quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Fernando Exman - Segue a marcha da impositividade orçamentária

Valor Econômico

Processo foi iniciado durante o governo Dilma, passou pelas administrações seguintes e agora tenta dar novos saltos

O ano começa com mais um capítulo da disputa entre governo e Centrão em torno do controle do Orçamento. Existe, na visão de integrantes do Executivo, uma “marcha” do Congresso em busca da impositividade da execução das emendas parlamentares. Um processo iniciado durante o governo Dilma Rousseff que, com “galopes trienais”, passou pelas administrações seguintes e agora tenta dar novos saltos.

O movimento teve início a partir de 2013. Candidato a presidente da Câmara, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) prometeu aos seus pares durante a campanha pelo comando da Casa aprovar o orçamento impositivo para emendas parlamentares individuais.

Ele argumentava que era preciso acabar com a “humilhação do conta-gotas”, numa referência ao esforço empreendido pelos deputados junto ao Executivo para a liberação das emendas. Nas palavras de Alves, que foi eleito presidente da Câmara e depois conseguiu emplacar uma emenda constitucional nesse sentido no ano seguinte, buscava-se um Orçamento “respeitosamente” impositivo.

Naquela época, reconhecem técnicos do governo e do Congresso, havia mesmo um desequilíbrio entre os Poderes. O Executivo tinha uma liberalidade muito grande para contingenciar as emendas parlamentares, lembra uma fonte: na prática, o governo ia empenhando a programação do Executivo e às vezes até contingenciava 100% das emendas.

O Congresso aproveitou a fragilidade política de Dilma para começar a mudar essa situação. Hoje, para se ter uma ideia, o governo pode, sim, contingenciar emendas parlamentares. Mas tem que ser, no máximo, na mesma proporção do que for congelado das verbas do Executivo.

Aos poucos, foi-se deixando de lado o “respeitosamente”. Três anos depois, em 2017, o avanço se deu por meio das emendas de bancadas estaduais. Defensor de um maior protagonismo do Parlamento, o então presidente Michel Temer também enfrentava turbulências políticas. O Congresso marchou.

Na sequência, a inovação se deu pela emenda de relator, depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro precisou escorar-se no Centrão para se manter no cargo. O Supremo Tribunal Federal (STF) entrou em campo no fim de 2022 para barrar o que depois se convencionou chamar de “orçamento secreto” devido à falta de transparência no manejo dessas verbas. Vitória para o Executivo.

No entanto, houve o contra-ataque do Parlamento. Primeiro, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano e, em seguida, com a própria proposta de Orçamento para 2024.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi até o limite do prazo, expirado nessa segunda-feira (22), para apreciar a proposta orçamentária de 2024 aprovada pelo Congresso e decidiu vetar um trecho considerado abusivo: cortou R$ 5,6 bilhões dos R$ 16,5 bilhões reservados para as emendas de comissão, o galope da vez. Diante da reação do Congresso e ameaça de derrubada do veto, é possível que se sente à mesa para negociar.

A reação era esperada. Mas, ainda assim, o Palácio do Planalto decidiu marcar posição. Sancionar sem vetos a proposta significaria ceder terreno em uma disputa na qual só sucumbiram presidentes que estavam com severas dificuldades políticas.

Esta, aliás, foi a mesma lógica que resultou no início do mês no veto ao trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que estabelecia um cronograma obrigatório para a execução de emendas parlamentares individuais e de bancada. Houve outro artigo vetado, aquele segundo o qual as emendas de comissão deveriam corresponder a pelo menos 0,9% da Receita Corrente Líquida (RCL) de 2022.

O governo insiste que cabe ao Poder Executivo o estabelecimento do cronograma financeiro de desembolsos do Orçamento. “Tem um entendimento consolidado desde 1960, que é planejamento anual e um ritmo de execução vis a vis o comportamento da receita”, diz uma fonte. Em outras palavras, há risco de descasamento e, consequentemente, uma desorganização das contas públicas.

Além disso, argumenta uma fonte, o estabelecimento de 0,9% da receita corrente líquida não seria um bom precedente. Teme-se que, na prática, isso vire um piso para as emendas das comissões temáticas do Congresso. “Vão querer ampliar isso ano a ano.”

Para influentes parlamentares, a LDO deste ano deveria ser lida como uma “ode ao parlamentarismo”. A lei orçamentária também possui algumas características nesse sentido. Ambas fazem parte do esforço da cúpula do Congresso de ampliar a influência em relação ao manejo das verbas do Orçamento Geral da União.

Elas podem ser vistas, também, como peças nas discussões sempre presentes entre autoridades do Legislativo e do Judiciário sobre a adoção do semipresidencialismo no Brasil.

Interlocutores de Lula asseguram que não há como falar em semipresidencialismo, se o governo consegue preservar tamanha influência sobre a pauta legislativa. Faz sentido. Mas, eles próprios reconhecem que precisarão fazer o possível para desacelerar a marcha do Congresso rumo à impositividade orçamentária. Não será fácil.

 

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