Correio Braziliense
Lula não gosta de mexer em ministro sob pressão
política. Mas terá que abrir mais espaço para os deputados do Centrão, para
manter a governabilidade, é uma questão de tempo.
O título, tomei emprestado do Ilimar
Franco, escolado repórter de política, a propósito da briga do União Brasil
pelo cargo da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, cuja permanência no
ministério subiu no telhado da Câmara. Lembrei-me de uma tese do jurista
italiano Norberto Bobbio, ponto de referência para análises de conjuntura política.
Todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada
funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e
coagir. Somente quando perde a capacidade de se manter financeiramente e
garantir a ordem pública vira desgoverno.
É muito cedo para conclusões definitivas, mas Lula não faz um mau governo, no sentido de que perdera o foco no bem comum. Independentemente da areia movediça que é obrigado a atravessar ao se relacionar com um Congresso conservador, capaz, inclusive, de tomar decisões reacionárias. Lula vem mantendo a iniciativa política, ainda que algumas delas sejam muito polêmicas, como a obsessão de negociar a paz na guerra da Ucrânia ou a decisão de turbinar a indústria automobilística com incentivos para carros populares movidos a carbono.
Na semana passada, a pesquisa Ipec mostrou
um governo com 53% de aprovação, o que se reflete na relação com os partidos do
Centrão. A repercussão maior ainda está por vir, com a aproximação entre o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira, que
fizeram um pacto para aprovação da reforma tributária o quanto antes. Essa é a
prioridade do país, pois avalia-se que a reforma pode ter um impacto de até 10%
no PIB brasileiro, o que é uma expectativa muito otimista. Se for a metade
disso, já será um sucesso absoluto, porque viabilizará com folga o novo
arcabouço fiscal, cujo ponto fraco é a projeção de arrecadação com os
parâmetros atuais.
Exemplificando a tese do Bobbio: o governo
Temer foi um governo fraco, mas aprovou praticamente tudo o que quis no
Congresso, recuperou o controle das finanças públicas e jogou a inflação para
baixo. Seu calcanhar de aquiles foi a segurança pública, principalmente a crise
nos presídios (Maranhão, Amazonas e Roraima) e a greve dos policiais militares
no Espírito Santo. Para enfrentar a questão, Temer criou um ministério e
escalou para o cargo o seu então ministro da Defesa, Raul Jungmann. A firmeza
do então governador Paulo Hartung e a atuação do ministro foram fundamentais
para domar a greve, além da presença do Exército, por meio de uma operação de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Entretanto, o episódio foi uma espécie de
ovo da serpente do que viria depois: um pacto entre setores militares e
policiais para eleger Jair Bolsonaro e apoiar seu projeto saudosista de regime
autoritário. A segurança pública continua sendo um grave problema, agora no
colo do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Sortudo, herdou do governo
Temer a criação de sistema unificado de segurança pública, de gestão tripartite
(União, estados e municípios), com R$ 4 bilhões em caixa, que não foram gastos
durante o governo Bolsonaro, para investir na sua implantação. O ministro vem
sendo testado desde o 8 de janeiro, porém, a questão da segurança pública é seu
grande desafio: continua como dantes no quartel de Abranches.
Belford Roxo no poder
É aí que a presença no governo da ministra
Daniela Carneiro, cuja cabeça está sendo pedida pelo União Brasil, é uma grande
contradição. Sem preconceito, o município de Belford Roxo, na Baixada
Fluminense, não é um polo de atração turística. Antigo distrito de Nova Iguaçu,
com 70km², se desenvolveu às margens da linha auxiliar da Central do Brasil, a
antiga estrada de Ferro Rio D’Ouro. Sua origem é a antiga fazenda de Pedro
Caldeira Brant, o conde de Iguaçu, filho do marquês de Barbacena. Vendida para
para o comendador Manuel José Coelho da Rocha, no final do século XIX, entrou
em decadência, por causa das epidemias.
A antiga Vila do Brejo mudou de nome para
homenagear o engenheiro maranhense Francisco Teixeira Belford Roxo, parceiro de
Paulo de Frontin. Seus antigos laranjais foram loteados e transformados em
formigueiro humano, às margens da ferrovia. O complexo industrial da Bayer,
instalado durante o governo Juscelino Kubitschek, porém, garante ao município
uma arrecadação de R$ 8,2 bilhões, que contrasta com um IDH de 0,6 para uma
renda per capita de R$ 16,7 mil. Por isso, tem uma Prefeitura muito cobiçada.
Waguinho Carneiro (Republicanos), prefeito
de Belford Roxo, é marido e cabo eleitoral de Daniela. Teve um papel importante
na eleição do presidente Lula, dividindo votos numa área que havia sido ocupada
por Bolsonaro. É acusado de ter o apoio das milícias da Baixada Fluminense,
violentíssimas. Ontem, o prefeito acusou o golpe e cobrou solidariedade de
Lula: “A ministra Daniela é de um estado importante, o Rio de Janeiro,
território totalmente bolsonarista, onde nós levamos a campanha do presidente
Lula em toda a Baixada Fluminense, no interior, no Noroeste. Encorajamos muitas
pessoas e pagamos um preço muito caro por isso”, disse Waguinho, ao acusar o
União Brasil de golpe por tentar tirar Daniela do ministério e pôr no seu lugar
o deputado Celso Sabino (BA), que apoiou Bolsonaro. O PT fluminense defende a
aliança com Waguinho. Lula não gosta de mexer em ministro sob pressão política.
Mas terá que abrir mais espaço para os deputados do Centrão, para manter a
governabilidade, é só uma questão de tempo.
Um comentário:
Quartel de Abrantes.
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