Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Jéssica Sant’Ana, Larissa Garcia e Rafael Walendorff /Valor Econômico
Brasília - Em uma sessão histórica que
durou mais de 15 horas e varou a madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou,
em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, a reforma tributária. Após
décadas de tentativas fracassadas, prevaleceu o acordo para uma reforma que
deve simplificar a cobrança de tributos no país, levar ao fim da guerra fiscal,
atrair investimentos e promover o crescimento econômico.
A sessão foi encerrada à 1h53 e será
retomada nesta sexta-feira (8) às 10h para a votação de quatro destaques do PL
propondo supressão de pontos da reforma. Após a
conclusão, o texto seguirá para o Senado.
No primeiro turno,
a PEC passou por 382 votos a 118. Já na segunda rodada, o placar foi de 375 a
113. O
apoio à proposta superou com folga o quórum de 308 votos para aprovar uma
emenda constitucional. Apoiaram o texto inclusive parlamentares de partidos que
criticaram o projeto nos últimos dias. No primeiro turno, dos 99 deputados
do PL, 20
votaram a favor da proposta, 75 seguiram a orientação do partido,
determinada pelo ex-presidente
Jair Bolsonaro, e dois ausentaram-se.
A aprovação ocorreu após uma semana de intensas negociações. Nessa quinta, na reta final, o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já tinha acenado com mudanças no texto nos últimos dias, acolheu novas sugestões de setores econômicos, governadores e prefeitos, abrindo caminho para a votação da proposta. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), liberou a votação remota para facilitar a sua aprovação.
O texto unifica
ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPI em três novos impostos: a Contribuição sobre Bens
e Serviços (CBS), de gestão federal; o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS),
gerido pelo Conselho Federativo, composto por representantes dos Estados e
municípios; e um Imposto Seletivo (IS), federal, que incidirá sobre bens e
serviços prejudiciais à saúde e meio ambiente.
A arrecadação passará, gradualmente, do
local de origem do produto/serviço para o de consumo. Essa transição federativa
acabará apenas em 2078 e, para suavizar os efeitos do fim da guerra fiscal, a
União se prometeu a repassar R$ 40 bilhões por ano a partir de 2032 para os
Estados investirem ou subsidiarem a atração de empresas.
Para o contribuinte, a transição começaria
já em 2026 e duraria até 2032. PIS, Cofins e IPI seriam extintos já em 2027,
com a entrada em vigor da CBS e do IS. Já no caso do IBS, gerido por Estados e
municípios, o prazo será mais longo: terá início em 2026, com alíquota teste de
0,1%, e terá uma “escadinha” de 2029 a 2033, quando então seriam extintos ICMS
e ISS.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participou
ativamente das articulações. Ele se reuniu com Lira no início da tarde em um
encontro que não estava previsto na agenda oficial e também foi ao Palácio do
Planalto informar o presidente Lula sobre o andamento das negociações.
Na sequência, afirmou a jornalistas que
haviam sido afastados “fantasmas” de impacto inflacionário e elevação de preços
de alimentos. “A gente mostrou os cálculos precisos para demonstrar que estamos
seguros em relação ao passo que estamos dando”, complementou.
Já era noite quando Aguinaldo Ribeiro leu
da tribuna da Câmara a nova versão da proposta de emenda constitucional (PEC)
com a redução de 50% para 40% da alíquota do IVA que incidirá sobre atividades
e produtos que terão tratamento diferenciado, como saúde, educação, transporte
público, cultura, produções jornalísticas e audiovisuais nacionais e itens da
agropecuária.
Com isso, serão
três alíquotas: uma zerada, para alguns itens da cesta básica a serem definidos
por lei complementar, além de produtos hortícolas, frutas e ovos; uma
intermediária, para as atividades beneficiadas com o redutor de 60% na alíquota
geral; e uma cheia, que será cobrada das demais atividades da economia.
Haverá regimes específicos para combustíveis,
operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde, serviços financeiros
e apostas (concursos de prognósticos). No novo parecer, contudo, o relator
modificou a PEC para prever que parte dos serviços financeiros serão taxados no
IVA. “Vamos tratar tarifa e serviços bancários com IVA e spread com alíquota da
forma que é tributado hoje, com alíquota definida por lei complementar”, disse
o relator.
Também foi criado um regime específico para
serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes e
aviação regional. Era uma demanda do setor de eventos e turismo, que acusava
aumento da carga tributária e perda de competitividade com o IVA normal. O
modelo da tributação será definido por lei.
O relator modificou o Imposto Seletivo, que incidirá
sobre bens e serviços
prejudiciais à saúde e meio ambiente, mas não poderá ser
cobrado sobre itens que tenham redução da alíquota do IVA. Com isso, ficam
preservados desse imposto a produção agropecuária.
Ribeiro também fez ajuste nos artigos da Zona Franca de Manaus e
zonas de processamento de exportação (ZPEs) para garantir o tratamento
diferenciado e diferencial competitivo das empresas instaladas nessas regiões.
A medida levou ao apoio da bancada do Amazonas.
Logo após a votação do primeiro turno, no
entanto, os deputados aprovaram, por 379 votos a 114, uma emenda com
dispositivos negociados ao longo do dia, como benefícios
a mais setores e isenção para associações sem fins lucrativos ligadas a igrejas,
que não constavam do texto original. Após essa mudança, os parlamentares
rejeitaram todos os destaques.
Haddad apresentou ao relator uma proposta
para o Conselho Federativo.
Ela previa dois critérios para a governança do Conselho: população e número de
Estados por região. “Para passar no Conselho Federativo, tem que ter maioria
dos Estados e maioria da população. Você não pende para nenhum dos lados”,
explicou.
O governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos),
pediu ajustes. E as questões federativas foram parcialmente contempladas pelo
novo relatório.
O Conselho Federativo será formado por 27
representantes, um de cada Estado, mais 27 representantes dos municípios e
Distrito Federal, dos quais 14 serão eleitos com base nos votos igualitários
entre os entes e 13 com base na população.
Nas deliberações, os temas só serão
aprovados se obtiverem, ao mesmo tempo, o apoio da maioria dos Estados e de
representantes que correspondam a mais de 60% da população do país. No caso dos
votos dos municípios, dependerá da maioria absoluta (14).
O texto não contém os critérios para divisão dos fundos estaduais que serão criados para investimentos nos Estados e compensação do fim dos benefícios de ICMS concedidos pelos governadores e que serão extintos. O valor foi mantido em R$ 40 bilhões, com aporte apenas da União, embora os governadores pedissem R$ 75 bilhões.
Um comentário:
Pouca coisa no mundo é mais complexo do que reforma tributária!
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