O Globo
Brasil só acompanhou o movimento global de valorização das moedas porque a Fazenda e o Banco Central fazem trabalho técnico
A valorização do real nos últimos dias tem
relação direta com a queda do dólar no mundo, mas há fatores internos que
servem de lição ao presidente Lula. Se por aqui a moeda americana recuou ao
menor nível desde junho, na Argentina, ela bateu recorde histórico, pelo risco
inflacionário. O Brasil só acompanhou esse movimento global porque a Fazenda
apresentou um plano fiscal que contém o crescimento da dívida pública e o Banco
Central tem feito um trabalho técnico para levar a inflação para a meta.
A informação dada esta semana pelo repórter Manoel Ventura, de que o novo regime fiscal irá desconsiderar receitas extraordinárias para o aumento das despesas, corrigiu uma das principais críticas ao arcabouço fiscal, que era o risco de se criar gastos permanentes tendo como base arrecadações esporádicas. O economista-chefe de um grande banco classificou a medida como “muito boa” e aposta que isso irá levar a revisões para baixo nas projeções de dívidas feitas pelo mercado. Há contudo, um risco: muitos ruídos podem vir à tona assim que o projeto da lei for divulgado, porque os detalhes fazem diferença para a política fiscal.
O economista Márcio Garcia, professor
titular da PUC-Rio e um dos maiores especialistas em câmbio no país, explica
que o movimento de queda do dólar é global, mas o Brasil tem sido favorecido
pela melhora da nossa balança comercial e pela entrada de recursos externos.
Ele aponta que a valorização do real pode ajudar no controle da inflação e na
queda dos juros, mas alerta que o quadro pode se reverter facilmente,
dependendo dos sinais do governo brasileiro.
— O impacto não é imediato sobre os preços,
isso demora alguns meses. E há o efeito sobre as expectativas, que pode ser
mais rápido. Temos que ver se a cotação do dólar vai se manter. O presidente
Lula precisa ajudar — disse.
Eduardo Velho, economista da JF Trust
Gestora de Recursos, tem uma das projeções mais altas para a inflação deste ano
no mercado financeiro, próxima de 7%. E um dos motivos para essa alta é a
mudança no patamar nos preços do petróleo, após o corte na produção anunciado
pela Opep. O que pode conter esse impacto no Brasil não é o uso político da
Petrobras, com controle de preço dos combustíveis, mas a valorização do real
que tornaria o produto mais barato, já que é cotado em dólar:
— A taxa de 6,84% para o IPCA é o piso da
minha projeção. Há uma mudança de patamar no preço do petróleo, que caminhava
para US$ 70 e agora a Opep quer de US$ 90 para cima.
No início do governo, o dólar perdeu valor
no mundo, mas se fortaleceu sobre o real, por conta das declarações ruins de
Lula na economia. O Brasil perdeu essa onda. Desta vez, a moeda brasileira
acompanha a valorização das moedas emergentes. Caberá ao presidente permitir
que o real continue seguindo os fluxos dentro da normalidade. Ele já viveu isso
em seu primeiro mandato e sabe o quanto é benéfico para a sua popularidade e o
bem-estar da população.
Risco nos EUA
Eduardo Velho faz questão de apontar que o cenário
atual é bastante diferente da década de 2000, quando o Brasil viveu um boom de
crescimento puxado pelas commodities. Embora a economia chinesa tenha dado
sinais mais otimistas neste início de ano, com dados mais fortes de exportação,
o mundo vive momento de aperto monetário e há receios sobre o impacto dos juros
sobre as empresas americanas. “A preocupação por lá é crescente sobre as
empresas não financeiras. Elas pegaram empréstimos a juros baixos e agora estão
refinanciando a taxas mais altas. Podemos viver um período de aversão ao risco
global mais à frente”, alerta.
Freio de mão
O setor de serviços caiu 3,5% em janeiro e
se juntou à indústria que também caiu 0,3%. Mesmo com o crescimento de 3,8% do
comércio, a expectativa, segundo o banco de investimentos UBS/BB, é de que o
índice de atividade econômica do Banco Central recue 0,5%. O primeiro mês do
governo Lula foi de retração econômica, uma herança do governo anterior.
Populismo de direita
Para atacar o governo Lula, o MBL criticou a medida da Fazenda que acabou com a farra das importações ilegais do e-commerce via plataformas asiáticas. O curioso é que o grupo apoiou a pré-candidatura do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, nas eleições de 2018. Rocha não só é favorável à taxação como sua rede será beneficiada por ela.
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