Pressões do novo regime fiscal não reduzem subsídios
Valor Econômico
Na visão da Unafisco, o governo deixará de
arrecadar R$ 641,5 bilhões neste ano
O governo promete divulgar em julho o
resultado de oito programas que sobrevivem graças a subsídios concedidos pela
União. São vantagens na forma de descontos ou isenções de impostos, juros
subsidiados ou equalizados ou perdão de dívidas. A tarefa está a cargo do
Ministério do Planejamento, que ressalta a intenção de melhorar a qualidade do
gasto público, sem necessariamente cortar programas. Não há como negar, porém,
que o ajuste ou a simples extinção de programas ineficientes poderiam ajudar o
governo na dura missão de cumprir as promessas do novo regime fiscal, que
depende fortemente do aumento da arrecadação.
Os programas que estão sendo escrutinados inicialmente são o Fundo da Marinha Mercante, o Fundo de Terras, que financia a reordenação fundiária e os assentamentos rurais, o Programa de Financiamento às Exportações, a desoneração do biodiesel, o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o Programa Universidade Para Todos (Prouni) e as deduções do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) das despesas com ciência e tecnologia, e o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI).
Essas primeiras investigações vão apenas
arranhar um problema extremamente grande. O Orçamento de Subsídios da União
(OSU) somou R$ 581,5 bilhões no ano passado, entre gastos tributários e
despesas realizadas para subsidiar ou equalizar taxas de juros ou assumir
dívidas, o equivalente a 5,86% do Produto Interno Bruto (PIB).
O ex-presidente Jair Bolsonaro, que havia
prometido reduzir essas despesas de 4% do PIB para 2%, só fez aumentá-las. O
Congresso Nacional abriu exceções para a Zona Franca de Manaus e para o
Simples, contribuindo para subverter a intenção. Bolsonaro acabou terminando o
mandato com uma conta ainda maior, na verdade, com o terceiro maior volume da
série iniciada em 2003. Em relação ao PIB, essa conta só foi maior no governo
de Dilma Rousseff, marcado pelas medidas de estímulo à economia, como linhas
com juros subsidiadas do BNDES. No governo Dilma, os subsídios chegaram a 6,66%
do PIB em 2015 e a 6,13% do PIB em 2016. Os cinco anos seguintes foram de queda
dos benefícios, para ao redor de 4% do PIB. Os números voltaram a crescer em
2021.
Em 2022, Bolsonaro aumentou os subsídios em
R$ 156,2 bilhões. Uma das contas que mais cresceu foi da desoneração de
combustíveis. A manobra custou R$ 29,9 bilhões e foi o principal fator que
elevou os gastos tributários em R$ 88,8 bilhões. A conta de gastos tributários
alcançou no ano passado o maior nível da série histórica, de R$ 461,1 bilhões,
ou 4,65% do PIB.
O aumento da taxa de juros foi outro fator
decisivo para inchar a conta ao elevar o custo médio de captação do Tesouro
Nacional, encarecendo as despesas com subsídios creditícios. Esses gastos
cresceram R$ 61,7 bilhões, triplicando o total de R$ 30,5 bilhões para R$ 92,2
bilhões, com as maiores quantias em fundos constitucionais e no Fundo de Financiamento
Estudantil (Fies), que custou R$ 26,4 bilhões. O Ministério da Educação e a
Controladoria-Geral da União (CGU) analisam o caso do Fies, provavelmente
relacionado ao perdão anunciado para o programa.
O impacto dos subsídios financeiros, como
no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi
menor, de R$ 5,8 bilhões. No total, os subsídios financeiros e creditícios
chegaram a R$ 120,43 bilhões, 1,21% do PIB em 2022.
Na visão da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), o governo deixará de
arrecadar R$ 641,5 bilhões neste ano. A conta inclui a inexistência de um
Imposto sobre Grandes Fortunas, que arrecadaria estimados R$ 73,4 bilhões, a
isenção na distribuição de lucros e dividendos, avaliada em R$ 74,6 bilhões, e
programas de parcelamento de dívidas tributárias, somando mais R$ 37,3 bilhões.
