O Globo
Por que o ministro não compra nas livrarias
brasileiras? Elas também fazem vendas on-line
É difícil fiscalizar e, pois, taxar o
comércio eletrônico, tanto nacional quanto internacional. No Brasil, são
centenas de milhares de pequenas compras por dia. Só pelo volume, dá para
imaginar o tamanho e a sofisticação do sistema de computadores necessário para
examinar e cobrar tudo isso. Mais ainda: uma fiscalização minuciosa atravanca e
atrasa o negócio, que pode deixar de ser interessante para os consumidores. Se
isso acontecer, a arrecadação, claro, desaparece.
Tem ainda a logística. Imaginem uma empresa
sediada noutro país, fabricando num terceiro e vendendo aqui, tudo on-line.
Onde cobrar? De novo, é uma questão que preocupa governos mundo afora. Poderiam
fechar acordos internacionais. Mas, pelo que se sabe, Lula não
tratou disso na China.
Há também uma questão social. Amplas
parcelas das classes médias estão acostumadas a pagar barato nesses sites,
especialmente nos de origem asiática.
O ministro Fernando Haddad não conhecia a Shein, mas deveria. Trata-se de uma companhia chinesa, gigante da moda mundial, que vende barato, muito barato. Só no Brasil, deve ter faturado algo como R$ 7 bilhões no ano passado, segundo estimativas de consultorias. É bem mais do que vendem varejistas nacionais. Por que a Shein consegue vender tão barato? Eficiência na produção e na distribuição, maior produtividade, mão de obra mais barata do que nos principais mercados ocidentais, escala maior. E, no caso do Brasil ao menos, pelo não pagamento de impostos.
O governo Lula precisa de um forte ganho de
arrecadação. Mas fez a promessa de não criar impostos novos, nem aumentar as
alíquotas dos já existentes. Como fazer o milagre? Procurando operações que não
pagam. Bingo! O comércio eletrônico, a líder Shein.
Pela regra ainda vigente, vendas de até US$
50, entre pessoas físicas, são isentas. Na prática, todas as vendas até aquele
valor acabam isentas. Empresas vendedoras e consumidores já aprenderam a
fracionar as compras, de modo a ficar no limite de isenção. Na venda de empresa
(pessoa jurídica) para física, o imposto — de pelo menos 60% — incide. Mas é
fácil driblar isso.
Logo, existem aí uma sonegação e uma
concorrência injusta com as varejistas nacionais. Um modo de resolver, claro,
seria eliminar o imposto nas vendas locais — mas o governo não quer perder essa
arrecadação. Como é praticamente impossível checar a origem real de milhares de
encomendas diárias, só restou uma saída. Cancelar a isenção até US$ 50. Assim,
não precisa checar nada: todas as encomendas vindas de fora pagam ao menos 60%
sobre o preço do produto mais o frete.
Tudo legal.
O problema é social e político. Pesquisas
mostram que as classes médias, especialmente aquelas de renda mais baixa, são
as grandes compradoras nos sites chineses. Esse pessoal pagará mais caro, bem
mais. Dependendo do estado, os impostos podem mais do que dobrar o preço. E
isso, claro, restringe a capacidade de consumo daquelas famílias. Se Lula tem
muito voto nessas classes, dá para entender por que o governo ficou tão
desorientado e cometeu tantos erros nesse assunto. Estava claramente
despreparado. Por um motivo constrangedor: elites não conheciam esse mercado
popular.
O prêmio de elitismo cabe ao ministro
Haddad. Quando disse que não conhecia a Shein — o que já era constrangedor —,
acrescentou que, de sites, só sabia da Amazon,
onde compra “pelo menos um livro por dia”. O ministro é um intelectual —
sabemos. Mas, caramba, por que não compra nas livrarias brasileiras? Elas
também fazem vendas on-line. Dirão: estão pegando no pé do ministro. Mas
imaginem se Paulo Guedes tivesse
dito isso.
Tudo considerado, o governo armou várias
armadilhas para si mesmo. Criará um imposto — ao eliminar a isenção —, e a
taxação recairá sobre as classes médias baixas. Isso mostra mais uma vez que o
Brasil é caro, especialmente para os mais pobres. E vai ficar um tanto mais
caro. Governar para os pobres deve ser diferente, não é mesmo?
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