O Globo
Léo Lins faz um tipo de humor de péssimo
gosto, que se caracteriza por ser especialmente ofensivo
Léo Lins é um comediante que se
especializou num tipo de humor ácido, ofensivo e sem limites. Faz piada com
nordestinos, gordos, velhos, mudos e negros e não foge de temas tabus, como pedofilia
ou Holocausto.
Na última quinta-feira, uma decisão da Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público, determinou que o comediante deixe de veicular, retire do ar e deixe de comentar conteúdo que deprecie ou humilhe minorias ou pessoas vulneráveis. A determinação levou seu show “Perturbador”, que alcançara mais de 3 milhões de visualizações, a ser retirado do YouTube. Lins também está proibido de se ausentar de São Paulo por mais de dez dias, o que o impede de sair em turnê.
A decisão levantou um importante debate
sobre a liberdade de expressão e seus limites, as regras que devem valer para a
sátira e o humor e a alteração da lei do crime racial, que ampliou a pena para
o que se convencionou chamar de “racismo recreativo”.
Não sabemos que passagens do show motivaram
a ação do Ministério Público, mas podemos olhar para alguns trechos que a
imprensa destacou e que ilustram bem sua forma de fazer humor. Numa delas, acusada
de racismo, ele diz o seguinte:
— Negro não consegue achar emprego, mas na
época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim.
Noutra, considerada pedofilia, diz:
— Pra perder a virgindade, a menina do
campo só precisa correr menos que o tio.
Numa última, em que é acusado de
preconceito, afirma que “o Nordeste tem cidades tão pobres que as crianças da
África mandam comida para lá”.
No final de “Perturbador”, Lins defende sua
forma de fazer comédia. Diz que o humor ajuda a pôr as coisas em perspectiva e
permite rir do que antes causava dor. Embora reconheça que isso não vale para
todos e que, para alguns, certo tipo de humor apenas traz sofrimento, acredita
que a dor de alguns não deveria impedir o riso dos outros. Afirma que a melhor
maneira de regular esse conflito é os mais sensíveis não irem a um espetáculo
como o dele.
Os críticos de Lins são muitos e salientam
que esse tipo de humor ri dos mais fracos e vulneráveis e, quando não é
diretamente preconceituoso — e, portanto, criminoso —, ajuda a fomentar uma
cultura racista.
O tema é delicado porque envolve um
conflito entre a proteção da dignidade humana e a liberdade de expressão. Como
regra, a liberdade de expressão deve encontrar seus limites na observância dos
direitos humanos. Mas nem sempre é claro o ponto em que esse limite é alcançado
— menos ainda numa sociedade que polarizou o tema dos limites da liberdade de
expressão. O que para alguns é preconceito claro, para outros é um comentário
jocoso sobre uma situação.
Os conservadores têm visto certas leis ou a
aplicação de certas leis como motivadas pela cultura “politicamente correta”,
que, no seu modo de ver, é uma hipersensibilidade progressista. Lins sabe disso
e, como outros humoristas, construiu a carreira desafiando o politicamente
correto.
A situação fica ainda mais complicada por
se tratar de humor, domínio que, pela própria natureza, explora os limites da
liberdade de expressão. Tradicionalmente, ao discurso satírico são permitidas
liberdades que não são toleradas no discurso “sério”. Mas o Projeto de Lei que
recentemente ampliou penalidades para o racismo recreativo fez o caminho
oposto. Ampliou a pena para discurso que venha a ser considerado racista “quando
ocorre em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”.
A solução para esse tipo de conflito me
parece ser separar o que mais indiscutivelmente é crime do que é eticamente
questionável. Para discursos que claramente configuram racismo ou homofobia,
devemos aplicar a lei. Para outros casos, devemos fazer o debate público
questionando a ética do humor. Nem tudo o que a gente pode, a gente deve fazer.
Há coisas que podem ser legais, mas não são apropriadas.
Lins faz um tipo de humor de péssimo gosto,
que se caracteriza por ser especialmente ofensivo. Ele diz que ofende todo
mundo, mas seu alvo preferencial são os mais fracos. Diz que ri dos
nordestinos, mas ri também dos sulistas. Porém sua piada com os sulistas é que
são tão educados que, quando são sequestrados, querem dividir o aluguel com os
bandidos. Será que a “ofensa” aos sulistas é equiparável à ofensa aos
nordestinos, que, noutra piada, são apresentados com apenas 72% do DNA humano?
Não vejo tantos problemas em existir um
tipo de humor que consegue fazer piada das situações mais difíceis, mas me
incomoda eticamente que esse humor só ria dos ferrados.
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