O Globo
Poderia haver a seguinte regra: para cada
nova política proposta, outra ineficiente precisa ser eliminada
Políticas industriais (PIs) visam compensar
falhas de mercado prejudiciais ao investimento em setores que geram
externalidade ou benefício público superior ao ganho privado. Alguns exemplos
são o apoio à indústria nascente e às atividades de pesquisa e inovação.
No entanto, há uma grande distância entre a
intenção e a entrega.
A questão é se, na prática, há governança e
instrumentos adequados para o governo identificar corretamente o setor a ser
contemplado, e desenhar e implementar boas políticas. Isso inclui suspender a
PI que fracassou ou não fez bom uso do recurso público.
Apesar da maior quantidade de iniciativas em países desenvolvidos, isso não significa que lá são mais utilizadas – elas tampouco escapam de questionamentos de sua efetividade. O correto é considerar os recursos dispendidos como proporção do PIB dos países (um retrato ainda parcial pela dificuldade de incluir as proteções regulatórias).
No Brasil, há razões para acreditar que a
utilização de PI é elevada na comparação mundial. Os gastos (ou benefícios)
tributários estão em 4,3% do PIB e a concessão do chamado crédito direcionado
para empresas (BNDES, crédito rural e financiamento imobiliário) atingiu 2,1%
do PIB em 12 meses até novembro.
Além disso, o país é uma das economias mais
fechadas do mundo, por conta das muitas barreiras ao comércio exterior.
A título de comparação, uma pesquisa da OCDE
com nove países ricos aponta um gasto médio de 2,1% do PIB em PI em 2021. Nos
EUA, a estimativa é de 2,4% do PIB anual entre 1970-2020, de acordo com o
Peterson Institute (PIIE).
Antes de avançar com novas PIs, é necessário
avaliar as atuais – poderia haver a seguinte regra: para cada nova política
proposta, outra ineficiente precisa ser eliminada.
Cabe indagar se o setor se tornou
competitivo, conseguindo concorrer internacionalmente ou com os importados
(nossa indústria automobilística não passaria no teste); se foi possível
preservar empregos a um custo adequado (a Zona Franca de Manaus não passaria no
teste); e se novas tecnologias relevantes foram desenvolvidas (a Lei do Bem tem
funcionado?).
Há (poucos) exemplos de sucesso e são
justamente aqueles que incluíram a formação de capital humano nos setores
beneficiados. É o caso do ITA/Embraer e da Embrapa. Esse tema, porém, é
praticamente ausente na proposta atual de PI do governo, a Nova Indústria
Brasil (NIB).
Recentemente, tem crescido a utilização de
PI. Os novos focos são a transição para a economia de baixo-carbono e a
mitigação dos efeitos das mudanças climáticas; e a resiliência das cadeias de
suprimento (para fazer frente a choques, como guerras, eventos climáticos e
pandemia).
Todos esses temas, os antigos e os novos,
foram incluídos nas 6 “missões” da NIB, inclusive a defesa nacional.
A falta de priorização, por si só, é um
problema. Fere-se as recomendações de a PI ter foco preciso, com metas bem
definidas (as divulgadas são muito genéricas), e dar preferência a iniciativas
de menor escala.
O amplo escopo será fonte de dificuldades na
implementação. Para cada objetivo, deveria haver um instrumento que não
atrapalhe os demais, o que não é o caso. Por exemplo, as regras de conteúdo
nacional deverão encarecer ou até comprometer a modernização da agricultura
familiar e a transformação digital das empresas.
Além disso, pulverizar recursos em várias
frentes poderá acarretar na baixa efetividade das políticas e, assim, no
desperdício de recursos.
Outra recomendação é evitar setores com
concorrência internacional elevada e mais madura, como o de semicondutores, que
foi incluído na NIB. Melhor caminho seria se concentrar nas potencialidades não
exploradas no país, como a bioeconomia.
Mesmo os entusiastas da PI alertam para a
necessidade de distingui-la da concessão de benesses a grupos organizados (rent
seeking). No Brasil, país marcado pelo patrimonialismo, tudo se mistura. Pior,
são medidas dispendiosas que, muitas vezes, elevam o custo-Brasil, por produzir
mais complexidade em regulações, regras de comércio exterior e regras
tributárias.
A falta de governança é uma peça central
desse quadro, o que enfraquece a ação estatal. Com estado fraco, mas com muita
inserção no setor privado, a PI muitas vezes abre as portas para o rent
seeking. Recursos públicos sendo drenados para beneficiar acionistas de
empresas.
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