sábado, 15 de abril de 2023

Alvaro Gribel - O real de volta à normalidade?

O Globo

Brasil só acompanhou o movimento global de valorização das moedas porque a Fazenda e o Banco Central fazem trabalho técnico

A valorização do real nos últimos dias tem relação direta com a queda do dólar no mundo, mas há fatores internos que servem de lição ao presidente Lula. Se por aqui a moeda americana recuou ao menor nível desde junho, na Argentina, ela bateu recorde histórico, pelo risco inflacionário. O Brasil só acompanhou esse movimento global porque a Fazenda apresentou um plano fiscal que contém o crescimento da dívida pública e o Banco Central tem feito um trabalho técnico para levar a inflação para a meta.

A informação dada esta semana pelo repórter Manoel Ventura, de que o novo regime fiscal irá desconsiderar receitas extraordinárias para o aumento das despesas, corrigiu uma das principais críticas ao arcabouço fiscal, que era o risco de se criar gastos permanentes tendo como base arrecadações esporádicas. O economista-chefe de um grande banco classificou a medida como “muito boa” e aposta que isso irá levar a revisões para baixo nas projeções de dívidas feitas pelo mercado. Há contudo, um risco: muitos ruídos podem vir à tona assim que o projeto da lei for divulgado, porque os detalhes fazem diferença para a política fiscal.

O economista Márcio Garcia, professor titular da PUC-Rio e um dos maiores especialistas em câmbio no país, explica que o movimento de queda do dólar é global, mas o Brasil tem sido favorecido pela melhora da nossa balança comercial e pela entrada de recursos externos. Ele aponta que a valorização do real pode ajudar no controle da inflação e na queda dos juros, mas alerta que o quadro pode se reverter facilmente, dependendo dos sinais do governo brasileiro.

— O impacto não é imediato sobre os preços, isso demora alguns meses. E há o efeito sobre as expectativas, que pode ser mais rápido. Temos que ver se a cotação do dólar vai se manter. O presidente Lula precisa ajudar — disse.

Eduardo Velho, economista da JF Trust Gestora de Recursos, tem uma das projeções mais altas para a inflação deste ano no mercado financeiro, próxima de 7%. E um dos motivos para essa alta é a mudança no patamar nos preços do petróleo, após o corte na produção anunciado pela Opep. O que pode conter esse impacto no Brasil não é o uso político da Petrobras, com controle de preço dos combustíveis, mas a valorização do real que tornaria o produto mais barato, já que é cotado em dólar:

— A taxa de 6,84% para o IPCA é o piso da minha projeção. Há uma mudança de patamar no preço do petróleo, que caminhava para US$ 70 e agora a Opep quer de US$ 90 para cima.

No início do governo, o dólar perdeu valor no mundo, mas se fortaleceu sobre o real, por conta das declarações ruins de Lula na economia. O Brasil perdeu essa onda. Desta vez, a moeda brasileira acompanha a valorização das moedas emergentes. Caberá ao presidente permitir que o real continue seguindo os fluxos dentro da normalidade. Ele já viveu isso em seu primeiro mandato e sabe o quanto é benéfico para a sua popularidade e o bem-estar da população.

Risco nos EUA

Eduardo Velho faz questão de apontar que o cenário atual é bastante diferente da década de 2000, quando o Brasil viveu um boom de crescimento puxado pelas commodities. Embora a economia chinesa tenha dado sinais mais otimistas neste início de ano, com dados mais fortes de exportação, o mundo vive momento de aperto monetário e há receios sobre o impacto dos juros sobre as empresas americanas. “A preocupação por lá é crescente sobre as empresas não financeiras. Elas pegaram empréstimos a juros baixos e agora estão refinanciando a taxas mais altas. Podemos viver um período de aversão ao risco global mais à frente”, alerta.

Freio de mão

O setor de serviços caiu 3,5% em janeiro e se juntou à indústria que também caiu 0,3%. Mesmo com o crescimento de 3,8% do comércio, a expectativa, segundo o banco de investimentos UBS/BB, é de que o índice de atividade econômica do Banco Central recue 0,5%. O primeiro mês do governo Lula foi de retração econômica, uma herança do governo anterior.

Populismo de direita

Para atacar o governo Lula, o MBL criticou a medida da Fazenda que acabou com a farra das importações ilegais do e-commerce via plataformas asiáticas. O curioso é que o grupo apoiou a pré-candidatura do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, nas eleições de 2018. Rocha não só é favorável à taxação como sua rede será beneficiada por ela.

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