Folha de S. Paulo
Inadimplência extrema no sistema bancário
está concentrada em cartão de crédito
Famílias
endividadas e inadimplência se
tornaram um assunto político relevante. O governo Lula tenta desenrolar um
plano de abatimento de dívidas, o
Desenrola. Não entrou em operação porque faltaria desenvolver a tecnologia
de operação do sistema.
Zanzou também pelo governo a ideia de tabelar taxas de juros, como no caso do consignado e do cartão de crédito rotativo. Isso não funciona.
Nos bancos, a inadimplência está em alta
desde meados de 2021. Quão alta? Não tanto quanto sob Dilma 1,
Dilma 2, na Grande
Recessão (2015-2016) e nos anos de lenta saída do fundo dessa
catástrofe, até 2018.
O problema parece mais complexo do que sugerem as manchetes sobre taxas de inadimplência de quase 50% em certa linha de crédito. Simplificar o problema não é um bom caminho para dar um jeito nele.
Na média geral, a inadimplência até janeiro
deste ano era inferior à registrada nos anos de governo de Dilma Rousseff 1
(dados referentes ao crédito dito "livre"). No Banco Central,
que compila essas estatísticas, não há dados anteriores a 2011.
No que diz respeito a pessoas
jurídicas, a inadimplência ainda é menor do que a registrada de 2011 a
2019. Quanto a pessoas físicas, também é menor do que na maior parte de Dilma 1
e na Grande Recessão (dezembro de 2015 a setembro de 2016).
O problema extremo está no cartão de
crédito, o rotativo e o parcelado. Nessas linhas mortíferas de empréstimos, a
inadimplência é recorde e enorme desde meados de 2022.
Nos demais tipos de empréstimos, a coisa
não vai tão mal quanto no primeiro governo de Dilma Rousseff, repita-se, quando
havia crescimento de PIB, salários e benefícios
sociais (embora a insatisfação fervesse baixo, vide 2013).
O total de crédito (saldo) via cartão de
crédito rotativo representa apenas 4,5% do total de crédito livre para pessoas
físicas e 1,5% do total dos empréstimos bancários. As pessoas e famílias que
caíram nesse moinho satânico estão de fato desgraçadas. Não há saída para
dívidas com taxas de juros de mais de 400% ao ano. Conviria tentar achar uma
solução pontual para esse desespero e, mais importante, fazer alguma reforma
que impeça esse desastre.
Ainda assim, trata-se de parcela muito
pequena do crédito total. Há problemas em outra parte.
Para começar, as pessoas se endividam em
serviços como água,
luz, internet. Além disso, mesmo que não tenham contas em atraso, pode
bem ser que o serviço dessa dívida esteja estrangulando orçamentos.
O Banco Central tem também estatísticas de
endividamento das famílias. O comprometimento da renda das famílias com o
serviço (pagamento) da dívida foi em média de 23% de 2017 a 2019 (depois da
Grande Recessão, antes da epidemia). Desde julho de 2022, está na casa dos 27%.
Esse número do BC tem interesse, mas
limitações óbvias. São médias, o serviço total das dívidas como proporção dos
rendimentos totais. Essa média, claro, apaga diferenças enormes e situações
terríveis. De qualquer modo, mostra que a dívida pesa cada vez mais nos orçamentos.
Dívidas podem ser boa coisa, também óbvio,
como quando é possível financiar e pagar uma casa, por exemplo. O tamanho do
crédito em relação ao tamanho da economia (do PIB) no Brasil é
relativamente pequeno.
É possível pensar em programas para atenuar
pontualmente situações insuportáveis. Mas nem de longe há dinheiro público para
subsidiar toda a gente em dificuldade, nem a dificuldade é, em geral, tão
grande quanto nos anos 2010-19.
De resto, isso é tapar sol com peneira. Sem
estabilidade econômica (contas
públicas arrumadas, inflação e juros menores) e crescimento, qualquer
promessa geral de resolver a situação é demagogia e insustentável.
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