empenhado em cortar a ameaça à democracia pela raiz quanto o
Executivo. Vide a cena protagonizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal,
Alexandre de Moraes, que adentrou ao Senado nesta quarta-feira sob
incandescentes holofotes.
Foi entregar ao presidente da Casa, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), a sugestão para que os perfis de redes sociais que veiculem
mentiras sejam imediatamente suspensos. A votação da urgência para o projeto de
lei das “fake news” na Câmara havia sido a resposta de Lira para as gritantes
evidências de que o achaque vinha sendo gestado na paralisia legislativa da
Casa. Moraes foi lá e mostrou que era pouco.
É este embate entre Legislativo e o
Judiciário que levou Lira a correr com a votação do marco temporal para a
demarcação das terras indígenas. O tema foi pautado para junho e a presidente
do Supremo, Rosa Weber, pretende fazer dele um dos paradigmas de sua gestão,
mas enfrenta a disposição de Lira de agradar seu curral ruralista.
A retaguarda no Judiciário ainda pode
ajudar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a alcançar uma parte da receita
que precisa para manter o arcabouço fiscal em pé. As reiteradas declarações de
confiança em Lira não fizeram o presidente da Câmara engolir a
descriminalização do não cumprimento da LRF. Tampouco impediram a resistência
do arquialiado de Lira, Felipe Carreras (PSB-PE), líder do blocão da Câmara, à
redução nos subsídios para o setor de eventos.
Depois de tantos revezes à sua intenção de
reduzir as desonerações, resta a Haddad refazer as contas e se fiar em decisões
como a da 1ª seção do Superior Tribunal de Justiça que seguiu o relator,
Benedito Gonçalves, e aprovou a tributação de IR e CSLL de empresas que recebem
incentivos fiscais de ICMS. A medida, cujo potencial foi definido pelo ministro
como o de “mudar completamente o horizonte fiscal do país”, ainda terá que
enfrentar o STF.
A retaguarda do Judiciário não desobriga o
governo de fazer maioria na CPMI. Mas o inquérito no STF - e aquele que corre
sobre a elegibilidade do ex-presidente no TSE - têm um peso inestimável para
ajudar o Executivo a desidratar o achaque em curso no Congresso. Como tudo, tem
um preço, mas, por ora, é o mais baixo a pagar.
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