A Unafisco ainda aponta o que considera
privilégios tributários, que elevam o valor que o governo poderia arrecadar
caso não fosse tão generoso. Entre os privilégios, o benefício às empresas no
Simples Nacional com renda anual acima de R$ 1,8 milhão, que representam cerca
de 25% do total uma vez que o limite atual do programa vai até R$ 4,8 milhões;
as desonerações da cesta básica e de medicamentos que acabam nas mãos de
famílias que estão fora dos programas sociais do governo (72%), e deduções com
saúde e educação no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.
Nada indica que a conta dos subsídios vai
diminuir neste ano, apesar das pressões do novo regime fiscal e do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que gostaria de economizar R$ 150 bilhões. Haddad
considera alguns desses benefícios “caixa preta”, “jabutis tributários”.
Mas o que se tem visto é a expansão dos benefícios. O governo anunciou o programa de subsídio para estimular a venda de carros, caminhões e ônibus novos, com custo inicial de R$ 1,5 bilhão; o Desenrola, de renegociação de dívidas com garantia do Tesouro, e a linha de crédito com taxa de juros subsidiada para inovação do BNDES. As pressões são muitas e a tarefa do governo é avaliar a eficiência e a necessidade dos programas. Muitas vezes, ter bom senso é suficiente.
Poder público tem de levar a sério
mobilidade urbana
O Globo
Desde 2013, governos reduziram 52% dos
investimentos no setor, sem que setor privado compensasse
O crescimento das cidades e o baixo
investimento dos governos na infraestrutura de
transporte público têm resultado na deterioração crescente da qualidade de vida
da população e em perda de produtividade na economia. Ônibus, trens e metrôs
lotados, engarrafamentos intermináveis são facetas do mesmo problema. Não há
mágica. Só dá para resolver com ampliação da infraestrutura de transporte
coletivo.
A situação crítica nas grandes cidades não
deixa dúvida. No Rio, quem mora em Bangu, Zona Oeste, e precisa chegar ao
trabalho às 9h30 no Flamengo, Zona Sul, precisa sair de casa às 6h para,
durante mais de três horas, enfrentar uma via-crúcis de ônibus, trem e metrô
sempre lotados. O martírio se repete na volta. Situações semelhantes ocorrem
noutras metrópoles, como São Paulo ou Belo Horizonte.
Como se não bastasse, o governo Lula
resolveu usar R$ 1,5 bilhão para subsidiar a compra de carros “populares”.
Caminhões e ônibus receberão fatia menor do incentivo. Fora a contradição de
fomentar emissões de gases quando tem de se fazer o oposto para conter as
mudanças climáticas, o Planalto tentará compensar a nova ajuda tributária à
indústria automotiva elevando impostos sobre o diesel, com reflexos no frete de
tudo que é transportado sobre pneus — e impacto inevitável nos preços.
Falta uma política bem formulada para o
transporte público de massa e a mobilidade urbana, agenda que desencadeou os
protestos de junho de 2013. Desde
então, os governos reduziram investimentos no setor em 52%, para R$ 4,1
bilhões, sem que a iniciativa privada compensasse os cortes.
A falta de consciência da necessidade de
dar prioridade ao transporte público não tem ideologia. No ano passado, no fim
da gestão Jair Bolsonaro, foram concedidas isenções tributárias de R$ 8,8
bilhões à indústria automotiva, o dobro do que o poder público investiu em
mobilidade urbana. Apesar de ter sido eleito com a agenda de forte tom
ambiental, Luiz Inácio Lula da Silva parece pensar ainda como o metalúrgico
para quem fábricas de carros são sinônimo de desenvolvimento. Faz décadas que
não é mais assim.
Há um atraso imenso nos investimentos em
mobilidade, mesmo em relação a países latino-americanos. Estudo do economista e
consultor Cláudio Frischtak demonstra que, se o Brasil decidisse hoje equiparar
a infraestrutura de transporte público das 15 principais regiões metropolitanas
à de Santiago, no Chile, ou da Cidade do México, teria
de investir de uma só vez R$ 295,5 bilhões, o equivalente a 3% do PIB.
Eis uma medida do atraso brasileiro.
