O Estado de S. Paulo
Quando se consolida a percepção de que um país é inconfiável, a ela se agrega a imagem de país fraco, que atrai a cobiça, ‘proteção’ e até intervenção de países que queiram tirar vantagem da fraqueza
Gostaria de lembrar um alerta que publiquei
em meu blog em maio de 2019, em torno dos primeiros 100 dias de Jair Bolsonaro
no poder. Naquele blog, tratei dos riscos de uma política externa
isolacionista. Minhas previsões se confirmaram ao longo dos quarto anos
seguintes, mostrando que as orientações de política externa nos primeiros meses
de governo podem contaminar todo o mandato.
Quero alertar, agora, sobre a política deliberadamente
isolacionista do atual governo, e avaliar suas consequências. O isolamento
diplomático é uma situação em que um país se encontra destituído dos recursos
de poder que poderia mobilizar, entre países amigos, para enfrentar desafios
externos. Com isso, torna-se vulnerável às ameaças oriundas do sistema de poder
que predomina na região em que esse país e seus pares vivem e sobrevivem como
nações independentes.
Um país considerado pouco ou nada “sério”, isto é, inconfiável, fica isolado. Acaba sendo tratado como um pária e dificilmente poderá contar com o respeito e a boa vontade da comunidade internacional, mesmo que possua – o que não é o nosso caso – amplos recursos econômicos e militares. Quando se consolida essa percepção de que um país é inconfiável, a ela se agrega uma imagem de país fraco.
E um país fraco atrai a cobiça, a
“proteção” e até intervenção de países que queiram tirar vantagem de sua
fraqueza. É essa a trajetória que o governo lulopetista está adotando quando
tenta eleger os EUA – em substituição ao bolsonarismo – como alvo de sua
inseparável polarização.
O sucesso da polarização com os EUA
dependeria do declínio americano e de seu isolamento, que seria bem recebido
pelo antiamericanismo jacente em nossa elite. E supõe, também, a veracidade do
discurso petista sobre um conluio americano com a direita brasileira e o nosso
Judiciário, com o objetivo de condenar e prender Lula, destruir nossas maiores
empresas e impor as derrotas mal digeridas do PT em 2016 e em 2018.
Esse discurso lulopetista mostra como uma
parte da esquerda petista é prisioneira do dilema nietzschiano da relação entre
o senhor e o servo: definir-se por oposição à malignidade dos poderosos é uma
confissão de servidão ideológica.
Não obstante, o antiamericanismo de nossa
elite não é compartilhado pelo brasileiro mediano, seja em termos de origem
social, de nível de renda ou de nível educacional. A importância da emigração
desses brasileiros para aquele país demonstra certo compartilhamento do sonho
americano.
Ora, escolher os EUA como inimigo vital e
aliar-se à China, no atual contexto mundial de competição geopolítica,
significa contrariar não apenas os interesses americanos, mas também os da
União Europeia, do Japão e da Coreia do Sul – para dar uma ideia do que essa polarização
significa em riscos para o comércio bilateral. Sem falar da repercussão no
Vietnã, na Índia e em outros países do entorno da China, que sofrem o
insistente assédio militar chinês.
As consequências dessa conduta presidencial
não se fizeram esperar: a reação depreciativa do governo Biden foi imediata,
logo seguida de um pito, curto e grosso, dado pelo porta-voz da União Europeia
e de uma clara ameaça do G7 de impor “custos severos” a quem ajudar a Rússia em
sua guerra contra a Ucrânia.
O rápido recuo do presidente brasileiro é
um sinal de fraqueza e, para as potências ocidentais, uma comprovação de que
falar grosso, mas também mostrar o porrete, pode ser a maneira eficaz de lidar
com o governo brasileiro, uma vez que as tentativas de Biden, do alemão Olaf
Scholz ou do japonês Fumio Kishida de falar manso em apoio a Lula não foram
retribuídas.
Além de sinalizar fraqueza, o caráter
sinuoso do discurso de Lula sobre a guerra de Putin, a paz, a soberania
nacional e a autodeterminação dos povos robustece as dúvidas já existentes
sobre a confiabilidade de seu governo.
A aprovação, em 18 de abril, no Parlamento
Europeu – por ampla maioria de 552 a favor, 44 contra e 43 abstenções – de uma
legislação que impõe severas restrições à importação de produtos que possam
direta ou indiretamente causar desmatamento é um alerta. A lista vai do gado ao
papel impresso, aos direitos humanos em geral e aos direitos dos povos
autóctones como critérios suplementares. Itens como borracha, papel impresso e
derivados de azeite de dendê foram incluídos de última hora. E mais: países e
partes de países sofrerão uma avaliação de risco que poderá agravar ou amenizar
as restrições.
Assim, o resultado dessa votação, a
natureza e o conteúdo da lista e, sobretudo, as inserções de última hora trazem
a marca de Made in Brazil e da responsabilidade de Lula por ignorar as
consequências de seus atos.
Nossa sabedoria popular nos ensina a não
cutucar a onça com vara curta. Infelizmente, as mais recentes incursões
presidenciais no domínio da diplomacia sugerem que o que sobrou da sua
sabedoria política o está levando a procurar, obstinadamente, aonde quer que
vá, uma onça para caçar de mãos vazias.
* Professor titular de Relações Internacionais da USP
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