O Globo
Mídias sociais precisam retirar com
agilidade e rigor conteúdos que celebram massacres
Peço desculpas ao leitor por voltar ao tema
dos massacres nas escolas, depois de discuti-lo na última coluna e, outra vez,
em artigo na quinta-feira. Mas o assunto é tão grave e tão urgente que achei
necessário retomá-lo.
Os ataques a escolas são um problema
complexo, e as soluções de fundo são tão variadas e de longo prazo que podemos
perder de vista medidas efetivas para adotar de imediato. Há pelo menos três coisas
que podemos fazer já.
A primeira é a adoção, pelos veículos de imprensa, de um protocolo para a cobertura dos massacres. Como já foi amplamente discutido em reportagens, eles são estimulados por comunidades true crime (crimes reais) que se reúnem no Twitter, no Telegram e no TikTok. Nessas comunidades, jovens e adolescentes celebram massacres como os de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, ou Suzano, no Brasil, em 2019. Adolescentes que passam por momentos difíceis e são seduzidos por impulsos sombrios e aspiram a sair do anonimato ao se inscrever nessa história de crimes.
Nas mídias sociais, os membros dessas
comunidades trocam vídeos e imagens de massacres e celebram os assassinos. Uma
parte significativa dos conteúdos compartilhados são reportagens que mostram
cenas violentas e nomeiam os agressores. É por isso que está bem documentado em
estudos empíricos o efeito contágio: quando um crime tem impacto na mídia,
estimula novas tentativas, num intervalo de até duas semanas. O mecanismo é
simples de descrever: potenciais agressores querem fama e, quando veem que uma
ação bem-sucedida a conferiu a alguém, se sentem estimulados a tentar também.
O Grupo Globo logo no começo da crise
aprimorou seu protocolo de cobertura, de maneira a não mostrar imagens, não
nomear os agressores e não citar manifestos ou cartas que apresentem motivos
para o ataque. O jornal O Estado de S. Paulo, a CNN e a TV Bandeirantes tomaram
decisões editoriais semelhantes. Mas veículos importantes, como a TV Record,
ainda mostram imagens. Outros, como a Folha de S.Paulo, decidem caso a caso
como proceder. Veículos regionais e locais , em geral os primeiros a cobrir os
atentados em escolas do interior, também precisam adotar um protocolo.
A segunda medida é complementar à primeira.
Não adianta nada a televisão, os jornais e os portais não mostrarem imagens dos
atentados se elas circularem nas mídias sociais e nos aplicativos de mensagens.
As mídias sociais precisam retirar com agilidade e rigor conteúdos que celebram
massacres. Parte já viola as políticas de comunidade das plataformas e, para a
outra parte, elas precisam aprimorar suas políticas ou ser forçadas pelo poder
público a fazê-lo.
O problema é particularmente grave no
Twitter, que hoje tem uma direção condescendente, e no Telegram, que não tem
moderação nos canais e nos grupos públicos. Precisamos corrigir isso logo, seja
com boa regulação (o Projeto de Lei que regulamenta as mídias sociais precisa
tratar o problema), seja por ação do Judiciário ou do Ministério Público.
A terceira medida é de ordem policial. Não
temos hoje estruturas policiais dedicadas a enfrentar este problema,
particularmente no âmbito federal. Para frustrar os ataques, precisamos de
trabalho de inteligência permanente, monitorando comunidades digitais que
cultuam massacres. Quando um potencial agressor é identificado, uma autoridade
policial precisa visitar a residência do jovem e alertar os pais e a escola,
dissuadindo-o e acabando com o efeito surpresa.
Algumas polícias estaduais fazem
eventualmente esse trabalho, mas são limitadas pela natureza interestadual do
delito. Ele é incitado e planejado na internet e, em geral, só descobrimos em
que estado vive o potencial agressor quando a Justiça autoriza a quebra de
sigilo. Por esse motivo, quem está vocacionado para fazer esse monitoramento de
inteligência de maneira permanente é a Polícia Federal (PF). A direção da PF
precisa dedicar uma estrutura para tratar o problema de maneira permanente, e
não apenas nestes dias de crise.
Essas três medidas, mesmo se tomadas em conjunto, não serão capazes de resolver a questão, que é mesmo complicada. Mas, se sairmos deste turbilhão tendo conseguido adotá-las, estaremos mais bem preparados para uma próxima vez.
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