A precariedade do transporte coletivo
incentiva o uso de automóveis e motocicletas. Entre 2001 e 2020, a frota de
carros e motos cresceu 331%, revela estudo do Ipea. O crescimento foi maior
(374%) fora das grandes metrópoles. Afinal, se a oferta de transporte coletivo
já é restrita nos grandes centros, nos menores a situação é ainda pior.
Não se pode mais retardar a ampliação e
melhoria do transporte de massa. Não só para elevar a qualidade de vida da
população, mas para aumentar a produtividade (reduzindo horas perdidas no
deslocamento), conter a pressão por moradias informais mais próximas do
trabalho, diminuir emissões de gases de efeito estufa e a exposição a
poluentes, com impacto na saúde da população. Melhorar a mobilidade urbana é
solução para múltiplas questões.
Denúncia de Trump por reter segredos de
Estado faz acusações gravíssimas
O Globo
Mesmo que condenado, ele poderá concorrer
na eleição de 2024 — com alta chance de voltar à Casa Branca
Está marcada para hoje a presença de Donald Trump num
tribunal federal em Miami. Trump é o primeiro ex-presidente americano a se
tornar réu num processo da Justiça Federal. Ele é acusado de reter ilegalmente
documentos de segurança nacional depois de sair da Casa Branca, de se recusar a
entregá-los depois de intimado e de mentir sobre o assunto. Em abril, Trump já
quebrara outra barreira inédita ao ser declarado réu pela Justiça estadual de
Nova York, sob suspeita de falsificar registros contábeis para acobertar
suborno a uma ex-atriz pornô. É esperado para este ano pelo menos mais um
processo, sobre a tentativa de manipular o resultado das eleições de 2020 no
estado da Georgia.
Num passado não tão distante, tais
problemas seriam suficientes para acabar com a carreira de qualquer político.
Não agora. Trump tem sido mestre em desafiar leis, inclusive as da ciência
política. Sua pré-candidatura à Presidência está cada dia mais forte. No
primeiro discurso depois da intimação, ironizou a acusação, se disse vítima de
uma “caça às bruxas” e repetiu a mentira de que as últimas eleições foram
roubadas. Desde a semana passada, sua máquina de arrecadação ganhou novo
impulso.
O caso de Miami é bem mais grave que o de
Nova York. Nas 49 páginas da denúncia, Trump é alvo de 37 acusações, 31 por suspeita
de ter violado a Lei de Espionagem. Os procuradores sustentam que ele manteve
documentos ultrassecretos e secretos com informações sobre a defesa dos Estados
Unidos e outros países; segredos nucleares e potenciais
vulnerabilidades americanos; planos de retaliação em resposta a ataques de
forças estrangeiras.
Os documentos foram guardados por Trump de
forma tão displicente que podiam ser vistos fora das caixas numa área de estocagem
em Mar-a-Lago onde vários empregados do resort do ex-presidente podiam entrar e
sair a qualquer momento. Alguns acessíveis apenas a funcionários do governo com
as mais restritas permissões. Várias caixas foram encontradas até num banheiro.
De acordo com a acusação, Trump sabia que
cometia um crime. Ao mostrar planos de batalha dos Estados Unidos a um
visitante, disse que poderia ter retirado a classificação de secreto quando era
presidente, mas não retirou. Aos advogados, sugeriu que levassem documentos
para um hotel e dessem um fim neles. Noutra ocasião, mandou um assistente levar
64 caixas de documentos do local onde um advogado faria uma vistoria para
entregar o que o FBI exigia.
Não está claro quando Trump será julgado. Como os Estados Unidos não têm uma Lei da Ficha Limpa nem determinação constitucional em contrário, ele poderá concorrer à eleição mesmo que condenado. Não está descartada sua volta à Casa Branca. O fato de que chefes de governo ao redor do mundo tenham de fazer esse cálculo político já é uma tragédia. A cruzada de Trump contra as instituições da mais longeva democracia do planeta parece um pesadelo sem fim.
Kit de desvios
Folha de S. Paulo
Casos dos robôs educativos e da Codevasf mostram
baixo controle sobre emendas
Se fosse uma série, o roteiro talvez
merecesse críticas por faltar-lhe verossimilhança: parlamentares
destinam R$ 26 milhões para comprar kits de robótica que serão
utilizados em escolas sem laboratório de ciências, sem internet e sem água
encanada.
