quinta-feira, 27 de abril de 2023

José Augusto Guilhon Albuquerque* - Lula vai de mãos vazias à caça de uma onça

O Estado de S. Paulo

Quando se consolida a percepção de que um país é inconfiável, a ela se agrega a imagem de país fraco, que atrai a cobiça, ‘proteção’ e até intervenção de países que queiram tirar vantagem da fraqueza

Gostaria de lembrar um alerta que publiquei em meu blog em maio de 2019, em torno dos primeiros 100 dias de Jair Bolsonaro no poder. Naquele blog, tratei dos riscos de uma política externa isolacionista. Minhas previsões se confirmaram ao longo dos quarto anos seguintes, mostrando que as orientações de política externa nos primeiros meses de governo podem contaminar todo o mandato.

Quero alertar, agora, sobre a política deliberadamente isolacionista do atual governo, e avaliar suas consequências. O isolamento diplomático é uma situação em que um país se encontra destituído dos recursos de poder que poderia mobilizar, entre países amigos, para enfrentar desafios externos. Com isso, torna-se vulnerável às ameaças oriundas do sistema de poder que predomina na região em que esse país e seus pares vivem e sobrevivem como nações independentes.

Um país considerado pouco ou nada “sério”, isto é, inconfiável, fica isolado. Acaba sendo tratado como um pária e dificilmente poderá contar com o respeito e a boa vontade da comunidade internacional, mesmo que possua – o que não é o nosso caso – amplos recursos econômicos e militares. Quando se consolida essa percepção de que um país é inconfiável, a ela se agrega uma imagem de país fraco.

E um país fraco atrai a cobiça, a “proteção” e até intervenção de países que queiram tirar vantagem de sua fraqueza. É essa a trajetória que o governo lulopetista está adotando quando tenta eleger os EUA – em substituição ao bolsonarismo – como alvo de sua inseparável polarização.

O sucesso da polarização com os EUA dependeria do declínio americano e de seu isolamento, que seria bem recebido pelo antiamericanismo jacente em nossa elite. E supõe, também, a veracidade do discurso petista sobre um conluio americano com a direita brasileira e o nosso Judiciário, com o objetivo de condenar e prender Lula, destruir nossas maiores empresas e impor as derrotas mal digeridas do PT em 2016 e em 2018.

Esse discurso lulopetista mostra como uma parte da esquerda petista é prisioneira do dilema nietzschiano da relação entre o senhor e o servo: definir-se por oposição à malignidade dos poderosos é uma confissão de servidão ideológica.

Não obstante, o antiamericanismo de nossa elite não é compartilhado pelo brasileiro mediano, seja em termos de origem social, de nível de renda ou de nível educacional. A importância da emigração desses brasileiros para aquele país demonstra certo compartilhamento do sonho americano.

Ora, escolher os EUA como inimigo vital e aliar-se à China, no atual contexto mundial de competição geopolítica, significa contrariar não apenas os interesses americanos, mas também os da União Europeia, do Japão e da Coreia do Sul – para dar uma ideia do que essa polarização significa em riscos para o comércio bilateral. Sem falar da repercussão no Vietnã, na Índia e em outros países do entorno da China, que sofrem o insistente assédio militar chinês.

As consequências dessa conduta presidencial não se fizeram esperar: a reação depreciativa do governo Biden foi imediata, logo seguida de um pito, curto e grosso, dado pelo porta-voz da União Europeia e de uma clara ameaça do G7 de impor “custos severos” a quem ajudar a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia.

O rápido recuo do presidente brasileiro é um sinal de fraqueza e, para as potências ocidentais, uma comprovação de que falar grosso, mas também mostrar o porrete, pode ser a maneira eficaz de lidar com o governo brasileiro, uma vez que as tentativas de Biden, do alemão Olaf Scholz ou do japonês Fumio Kishida de falar manso em apoio a Lula não foram retribuídas.

Além de sinalizar fraqueza, o caráter sinuoso do discurso de Lula sobre a guerra de Putin, a paz, a soberania nacional e a autodeterminação dos povos robustece as dúvidas já existentes sobre a confiabilidade de seu governo.

A aprovação, em 18 de abril, no Parlamento Europeu – por ampla maioria de 552 a favor, 44 contra e 43 abstenções – de uma legislação que impõe severas restrições à importação de produtos que possam direta ou indiretamente causar desmatamento é um alerta. A lista vai do gado ao papel impresso, aos direitos humanos em geral e aos direitos dos povos autóctones como critérios suplementares. Itens como borracha, papel impresso e derivados de azeite de dendê foram incluídos de última hora. E mais: países e partes de países sofrerão uma avaliação de risco que poderá agravar ou amenizar as restrições.

Assim, o resultado dessa votação, a natureza e o conteúdo da lista e, sobretudo, as inserções de última hora trazem a marca de Made in Brazil e da responsabilidade de Lula por ignorar as consequências de seus atos.

Nossa sabedoria popular nos ensina a não cutucar a onça com vara curta. Infelizmente, as mais recentes incursões presidenciais no domínio da diplomacia sugerem que o que sobrou da sua sabedoria política o está levando a procurar, obstinadamente, aonde quer que vá, uma onça para caçar de mãos vazias.

* Professor titular de Relações Internacionais da USP

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