Valor Econômico
Processo foi iniciado durante o governo
Dilma, passou pelas administrações seguintes e agora tenta dar novos saltos
O ano começa com mais um capítulo da disputa
entre governo e Centrão em torno do controle do Orçamento. Existe, na visão de
integrantes do Executivo, uma “marcha” do Congresso em busca da impositividade
da execução das emendas parlamentares. Um processo iniciado durante o governo
Dilma Rousseff que, com “galopes trienais”, passou pelas administrações
seguintes e agora tenta dar novos saltos.
O movimento teve início a partir de 2013.
Candidato a presidente da Câmara, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (MDB-RN)
prometeu aos seus pares durante a campanha pelo comando da Casa aprovar o
orçamento impositivo para emendas parlamentares individuais.
Ele argumentava que era preciso acabar com a “humilhação do conta-gotas”, numa referência ao esforço empreendido pelos deputados junto ao Executivo para a liberação das emendas. Nas palavras de Alves, que foi eleito presidente da Câmara e depois conseguiu emplacar uma emenda constitucional nesse sentido no ano seguinte, buscava-se um Orçamento “respeitosamente” impositivo.
Naquela época, reconhecem técnicos do governo
e do Congresso, havia mesmo um desequilíbrio entre os Poderes. O Executivo
tinha uma liberalidade muito grande para contingenciar as emendas
parlamentares, lembra uma fonte: na prática, o governo ia empenhando a
programação do Executivo e às vezes até contingenciava 100% das emendas.
O Congresso aproveitou a fragilidade política
de Dilma para começar a mudar essa situação. Hoje, para se ter uma ideia, o
governo pode, sim, contingenciar emendas parlamentares. Mas tem que ser, no
máximo, na mesma proporção do que for congelado das verbas do Executivo.
Aos poucos, foi-se deixando de lado o
“respeitosamente”. Três anos depois, em 2017, o avanço se deu por meio das
emendas de bancadas estaduais. Defensor de um maior protagonismo do Parlamento,
o então presidente Michel Temer também enfrentava turbulências políticas. O
Congresso marchou.
Na sequência, a inovação se deu pela emenda
de relator, depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro precisou escorar-se no
Centrão para se manter no cargo. O Supremo Tribunal Federal (STF) entrou em
campo no fim de 2022 para barrar o que depois se convencionou chamar de
“orçamento secreto” devido à falta de transparência no manejo dessas verbas.
Vitória para o Executivo.
No entanto, houve o contra-ataque do
Parlamento. Primeiro, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano e,
em seguida, com a própria proposta de Orçamento para 2024.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi
até o limite do prazo, expirado nessa segunda-feira (22), para apreciar a
proposta orçamentária de 2024 aprovada pelo Congresso e decidiu vetar um trecho
considerado abusivo: cortou R$ 5,6 bilhões dos R$ 16,5 bilhões reservados para
as emendas de comissão, o galope da vez. Diante da reação do Congresso e ameaça
de derrubada do veto, é possível que se sente à mesa para negociar.
A reação era esperada. Mas, ainda assim, o
Palácio do Planalto decidiu marcar posição. Sancionar sem vetos a proposta
significaria ceder terreno em uma disputa na qual só sucumbiram presidentes que
estavam com severas dificuldades políticas.
Esta, aliás, foi a mesma lógica que resultou
no início do mês no veto ao trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que
estabelecia um cronograma obrigatório para a execução de emendas parlamentares
individuais e de bancada. Houve outro artigo vetado, aquele segundo o qual as
emendas de comissão deveriam corresponder a pelo menos 0,9% da Receita Corrente
Líquida (RCL) de 2022.
O governo insiste que cabe ao Poder Executivo
o estabelecimento do cronograma financeiro de desembolsos do Orçamento. “Tem um
entendimento consolidado desde 1960, que é planejamento anual e um ritmo de
execução vis a vis o comportamento da receita”, diz uma fonte. Em outras
palavras, há risco de descasamento e, consequentemente, uma desorganização das
contas públicas.
Além disso, argumenta uma fonte, o
estabelecimento de 0,9% da receita corrente líquida não seria um bom
precedente. Teme-se que, na prática, isso vire um piso para as emendas das
comissões temáticas do Congresso. “Vão querer ampliar isso ano a ano.”
Para influentes parlamentares, a LDO deste
ano deveria ser lida como uma “ode ao parlamentarismo”. A lei orçamentária
também possui algumas características nesse sentido. Ambas fazem parte do
esforço da cúpula do Congresso de ampliar a influência em relação ao manejo das
verbas do Orçamento Geral da União.
Elas podem ser vistas, também, como peças nas
discussões sempre presentes entre autoridades do Legislativo e do Judiciário
sobre a adoção do semipresidencialismo no Brasil.
Interlocutores de Lula asseguram que não há
como falar em semipresidencialismo, se o governo consegue preservar tamanha
influência sobre a pauta legislativa. Faz sentido. Mas, eles próprios
reconhecem que precisarão fazer o possível para desacelerar a marcha do
Congresso rumo à impositividade orçamentária. Não será fácil.
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