Em desmandos da política, contudo, não raro
a realidade supera a ficção; o caso, revelado por reportagem da Folha, é
apenas o mais recente em uma longa lista de episódios que roçam o surrealismo.
Nos capítulos atuais, a Polícia Federal
investiga um casal que
retirava dinheiro em espécie de agências bancárias e entregava
os valores a pessoas ainda não identificadas.
A PF desconfia que os montantes tenham sido
desviados de contratos em torno dos kits de robótica e terminaram nas mãos de
agentes públicos. Um deles seria Luciano Cavalcante, principal auxiliar de
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados —suspeita que os
investigadores embasam com imagens de vídeos.
Outro aliado de Lira, o vereador João
Catunda, de Maceió, estaria por trás da empresa que adquiriu kits por R$ 2.700
e os revendeu para cidades alagoanas por R$ 14 mil.
A hipótese de corrupção salta aos olhos e,
com razão, exaspera o cidadão que cumpre suas obrigações dentro da lei. É o
dinheiro dos impostos, afinal, que locupleta quem se beneficia de desvios.
Não se deve perder de vista, porém, que o
caso seria grave mesmo que não tivesse todas as digitais de um esquema espúrio.
É que, mesmo nessa eventualidade, haveria enorme desperdício de verbas muito
necessárias país afora.
Tome-se a situação da Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Contratos
com empreiteiras pouco conhecidas suscitam desconfiança, mas o maior ralo de
dinheiro talvez nem seja esse, e sim a subversão da estatal.
Em tese voltada à irrigação, ela parece
servir mais para a pulverização dos recursos federais em pequenos
projetos. Tudo
direcionado para acólitos e familiares de políticos e, pior,
sem avaliação de prioridades, necessidade ou eficiência.
Como no caso dos kits de robótica, ainda
que de fato fossem comprados a bom preço, que valia teriam em escolas sem
internet?
Ambos os episódios ilustram os frutos
podres das práticas fisiológicas. Elas não surgiram ontem, mas ganharam novo
impulso com o aumento do poder do Congresso sobre o Orçamento. Emendas
parlamentares foram o duto por onde o dinheiro passou antes de chegar aos kits
de robótica e à Codevasf.
Nada há de errado em o Parlamento definir
despesas; tudo vai mal, entretanto, quando há pouco controle e ainda menos
transparência no trato da coisa pública.
Adiós, América
Folha de S. Paulo
Desejo de imigrar entre latino-americanos
cresce em meio a caudilhismos e crises
Estima-se que 2,3% da população mundial,
algo como 184 milhões, seja de imigrantes, e pesquisa recente do Instituto
Gallup revelou que, em 2022, cerca de 1,2
bilhão de pessoas declararam que gostariam de deixar de maneira definitiva o
país onde moram —o que corresponde a 15% da população global.
O índice varia, previsivelmente, conforme a
região. Na União Europeia, 16% migrariam; já na Comunidade dos Estados
Independentes (países da ex-União Soviética), são 12% —a Ucrânia, em guerra, aí
se localiza. Com 4%, o Leste Asiático tem o menor índice.
O desejo de mudar é maior no Oriente Médio
e Norte da África (29%), na África Subsaariana (36%) e na América Latina e
Caribe (31%). Esta última região, em comparação com pesquisa realizada na
década anterior, foi a que teve maior alta na comparação com o início da década
passada: em 2011, não mais de 18% dos latino-americanos diziam querer morar em
outro país.
É razoável supor que a economia seja um dos
fatores relacionados a esse crescimento. Na década de 2001-10, favorecida pela
alta das matérias-primas de exportação, a economia latino-americana teve
expansão média de 3,2% ao ano. Desde então, o ritmo despencou para 1,5% anual.
Note-se que existem dois tipos de migração,
a voluntária e a forçada. Na primeira, o deslocamento se dá por uma conjuntura
desfavorável, como insatisfação com a qualidade de vida; na segunda, guerras e
regimes autocráticos podem ser os fatores. A América Latina consegue combinar
os dois casos.
Na Venezuela, nada menos que 7 milhões de
pessoas deixaram o país do ditador Nicolás Maduro nos últimos anos, seja por
perseguição política, seja pelo colapso social.
