sábado, 20 de maio de 2023

J. B. Pontes* - Tutela militar nunca mais

A tutela militar sobre a sociedade civil brasileira sempre foi um componente presente na história do Brasil. Iniciou-se em 15 de novembro de 1889, com o golpe político-militar que proclamou a República, quando os militares depuseram e expulsaram do País um dos mais honrados e sábios governantes que tivemos – Dom Pedro II.

A partir daí, os militares sempre estiveram convictos que tinham herdado do Imperador o poder moderador, o qual lhes permitia a tutela sobre a sociedade, a política e as instituições do Brasil. E este pensamento, infelizmente, está arraigado na nossa formação social, econômica, cultural e política, em detrimento de uma formação democrática. Jamais se fez o menor esforço para a inclusão do povo brasileiro na democracia, pelo que ele nunca teve condições para defender as suas liberdades individuais, civis, sociais e políticas.

Não se trata de uma questão pontual, restrita ao governo Bolsonaro, mas é algo permanente. A interferência militar na política se apresenta como um dos maiores problemas históricos da república e da democracia brasileira.

Nenhuma democracia sobrevive ao ativismo político dos militares. É importante observar o ensinamento universal e atemporal: chefias de Estado ou enquadram os que são responsáveis pelo uso dos aparatos de força ou serão por eles enquadrados.

A partir da derrocada da ditadura, quando o povo brasileiro manifestou o seu repúdio ao governo militar, os membros das Forças Armadas perseguiram o objetivo de chegar novamente ao comando do País, via eleições. Beneficiaram-se e se fortaleceram com a degradação da classe política brasileira. Ao que tudo indica, o objetivo parece ser poderem se apresentar como os únicos competentes e incorruptíveis, os “restauradores da ordem”, o que está longe da verdade.

Alcançaram o anseio de chegar novamente ao poder apoiando massivamente o candidato Bolsonaro na eleição de 2018. Uma situação incompreensível, vez que Bolsonaro foi expulso do Exército, sempre foi um político medíocre e era, ele e sua família, envolvido com as milícias. E isto os militares certamente sabiam ou o sistema de inteligência deles é muito incompetente.

Bolsonaro montou o governo mais militarizado da nossa história. Nem no período da ditadura tivemos tantos militares, da ativa e da reserva, exercendo cargos no governo federal. Em 2021, o Tribunal de Contas da União registrou 6.175 militares ocupando cargos no governo federal.

E o que de bom os militares fizeram? Contribuíram para que o governo Bolsonaro fosse avaliado como o pior e mais corrupto de toda a história do Brasil. Tanto é verdade que, apesar de todos os recursos financeiros (orçamento secreto), materiais e humanos do Estado colocados nas mãos dos seus apoiadores a serviço de sua reeleição, não conseguiu ele o seu objetivo.

Afinal, Deus demonstrou que é brasileiro, pois o Brasil não resistiria a mais um governo Bolsonaro.

De fato, o aumento da corrupção na gestão Bolsonaro foi constatado por várias instituições, como Transparência Internacional, Organized Crime and Corruption Reporting Project e Banco Mundial, que apontaram o desmonte da estrutura legal de combate à corrupção como a principal causa.

Inconformados com a derrota, os militares fomentaram os atos antidemocráticos que culminaram na invasão e vandalismo das sedes dos Três Poderes da República. Queriam, sem dúvidas, que o caos resultasse no golpe final contra a democracia.

O Presidente Lula, após os atos golpistas de 8 de janeiro, agiu corretamente ao não convocar os militares para contornar a situação, demonstrando que não tinha mais confiança neles; ao designar um civil como interventor da Segurança Pública do Distrito Federal; ao declarar que as Forças Armadas não são um poder moderador; e ao trocar o comandante do Exército. Mas isso são ações pontuais que, seguramente, não vão dissuadir os militares a abandonar o pensamento de que são um poder moderador e que têm a missão, quase divina, de tutelar a sociedade civil.

Será preciso muito mais: estratégia bem definida, metas traçadas, paciência e, sobretudo, perseverança cotidiana. A oportunidade que se apresenta é muito favorável para se iniciar a mudança nas Forças Armadas, de forma a afastar em definitivo da vida nacional o perigo de golpes militares. O desgaste dos militares pelo envolvimento ou omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro e no mar de lama que está sendo desnudado pelas recentes investigações enseja essa ação.

Para isso, o Governo Lula deverá apoiar-se na força dos movimentos sociais e de todos os setores democráticos e progressistas da sociedade, convocando uma conferência nacional para oferecer sugestões e diretrizes para a Defesa Nacional, com a participação de lideranças políticas, cientistas, empresários, diplomatas, jornalistas, procuradores, representantes dos povos originários e líderes comunitários.

É hora de o Governo ter coragem de agir para afastar, de vez, qualquer pensamento sobre tutela militar no Brasil e passarmos a concretizar a nossa democracia.

*Geólogo, advogado e escritor

Um comentário:

BERNARDO CRISTOVAO COLOMBO COLOMBO DA CUNHA disse...

Meu Caro João Batista. A desejada tutela militar da sociedade brasileira, retrocede, na verdade, ao Império. Durante essa fase da história do país, os pequenos lugarejos, vilas e arraiais eram comandados - assim mesmo: comandados! - por certos senhores poderosos, normalmente autoritários, que eram escudados por certos títulos militares. À pobreza franciscana, restava a esperança messiânica de dias melhores. Esses senhores, todos brancos, desvirginaram as vísceras do país e os frutos nefastos dessa ação destruidora foram transferidos, hereditariamente, a seus descendentes. Vivemos uma nova escravidão que se alimenta e é impulsionada por uma ideologia fascista, sustentada por uma imprensa, igualmente, fascista. É possível a organização da sociedade a partir da base, mas precisamos fazer um esforço hercúleo para vencer os grilhões que o atual sistema perverso nos impõe. Todo apoio deverá ser dado aos movimentos sociais, possíveis células libertárias de um devir, efetivamente novo.