Valor Econômico
Dólar a R$ 4,50 é boa notícia para quem
pretende viajar ao exterior ou para quem importa; e para o país?
A taxa de câmbio brasileira estava em R$
5,45 por dólar no início de janeiro e ontem fechou a R$ 4,87, a menor cotação
em um ano. Tudo indica que o real, como se diz no economês, vai continuar a se
“apreciar” em relação à moeda americana e pode chegar a R$ 4,50. Essa
apreciação, seguindo tendência cíclica e crônica da moeda brasileira, seria
hoje decorrente de notícias otimistas dos últimos dias, como o crescimento do
PIB, a inflação em queda, com possível redução dos juros, e até a aprovação do
novo marco fiscal pela Câmara.
Dólar a R$ 4,50 ou menos é uma boa notícia?
Para o senso comum, sim. Para quem pretende viajar ao exterior ou para quem
importa, também. E para o país?
O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos
Bresser-Pereira tem a convicção de que a apreciação do real é perversa para o
país. Aos 88 anos ele continua sendo um dedicado estudioso da economia e está
indignado porque a política cambial não é sequer discutida atualmente.
Nas últimas semanas, ao mesmo tempo em que finaliza dois livros sobre macroeconomia, Bresser prepara artigo acadêmico com propostas de política cambial para o governo. Em ambiente privado, ele tem discutido o tema com seus pares, economistas adeptos da Teoria Novo-Desenvolvimentista (TND).
O câmbio apreciado - real sobrevalorizado
em relação ao dólar -, segundo a TND, seria a principal causa da quase
estagnação da economia brasileira e de outros emergentes nos últimos 40 anos.
Alguns desses países teriam caído na armadilha chamada “doença holandesa”,
situação em que as exportações de commodities crescem fortemente, provocam
entrada maciça de dólares na economia, valorizam a moeda nacional e levam à
desindustrialização. Com a moeda valorizada, o produto da indústria fica mais
caro em dólares e isso tira a competitividade das empresas que operam no país.
Seria possível, porém, administrar a taxa
de câmbio de forma a impedir a sobrevalorização do real? O próprio Bresser acha
que não dá para fazer isso “plenamente”, mas considera indispensável ter uma
política cambial. Não basta, na opinião dele, baixar a taxa de juros. Quando
isso ocorrer, haverá um desincentivo à entrada de capitais e a taxa de câmbio
se desvalorizará, mas isso não seria suficiente.
Bresser esboça uma proposta para o governo
abandonar a política de crescimento com endividamento externo e deixar de
considerar confortável um déficit em conta corrente em torno de 2,5% do PIB. O
ideal seria zerar o déficit, porque as entradas de capital necessárias para
cobri-lo valorizam a moeda nacional e a tornam não competitiva.
Ele sugere também uma “reforma tarifária”,
que ajude a manter taxas de câmbio equilibradas. Seriam estabelecidas tarifas
variáveis sobre importações de manufaturados e exportações de commodities. E
oferecidos incentivos à exportação de manufaturados que ajudem a promover o
equilíbrio das taxas de câmbio e a neutralizar a “doença holandesa”.
Não é nada novo o que Bresser propõe. O
Brasil, a partir de 1969, adotou tarifas de importação e o “crédito prêmio das
exportações”, medidas que transformaram o país em grande exportador de
manufaturados. A partir de 1990, o Brasil teria caído, segundo Bresser, na
“armadilha da liberalização”, com abertura comercial e redução de tarifas que
desmontaram a neutralização da “doença holandesa”.
Bresser sabe que a adoção dessas políticas
criaria problemas não apenas internos, mas também na Organização Mundial de
Comércio (OMC). Não tanto pelas tarifas, mas pelos subsídios à exportação, que
poderão exigir penosa administração de conflitos.
A própria OMC, porém, está, de certa forma,
“congelada”. Em artigo no Valor de 2/6, o Nobel de Economia
Joseph Stiglitz observou que o discurso sobre competição leal no mercado global
do governo Joe Biden “soa vazio”. Até agora, os EUA não permitiram a nomeação
de novos juízes para o órgão de solução de controvérsias da OMC. Isso garante
que a instituição não possa tomar medidas contra violações das regras do
comércio internacional. A OMC não é mais aquela dos anos de chumbo neoliberais.
Indignados e o carro popular
Mudando de assunto, mas nem tanto: a volta
do subsídio ao carro popular, mais ou menos corrigida pelo Ministério da
Fazenda com a extensão do benefício a ônibus e caminhões, provocou uma série de
críticas indignadas em vários setores, em geral fundamentadas.
Uma excelente e informativa coluna de Marli
Olmos, no Valor (30/5), enumerou as principais
razões das indignações: subsídio para o transporte individual, na contramão do
que se faz pelo mundo; perda de recursos em meio ao esforço do governo para
elevar receita; falta de sintonia entre ministérios; anúncio antecipado, que
paralisou vendas; possível infração à Lei de Responsabilidade Fiscal; duração
de quatro meses, o que pode inviabilizar o programa porque as empresas do setor
negociam contratos de longo prazo.
Todas essas críticas fazem sentido. Mas há
algo não lembrado pelos indignados. A maioria dos críticos nunca entrou
diariamente em um ônibus lotado às 6h para ir ao trabalho ou à escola; muitos
não sabem nem entrar nos ônibus, se o fazem pela porta da frente ou pela de
trás; muitos circulam em carros importados blindados e com motoristas; outros
abominam o automóvel particular, mas adoram o de aplicativo; poucos sabem como
usar um metrô, exceto os de Paris ou Nova York.
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