Já na Argentina, país democrático, a crise
econômica —a inflação bateu recorde em abril e chegou a 109% em 12 meses— têm
gerado aumento na imigração.
Com o empobrecimento da população, somado
ao arrefecimento da pandemia de Covid-19, o número de argentinos que se mudaram
para o Brasil passou de
5.424 em 2019 para 6.601 em 2022; em 2011, foram 2.942.
Diferentemente do Leste Europeu e do Oriente Médio, a América Latina não vive em tensão geopolítica crônica, fator indutor de migrações. Por aqui, entretanto, proliferam caudilhismos e políticas econômicas anacrônicas, que levam cidadãos a buscarem uma vida melhor em outro lugar.
Nem-nem: geração em busca de um propósito
O Estado de S. Paulo
Os dados oscilam, mas há anos a frustração
dos jovens que não estudam nem trabalham permanece como ferida aberta a exigir
cuidados mais dedicados do Estado e da sociedade
Uma pesquisa rápida ao acervo do Estadão
revelará que há mais de dez anos as aflições da chamada geração nem-nem, grupo
de jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham, são temas
recorrentemente abordados nesta página. Para este jornal, há poucos sinais mais
reveladores da distância que separa o Brasil de um futuro à altura de suas
potencialidades do que a negligência do Estado e da sociedade com a falta de
confiança no País que desalenta tantos milhões de jovens naquela faixa etária,
há tanto tempo.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) Contínua Educação 2022, divulgados pelo IBGE há poucos
dias, não são alvissareiros. Eles mostram que um em cada cinco brasileiros
entre 15 e 29 anos está fora da sala de aula e do mercado de trabalho. Ou seja,
dos 49 milhões de jovens nessa faixa etária, 9,8 milhões (20%) estão em
situação de total desalento – uma geração à procura de um propósito de vida.
Ainda de acordo com a pesquisa, 15,7% dos jovens estavam trabalhando e
estudando no ano passado; 25,2% apenas estudando; e a maioria, 39,1%, estava
trabalhando, mas longe das escolas, centros técnicos e universidades.
Os porcentuais oscilam entre uma pesquisa e
outra, mas há anos, de forma consistente, a frustração de milhões das novas
gerações com o País permanece como ferida aberta a exigir cuidados mais
dedicados. O número dos nem-nem apurado na Pnad Contínua Educação 2022 é
ligeiramente menor do que o revelado pela pesquisa realizada em 2019, quando
22,4% dos brasileiros entre 15 e 29 anos não trabalhavam nem estudavam.
Contudo, esse recuo de 2,4 pontos porcentuais nem de longe autoriza otimismo.
Como falar em melhora diante do fato de que quase 10 milhões de cidadãos em
idade produtiva não encontram estímulos ou condições objetivas para voltar às
salas de aula ou procurar um emprego?
A Pnad Contínua Educação 2022 reforça,
ainda, a necessidade de uma intervenção multidisciplinar, o mais rápido
possível, para acudir esses jovens desiludidos, em especial as mulheres. Elas
apontam a gravidez (22,4%) e a necessidade de realizar trabalhos domésticos ou
cuidar de outras pessoas (10,3%) como impedimentos para os estudos ou para o
trabalho fora de casa. Mesmo os jovens que trabalham, mas não estudam (40,2%)
inspiram preocupação. Afinal, que desenvolvimento pessoal e financeiro podem
almejar para si e suas famílias no futuro quando, por força das necessidades de
momento, precisam abdicar de sua formação educacional?
Há caminhos para que o País se livre, de
uma vez por todas, da indecência de entregar boa parte de sua juventude à
desesperança, comprometendo seu próprio futuro. E eles são conhecidos. Dependem
primordialmente do despertar da sociedade para o problema e da cooperação entre
os entes federativos.
Ao governo federal, por exemplo, cabe
formular e conduzir uma política econômica responsável que leve o País à
retomada do crescimento duradouro, condição indispensável para a ampliação de
postos de trabalho. É elementar. Pais empregados, com renda suficiente para que
a família tenha uma vida digna, significam filhos livres para estar na sala de
aula, não em busca de complementação da renda familiar.
