Folha de S. Paulo
As pessoas hoje se autoincriminam ao não
resistir aos aplicativos de mensagem
No tempo dos ditados, o peixe morria pela
boca. Hoje as pessoas se autocondenam ao não resistir ao apelo da besta que
mora nos aplicativos de mensagens. Personagens da cena atual —o deputado Deltan
Dallagnol, o ex-jogador de futebol Bruno Lopes e
o tenente-coronel Mauro Cid—
geraram, eles próprios, áudios e textos que os estão incriminando diante da
Justiça.
Existe uma palavra para definir a atitude dos três. A nomofobia (do inglês "no mobile phobia") é um vício que transforma o mundo virtual na coisa mais importante da vida. O transtorno não se restringe apenas ao uso sem limite dos comunicadores de mensagens, mas sobretudo ao medo de ficar sem o celular ou ser impedido de usá-lo. Se não há conexão com a internet ou a bateria do aparelho está fraca, bate a fissura.
Ao travar diálogos para lá de ardilosos no
Telegram com o juiz Sergio Moro e colegas procuradores, enquanto coordenava a
Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol virou alvo do Conselho Nacional do
Ministério Público. Para não ser demitido, exonerou-se. Por considerá-lo ficha
suja, o TSE cassou seu mandato. Coitadinho, deveria ter digitado menos. Ou pensado
antes de bater furiosamente com os dois polegares nas teclas.
Apontado como chefe da quadrilha de
apostadores que age no futebol, Bruno Lopes se vangloriou no WhatsApp da
facilidade em aliciar jogadores: "Os moleques estão doidos". Com toda
a pinta de ser um boi de piranha atirado no rio pelos chefões mafiosos, Bruno
está preso.
O celular de Mauro Cid parece a preta do
leite: não para de falar. Entregou o plano golpista de prender o ministro
Alexandre de Moraes; o esquema de desvio de dinheiro a favor de Michelle
Bolsonaro; a conta secreta do ex-presidente nos EUA. Ao adotar o silêncio no
depoimento à PF, Cid deve estar preparando uma delação. No entanto, o fio das
mensagens —que já é longo— pode levar a profundidades ainda maiores.
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