quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Nilson Teixeira* - Projeções do PIB são pouco confiáveis

Valor Econômico

Sem ação bem coordenada nos próximos anos, cenário dominante é o de manutenção de baixo crescimento de longo prazo com eventuais surtos de expansão seguidos por períodos recessivos

O erro absoluto da média diária das projeções de crescimento do PIB formadas em dezembro do ano anterior na série do Focus iniciada em 2000 varia entre 0,3 ponto percentual (pp) em 2005 e 5,5 pp em 2019, sendo o erro mediano de 1,4 pp. Das 24 observações disponíveis, as projeções subestimam o crescimento em 11 anos, com mediana de 1,5 pp, e o superestimam em 13 anos, com mediana de 1,3 pp.

De forma simplificada, assume-se que a realização do crescimento do PIB no ano é distribuída de acordo com uma curva normal, com o centro sendo o resultado mais provável e a probabilidade dos outros possíveis valores diminuindo à medida que esses se afastam do centro da distribuição. Apesar de curta, a série não sugere que essa hipótese seja razoável até, pelo menos, a divulgação em março dos resultados do PIB do 4º trimestre do ano anterior.

A mediana das projeções de mercado do Focus de 19 de janeiro para o crescimento do PIB em 2024 foi de 1,6%, com o mínimo de 0,0% e o máximo de 2,5%. A análise dos dados não descarta a hipótese de distribuição uniforme para valores distantes da mediana das previsões em cerca de um ponto percentual. Assim, a projeção máxima do Focus para 2024 de 2,5% ou uma expansão de apenas 0,5% não deve ser lida como mais improvável do que a chance de ocorrer um crescimento similar à atual mediana das previsões de 1,6%.

Nesse sentido, o objetivo dos melhores times de análise no início do ano não deve ser o de produzir projeções de crescimento do PIB e de seus componentes, pois não é possível atribuir grande precisão a esses números. A principal tarefa é a construção de cenários prospectivos com características que resultem em intervalos factíveis para a variação anual.

Ações do governo para estimular crescimento parecem réplicas do passado com diagnósticos desfavoráveis

Em termos de cenários para 2024, é razoável assumir um menor crescimento do PIB frente à mediana das expectativas do Focus e, consequentemente, aos dos últimos dois anos, por conta de:

Menor expansão da safra de grãos neste ano frente à de 2023: a contribuição da agropecuária para o crescimento em 2024 será provavelmente muito menor do que no ano passado.

Ausência de estímulo adicional proveniente das transferências governamentais: não se projeta um aumento dos benefícios do Bolsa Família em comparação com os do ano passado.

Persistência da incerteza fiscal: possível mudança da meta de déficit zero para 2024 pode gerar questionamentos sobre a sustentabilidade da dívida pública e diminuir o consumo e os investimentos.

Moderação do crescimento global: a desaceleração da economia internacional e a eventual ampliação de conflitos armados tendem a reduzir a demanda agregada.

Por outro lado, alguns fatores podem favorecer a sustentação do crescimento em 2024, entre os quais:

Aprovação da reforma tributária: a decisão tem sido interpretada como importante contribuição para a melhoria das perspectivas do país. Todavia, é cedo para assumir que essa aprovação elevará o crescimento potencial, ainda mais quando sua regulação exigirá mais concessões para grupos políticos e de interesse.

Declínio da inflação: a manutenção dessa tendência auxiliará a elevação da renda real, liberando mais recursos para o consumo de bens e serviços.

Prolongamento do ciclo de corte de juros iniciado em agosto de 2023: o afrouxamento monetário por um período mais longo pode induzir maior expansão da indústria de transformação e dos investimentos, mais sensíveis à variação da taxa Selic.

Efeitos de curto-prazo de estímulos do governo ao crescimento; essas medidas incluem: a orientação para aumento dos investimentos por parte de estatais e de empresas com expressiva participação acionária do governo e de fundos previdenciários de estatais, o Plano Nova Indústria, a introdução de mais políticas de conteúdo local, a criação de novos subsídios setoriais, a redução de renúncias tributárias na compra de bens no exterior - gradual alta de tributos para a importação de veículos elétricos, o corte dos juros em algumas linhas de bancos públicos e a reinauguração dos financiamentos subsidiados pelo BNDES.

Apesar da boa intenção do atual governo na busca de maior crescimento, a maioria das medidas não tende a trazer os resultados positivos almejados. As medidas conjunturais de estímulo parecem réplicas de ações passadas com diagnósticos desfavoráveis já conhecidos - grande parte dessas iniciativas públicas e de estatais provou-se custosa e ineficaz. Além de muitas não terem sido concluídas e sido objeto de malfeitos, atuações similares no passado não aumentaram a taxa de investimentos de forma persistente nem elevaram a produtividade na economia. No fim, além de resultados frágeis, essas políticas impuseram danos à solidez das contas públicas e à atratividade do país.

A alegação de alta da produtividade advinda de ajustes nos últimos dois governos também não encontra sustentação face à reduzida taxa de investimento, à baixa integração nas cadeias de suprimentos globais, à má qualidade das políticas públicas com poucos e errados estímulos à pesquisa, às péssimas condições de negócios, à deficiente qualidade da educação básica, à proximidade do fim do bônus demográfico, ao inexistente fomento à imigração e à enorme violência causando a morte de jovens.

Um aumento estrutural do crescimento potencial exigirá empenho conjunto dos governos federal e regionais de forma permanente para tratar dos obstáculos existentes, com foco na universalização e melhoria da qualidade da educação infantil e básica em tempo integral. Os esforços precisam fazer parte de uma política de Estado e não de um único governo.

Em suma, apesar de ser prematuro ter convicção sobre a trajetória da economia neste ano, o cenário dominante, sem uma ação bem coordenada nos próximos anos, é o da manutenção de um baixo crescimento de longo prazo com eventuais surtos de expansão sendo seguidos por períodos recessivos.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia.

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