Os governos subnacionais, por sua vez, sem
prejuízo da coordenação da União, têm de estabelecer a educação pública como
prioridade inegociável. Nesse sentido, é mais que bem-vinda a ideia do governo
de São Paulo de criar, no âmbito da Secretaria da Educação, a Coordenadoria de
Educação Profissional, que será responsável por ofertar milhares de vagas em
cursos técnicos aos jovens paulistas usando a atual estrutura das escolas da
rede pública. De acordo com o Palácio dos Bandeirantes, as aulas técnicas serão
ministradas por profissionais atuantes no mercado para o qual prepararão seus
alunos.
Essa é apenas uma ideia. Há muitas outras.
Tão mais rápido será o encontro do País com um futuro mais auspicioso, menos
desigual, quanto maior for a atenção dedicada pelo Estado e pela sociedade a
uma geração que perdeu até mesmo a capacidade de sonhar.
O ‘pizzo’ mafioso no centro de SP
O Estado de S. Paulo
Zumbis da Cracolândia levam terror à região
e se transformam em oportunidade de negócio para guardas-civis e traficantes
que achacam comerciantes. À anomia juntou-se o escárnio
Acena do cerco violento a um carro na
região central de São Paulo por usuários de drogas, na sexta-feira passada,
retrata a sensação de impotência dos paulistanos diante do fato consumado de
que uma parte da cidade foi sequestrada pelo crime. O motorista, que
aparentemente escapou ileso, pode se considerar um sujeito de sorte, porque em
dezembro do ano passado um comerciante foi arrancado de seu carro e espancado
por uma multidão de drogados. Ou seja, não se trata de um caso isolado: depois
de décadas de descaso e ideias fracassadas, a Cracolândia provou-se mais uma
vez imune ao poder público, tornando-se zona de guerra no meio da maior cidade
brasileira. Pobre do cidadão que errar o caminho.
O ilícito sempre se estabelece onde há
conivência, desídia ou incompetência dos órgãos de segurança e dos gestores
públicos. Assim como todos sabem onde ficam os desmanches de carros roubados, o
tráfico de drogas na região da Cracolândia acontece à vista de todos. A visão
de uma multidão de esfarrapados – homens e mulheres destruídos pelo consumo voraz
de crack e de outras substâncias entorpecentes – já despertou as mais variadas
respostas do poder público, com mais ou menos vigor, mas sempre com o mesmo
resultado: fracasso.
Em 30 anos, desde que apareceu em um
quarteirão da Rua dos Protestantes, quase ao lado da Estação da Luz, a
Cracolândia passou de pouco mais de 20 ou 30 usuários para uma reunião de
centenas. Migrou pelas ruas da região, com suas pensões decadentes, até
estabelecer, entre as Ruas Helvétia e Barão de Piracicaba, um território livre da
lei e da ordem, um verdadeiro mercado da droga a céu aberto, tudo tolerado
pelas autoridades que deviam zelar pela paz na cidade. Pensava-se então que
seria melhor conter as centenas de andrajosos por ali do que vê-los caminhando
entre o tradicional comércio de ruas como a Santa Ifigênia.
Em maio do ano passado, o governo do Estado
resolveu agir e pôs fim ao mercadão da Rua Helvétia. Mas, sem ter o que fazer
com as centenas de usuários e moradores de rua da região, viu o grupo todo se
aglomerar na Praça Princesa Isabel, para o desalento dos comerciantes locais. O
que se seguiu foi a migração para lá e para cá dos maltrapilhos, acompanhados a
distância por guardas-civis e por policiais militares. Nada disso, como se
sabe, impediu que a droga continuasse a circular.
O que se instalou desde então é uma
situação inaudita. O centro de São Paulo se tornou refém de uma turba que se
movimenta como nômade, saqueando lojas, roubando pedestres e praticando furtos
para sustentar o vício. Comerciantes há mais de 30 ou 40 anos estabelecidos na
região começaram a fechar as suas portas. Clientes com medo deixaram de
caminhar pela área que tem a maior parte do comércio justamente na rua.
Restaurantes fecharam.
Os zumbis da Cracolândia logo se
transformaram em uma nova oportunidade de negócio. Guardas-civis inescrupulosos
e integrantes do PCC passaram a achacar os empresários que resistem na região,
cobrando-lhes R$ 30 mil como taxa de proteção para que os esfarrapados não
fiquem na porta de seus estabelecimentos e para que não sejam roubados. À
anomia, juntou-se o escárnio.
