Valor Econômico
A diretora-geral da OMC começa nesta
quinta-feira uma visita à América do Sul, mas só sobrevoa o Brasil
A diretora-geral da Organização Mundial do
Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, começa nesta quinta-feira uma visita por
três países da América do Sul. A viagem coincide com a divulgação de uma
entrevista de Donald Trump mostrando uma visão ainda mais agressiva também na
política comercial se voltar à Casa Branca na eleição de novembro.
Ngozi começa a visita no Chile para
participar em Santiago de uma reunião do conselho de chefes de agências das
Nações Unidas. Depois ela encontrará autoridades chilenas. Em seguida, irá ao
Peru e ao Uruguai para responder a convites desses países.
A diretora da OMC apenas sobrevoará o Brasil. Sua assessoria lembra que ela visitou o país em abril de 2022, quando se encontrou com Jair Bolsonaro, e prevê retornar este ano para participar de reuniões de ministros de comércio e de líderes do G20.
Ngozi certamente terá tido tempo no avião
para ler a longa entrevista de Donald Trump à revista Time, na qual ele
descreve sem nuances um plano de mandato autoritário desde o primeiro dia.
Na área comercial, o que o milionário do imobiliário pretende fazer é uma guerra comercial não apenas contra a China, mas contra boa parte do resto do mundo.
Indagado sobre um plano atribuido a ele de
impor uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações e uma tarifa de
mais de 60% sobre as importações chinesas, Trump responde: ‘Pode ser mais do
que isso’, alegando que os outros países roubam ‘nossa riqueza’.
O reporter da Time lembra a Trump que a
maioria dos economistas diz que altas tarifas de importação aumentam os preços
internos, e pergunta se ele se sente confortável com inflação adicional nos
EUA.
Sua resposta é simplória, ainda mais para
quem já governou a nação mais poderosa do planeta. Ele diz 'não acreditar' que
sua ação resultará em inflação, e sim que vai proteger a indústria americana.
E se queixa da China, com enorme superavit
comercial com os EUA, como também aponta dificuldades com outros países na área
comercial, incluindo o Brasil.
‘Eu me dou muito bem com Modi (chefe do
governo indiano), mas é muito difícil lidar com a Índia em termos comerciais’,
disse. ‘A França é francamente muito difícil no comércio. O Brasil é muito
difícil no comércio. O que eles fazem é cobrar muito caro para entrar no país.
Eles dizem: "Não queremos que você envie carros para o Brasil ou não
queremos que você envie carros para a China ou para a Índia. Mas se você quiser
construir uma fábrica em nosso país e empregar nosso pessoal, tudo bem. E é
basicamente isso que estou fazendo’.
Trump não acredita que as empresas repassam o
custo da tarifa mais elevada? Sua resposta: ‘Não, acho que o que acontece é
que, em vez de trazer seu produto da China, por causa desse custo adicional,
você acaba fabricando o produto nos Estados Unidos. Tradicionalmente, é isso
que acontece’.
Trump é lembrado então que sua guerra
comercial com a China, em seu mandato na Casa Branca, quando aumentou tarifas
em 50% contra o aço chinês, por exemplo, custou à economia dos EUA nada menos
de US$ 316 bilhões e 300 mil empregos perdidos, conforme uma estimativa de
Bloomberg Economics. Para o candidato republicano, porém, quem fez esse cálculo
não sabe do que está falando. Diz que, se não tivesse elevado as barreiras
contra os chineses, ‘não teríamos nenhuma indústria siderúrgica agora. Eles
estavam praticando dumping de aço em todo o país'.
O ex-presidente relata uma conversa com
executivos da Harley Davidson, quando estava na Casa Branca: ''Eu perguntei:
"Só por curiosidade, como vocês lidam com a Índia?" "Não muito
bem." Lembrem-se de que isso foi há cinco anos, quatro anos atrás, eles
disseram: "Nada bem.Não podemos fazer negócios com a Índia, porque eles
nos cobraram uma tarifa muito alta, de mais de 100%". E a esse preço, você
sabe, há um ponto em que o consumidor quebra e não consegue comprar. Eles disseram:
"Mas eles farão de tudo para construirmos uma fábrica da Harley Davidson
na Índia. Eles não querem que forneçamos motocicletas para a Índia, mas querem
que construamos uma fábrica". Eu disse: "Bem, não vou ficar muito
feliz com isso".
Trump acha que o que está acontecendo hoje é
que a China agora está construindo fábricas no México para produzir carros para
vender nos Estados Unidos ‘e isso não vai acontecer quando eu for presidente,
porque vou impor 100% de tarifas sobre elas. Porque não vou permitir que eles
roubem o resto de nossos produtos. Sabe, o México ficou com 31% da nossa
fabricação de automóveis. E a China ficou com uma parte muito maior do que
isso’.
O reporter da Time pede para Trump esclarecer
se ele está considerando uma tarifa de 100% sobre as importações chinesas e
mexicanas. Sua resposta: ‘Eu não disse isso. Eles nos cobram 100%. A Índia nos
cobra mais do que isso. O Brasil nos cobra o que - o Brasil é um país com
tarifas muito grandes, muito grandes. Pergunto às pessoas: "Com quem é
pior lidar? Não vou dar essa resposta porque não quero insultar os países, já
que me dou bem com eles. Mas você ficaria surpreso. A União Europeia é muito dura
conosco’.
Aparentemente, ele tem simpatia por
reciprocidade tarifária. Uma ideia que já foi discutida no passado em
Washington era de, se um país aplicasse tarifa de 100% sobre produtos
americanos, em contrapartida sofreria alíquota parecida por parte dos EUA.
O que Trump avisa na entrevista à Time é de
fato é que, se eleito, vai deflagrar uma nova onda de guerra comercial. Na
prática, vai desmontar o sistema de regras, e portanto a OMC, numa dimensão bem
pior do que se imaginava.
A agressividade de Trump atravessa todos os
temas. Ele ameaça com deportações em massa de migrantes por militares dos EUA e
campos de detenção para quem recusar partir. Também menciona monitoramento da
gravidez para impor proibições ao aborto.
O republicano menciona repressão ao
"inimigo interno" se ele voltar à Casa Branca, e tampouco descarta
violência política se não for eleito.
"Acho que o inimigo interno, em muitos
casos, é muito mais perigoso para o nosso país do que os inimigos externos da
China, Rússia e vários outros", disse Trump na entrevista, ao ser indagado
se estaria disposto a suspender partes da Constituição dos EUA para lidar com
os oponentes.
O candidato do Partido Republicano acena com
chantagem financeira em relação aos europeus, que deverão pagar mais por
assistência militar americana. Sobre ajuda à Ucrania, diz que, ‘se a Europa não
paga, porque deveríamos pagar? Ela (Europa) é muito mais atingida. Temos um
oceano entre nós e a Rússia. Eles não’.
Trump avisa sobre o sismo que quer provocar. Mas, no momento, ele está com agenda num tribunal em Nova York, acusado de ter falsificado documentos contábeis para impedir a revelação de uma ligação dele com uma atriz pornô antes da eleição de 2016.
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