O Estado de S. Paulo
As plataformas, com seus algoritmos, já exercem papel moderador. Mas não é claro como o fazem
As barbaridades perpetradas em escolas em
Blumenau e São Paulo desencadearam um debate sobre a responsabilidade das
plataformas digitais. O Ministério da Justiça emitiu, na quarta-feira passada,
portaria que impede o compartilhamento de conteúdos que façam ameaças ou
incentivem ataques em escolas.
O debate sobre o assunto é mundial e é balizado por duas perguntas. Primeira: as plataformas são responsáveis pelos conteúdos que publicam? Segunda: elas devem remunerar os produtores de conteúdo? São, no entanto, falsas questões. As plataformas, com seus algoritmos, já exercem papel moderador. E, igualmente, já subsidiam alguns produtores de conteúdo. Nos dois casos, no entanto, não é claro para o público como exercem esse papel. As novas legislações sobre o tema exigem, basicamente, maior transparência.
“O serviço que as plataformas vendem é, em
essência, a moderação de conteúdo”, diz Ricardo Campos, professor da
Universidade Goethe, em Frankfurt. Ele vem participando das discussões no
Congresso brasileiro a respeito do Projeto de Lei 2630, a “Lei das Fake News”,
cuja ementa destaca justamente a questão da transparência. Campos, um dos
maiores especialistas mundiais no assunto, é o entrevistado no minipodcast da
semana.
A lei que vem sendo discutida no Brasil se
inspira no Digital Services Act (DSA) recentemente aprovado na União Europeia.
“Nos últimos tempos, a Europa tem sido
exportadora de regulações digitais”, diz Campos. O DSA responsabiliza
claramente as plataformas pelo conteúdo que publicam.
Na Alemanha, por exemplo, elas são
responsáveis por retirar do ar conteúdos que firam as leis contra discurso de
ódio. Além disso, uma ferramenta permite que um cidadão que se sinta difamado
possa alertar a rede social que publicou o conteúdo. Por ser moderadora, a
plataforma tem a obrigação de justificar por que decidiu mantê-lo ou removê-lo.
Várias plataformas já subsidiam produtores
de conteúdo jornalístico – mas isso também não ocorre de forma transparente. Na
Austrália, criou-se a figura de um mediador entre as plataformas e as empresas
jornalísticas – alternativas e de legado – com o objetivo de definir critérios
claros sobre o tema.
“O estado democrático não se assenta apenas
na estrutura organizacional, mas também no debate que ocorre na esfera pública
– e para isso é fundamental o trabalho do jornalismo profissional”, diz Campos.
Faz sentido, assim, que as especificidades do ofício – e suas formas de
remuneração na era digital – façam parte do debate entre os cidadãos e entre os
parlamentares escolhidos por eles.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em ciência política na Universidade de Lisboa
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