Por enquanto, veem-se somente as detenções
dos suspeitos de sempre, seguidas de incidentes com usuários de drogas.
Combater o tráfico e, ao mesmo tempo, dar assistência social e médica sempre
foi o objetivo declarado dos governantes, mas nada, até agora, surtiu efeito.
A cidade não pode permitir que seu centro
seja engolido pelos horrores da destruição de vidas pelas drogas, do terror
contra os cidadãos, da inviabilidade econômica e do triunfo de um poder paralelo.
Ao obedecer às ordens de milicianos ou de traficantes, os usuários de drogas
servem a uma organização de tipo mafioso, que cobra o pizzo no centro de São
Paulo. Espera-se que o inquérito policial anunciado pela Secretaria da
Segurança Pública apure o papel de cada integrante dessa societas sceleris. Não
obstante a necessidade de salvar os usuários de drogas, é preciso agir com
rigor contra os que transformaram o centro de São Paulo num inferno.
Inflação finalmente dá trégua
O Estado de S. Paulo
Desaceleração do índice oficial de inflação
reforça motivos para preservar a autonomia do Banco Central
A inflação subiu 0,23% em maio, menor nível
para o mês nos últimos três anos. Já seria uma notícia bastante positiva depois
de um longo período em que o índice pressionou o bolso dos brasileiros de forma
impiedosa. Mas, de forma geral, o IPCA tem apresentado uma dinâmica mais
benigna nos últimos meses, o que confirma o sucesso da estratégia do Banco
Central (BC) para domar os preços.
Alimentos e bebidas, um dos grupos que mais
penalizam os consumidores, desacelerou de 0,71% em abril para 0,16% em maio. Os
serviços, que ainda pressionavam o índice geral em razão da recuperação da
demanda após a pandemia, saíram de uma alta de 0,52% em abril para uma queda de
0,06% em maio – bastante influenciados pelas passagens aéreas, que recuaram
17,73% e deram a maior contribuição para o comportamento do IPCA como um todo.
A euforia causada pelos bons resultados do
índice foi tamanha que algumas instituições não descartam a ocorrência de uma
deflação pontual no mês de junho. Na mais recente edição do boletim Focus,
analistas reduziram a estimativa para a inflação deste ano de 5,69% para 5,42%,
ainda acima do teto da meta, de 4,75%, mas mais próxima deste limite. Até as
previsões para o IPCA de 2024 e de 2025 cederam, respectivamente, para 4,04% e
3,90%. Elas foram influenciadas pela redução do risco fiscal gerado pela
aprovação do arcabouço na Câmara, mas ainda expressam algum receio sobre a
possibilidade de alteração das metas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Os resultados, por óbvio, aumentaram a
carga sobre o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que se
reúne nos dias 20 e 21 deste mês para definir a taxa básica de juros – hoje em
13,75% ao ano. Ciente deste quadro, no questionário pré-Copom, a autoridade
monetária pediu às instituições financeiras que apresentassem não somente suas
expectativas para a reunião de junho, como tradicionalmente faz, mas também a
respeito das decisões a serem tomadas pelo colegiado em agosto e setembro.
É uma forma mais acurada de aferir o sentimento
dos agentes sem causar atropelos indesejados na comunicação. O governo Lula,
por óbvio, quer a redução imediata da Selic. No boletim Focus, a maioria dos
economistas espera que os cortes na Selic comecem a ocorrer em setembro. Mas,
na semana passada, após a surpresa do IPCA de maio, algumas instituições
ajustaram suas projeções e avaliaram que há condições para que o ciclo de
redução dos juros seja iniciado um mês antes, em agosto.
Nesse cenário, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem aproveitado eventos públicos para defender a atuação da instituição. Segundo ele, se o BC não tivesse elevado a Selic de forma robusta em pleno ano eleitoral, a inflação acumulada em 12 meses estaria em 12% ou 13% ao ano. Independentemente das críticas sobre a intensidade e a duração do aperto monetário, o fato é que o IPCA acumulado em 12 meses ficou abaixo do patamar de 4% em maio, um feito que não ocorria desde outubro de 2020. Eis um bom motivo para preservar a autonomia formal da instituição.
