O Globo
Assessor de Arthur Lira — então em primeiro
mandato — foi interceptado com R$ 106 mil no aeroporto de Congonhas
Há uma hipótese para explicação do Brasil
na história de Arthur Lira afinal desdenunciado — expressão que tomo de Marcelo
Godoy, no Estadão. Trama de 2012, contemporânea do mensalão televisionado,
quase década anterior à era do orçamento secreto e seus kits de robótica,
concluída somente neste 2023. Mais uma década perdida. Também a de ascensão de
Lira.
É o caso em que assessor do deputado
federal alagoano — então em primeiro mandato — foi interceptado com R$ 106 mil
no aeroporto de Congonhas; a caminho de Brasília. Grana que o delator
profissional Alberto Youssef afirmaria ser para Lira, propina — a acusação —
paga por dirigente da CBTU em troca de se manter no cargo. (O atual presidente
da estatal, órgão federal que administra trens urbanos, é apadrinhado por Lira
e está ali desde 2016).
A Procuradoria-Geral da República denunciou
Lira em 2018. Por corrupção passiva. Denúncia aceita pelo Supremo — por sua
Primeira Turma — em 2019. Lira, então, tornado réu. A defesa recorreu.
Em 2020, o colegiado formou maioria contra a apelação — com votos de Marco Aurélio Mello, o relator, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Dias Toffoli pediu vista. Julgamento interrompido. Por três anos. Retomado — e finalizado — na semana passada. O deputado alagoano ora presidente da Câmara.
Que mais terá mudado desde a acusação?
Em 2019, o Congresso proibiu — decisão
correta — que denúncias fossem baseadas exclusivamente em colaborações
premiadas. (Exclusivamente.) Isso — diga-se — não sendo suficiente, não em
2020, para que os ministros acatassem o recurso do deputado e liquidassem a
denúncia. E, em 2021, o STF arquivou — por falta de provas — a investigação
sobre o que se nomeara “Quadrilhão do PP” na Petrobras, da qual seria conexo o
inquérito em que Lira era réu.
O arquivamento do “Quadrilhão do PP” — que
teria como sistema o esquentamento de propina, em troca de obras da petroleira,
no corpo de doações eleitorais oficiais — ocorreu na Segunda Turma do Supremo,
a partir da chegada de Nunes Marques ao tribunal, em 2020. Aposentado Celso de
Mello, a virada. Julgamento (3x2) que beneficiou o senador Ciro Nogueira, dos
mais influentes padrinhos para postulantes a cadeira na Corte.
Novato no STF também sendo André Mendonça,
no tribunal desde 2021, sucessor de Marco Aurélio. Troca que ensejou
excentricidade: aposentado não apenas o ministro, mas também seu voto, contra o
recurso de Lira. Haveria fatos novos, circunstância em que a Mendonça foi
excepcionalmente dada autorização para votar — muitas as licenças excepcionais
que o tribunal constitucional tem permitido aos seus ultimamente.
Mendonça, herdando a relatoria, pediu novo
parecer à PGR sobre a matéria; e o Ministério Público Federal, que denunciara
Lira em 2018, mudou de posição em 2023. Haveria fatos supervenientes. Fato: a
Procuradoria comunicava à sociedade ser precária — irresponsável — a maneira
como denunciara cinco anos atrás.
Fato também sendo que assessor de deputado,
a caminho de Brasília, foi pego com R$ 106 mil — e sem meios de explicar de
onde viera o volume. Grana na mão, desprovida de destino e origem. O sujeito,
auxiliar de parlamentar federal, pego com dinheiro vivo no aeroporto, indo para
a capital federal — essa materialidade afinal vertida em fofoca como
decorrência da delação de um veterano da colaboração premiada: Youssef.
Não havia provas de que o dinheiro fosse
para Lira. Havia somente o assessor viajando com o dinheiro — num limbo.
Proibidas, desde 2019, denúncias baseadas exclusivamente em delações.
(Exclusivamente.) É a lei. (Ignorada pelos ministros em 2020.) E de repente era
só a palavra do delator, exclusivamente; desmaterializado o assessor viajante com
dinheiros. Ele desafiava a exclusividade.
Desmaterializadas — desafiadoras do
exclusivamente — também as ligações entre assessor e Lira, e a mensagem em que
o auxiliar informa ao chefe que o voo estava atrasado. Tudo no dia em que o
rapaz seria flagrado. Desmaterializado igualmente o fato de as passagens terem
sido compradas com o cartão do deputado.
Nada obrigaria o Supremo a desdenunciar
Lira; a mudança de entendimento da PGR não vinculando o tribunal. Que, no
entanto, preferiu não constranger o MPF. O ministro Moraes explicou — assim
entendi — que o recuo da PGR só atrasaria o desfecho de um processo para cujas
eventuais novas provas o órgão titular da ação penal já trancara as portas,
independentemente do STF:
— A própria Procuradoria, com sua manifestação,
já afirmou que permanecerá inerte em uma eventual produção probatória.
Moraes, mesmo fechando com a maioria pelo
desrecebimento de denúncia, não perdeu a chance de provocar a PGR de Augusto
Aras, à revelia da qual toca soberanamente os inquéritos pela democracia:
— De uns tempos para cá, nós estamos vendo
vários arrependimentos de denúncias ofertadas anteriormente.
Com Mendonça, contra a denúncia outrora recebida, ficaram Toffoli, Luiz Fux e os que alteraram votos: Barroso e Moraes. Unanimidade, por fim.
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