O
BC está pronto para cortar juros
Correio
Braziliense
As
boas notícias vindas da inflação têm levado os analistas a reverem,
sistematicamente, as projeções do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
para baixo
As
boas notícias vindas da inflação têm levado os analistas a reverem,
sistematicamente, as projeções do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
para baixo. A mais recente pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo Banco
Central, aponta, agora, para uma taxa de 5,42% neste ano (ante 5,69% de sete
dias atrás) e de 4,04% em 2024 (contra 4,12% no levantamento anterior). Diante
desse quadro bastante benigno, o Comitê de Política Monetária (Copom) se
sentirá mais confortável para dar início ao movimento de corte da taxa básica
de juros (Selic), de 13,75% ao ano. Se não for na reunião de junho, certamente
em agosto o alívio no custo do dinheiro virá. Não há mais nada que justifique
tanto conservadorismo por parte do BC. A economia demanda mais créditos a
custos menores.
Fez
muito bem a autoridade monetária ter agido rapidamente para conter o surto
inflacionário ainda no governo passado. O custo de vida passou de 10% ao ano,
punindo, especialmente, os mais pobres. Houve críticas à ação da instituição,
mas o tempo foi suficiente para reforçar o quanto estava no caminho certo.
Agora, assim como foi um dos primeiros bancos centrais do mundo a elevar os
juros, o BC brasileiro estará na linha de frente daqueles que estão aptos a
anunciarem quedas nas taxas. Não se deve, porém, esperar uma baixa agressiva da
Selic. Todo o processo se dará de forma cautelosa, para que nada dê errado. Os
juros básicos devem encerrar 2023 entre 10% e 11% anuais.
Com
inflação não se brinca. E, diante do histórico do Brasil, esse alerta deve ser
mais contundente. Foram décadas de descontrole nos preços, que levaram vários
planos econômicos ao fracasso. Felizmente, desde 1994, quando foi editado o
Plano Real, o país vem buscando consolidar os ganhos da estabilidade monetária.
Nesse período, houve soluços do IPCA, seja por choques externos, seja por
aventuras do governo de plantão. A forte convicção da sociedade em não abrir
mão de suas conquistas, no entanto, recolocou, com muito custo, a inflação nos
eixos. É o que se vê agora, ainda que todos anseiem por um crescimento mais
acelerado do Produto Interno Bruto (PIB).
Nenhuma
instituição está livre de críticas, e isso vale para o Banco Central, quando o
conservadorismo é marcado pelo excesso, com custos para a atividade e o
emprego. Nada que impeça uma correção de rumos, que, acredita-se, está a
caminho. Vale reforçar que o Conselho Monetário Nacional (CMN), ao definir as
metas de inflação, impôs uma missão dura para o BC: o centro da meta deste ano
é de 3,25% e o de 2024, de 3%. São números ambiciosos, mas condizentes com o
que prevalece nos países desenvolvidos e na maioria das economias emergentes,
como o Brasil.
Muitos
questionam se, em vez de um arrocho tão forte nos juros, seria melhor mudar as
metas de inflação. De forma alguma. Foi justamente por, no passado recente, o
Brasil ter optado por saídas fáceis que o custo de vida disparou e a economia
degringolou. O país deve cumprir à risca os compromissos assumidos com a
sociedade em torno da estabilidade de preços. Quando impera a confiança, os
agentes financeiros respondem financeiramente. Tanto que o dólar está sendo
negociado próximo a R$ 4,80 e a Bolsa de Valores se posiciona na casa dos 117
mil pontos.
Iniciado
o afrouxamento monetário, o governo não terá mais desculpas para atribuir ao
Banco Central a culpa pelo baixo crescimento do PIB. Os formuladores da
política econômica terão de lançar mão de medidas efetivas para incrementar a
produção e o consumo. O Brasil não pode se contentar com avanço médio anual da
atividade abaixo de 2%. Para saltos maiores, a receita passa por ações
inovadoras, voltadas para a nova economia. Não cabe, em hipótese alguma, manter
os pés no atraso, privilegiando setores ineficientes. O compromisso é com o
futuro.
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