quinta-feira, 2 de maio de 2024

Maria Cristina Fernandes - A sombra para Lula veio do capital

Valor Econômico

No 1º de Maio, a sombra para Lula foi proporcionada pelo capital

O 1º de Maio esvaziado de ontem em Itaquera, zona leste de São Paulo, clareia a correlação de forças da hora. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não levou apenas oito ministros, além do vice, Geraldo Alckmin, de boné da CUT. Levou também a situação mais robusta para o trabalho e a renda dos últimos 10 anos, uma inflação cadente, além da retomada de programas sociais com alguns deles, como o Bolsa Família, atingindo recorde de beneficiários.

No palanque, Lula disse que já esperava o público reduzido porque o ato foi “mal convocado”. Como a convocação foi das centrais sindicais, incapazes de mobilizar até mesmo o conjunto de seus diretores, encontrou um culpado. Não foi o único. A explicação de que o escaldante estacionamento do estádio do Corinthians foi escolha equivocada e a alegação de que faltaram sorteios só deixam o governo e suas bases mais desarmados numa conjuntura em que o público parece reagir mais à perda de conquistas do que à sua aquisição.

E esta é a armadilha que a ausência de mobilização dos beneficiários cria. Começa a se encorpar, no mercado, a visão de que o ato de maior alcance social deste governo, a política de valorização do salário mínimo, asfixiará as contas públicas porque pressiona a Previdência e o BPC. Com isso, cresce a pressão por nova reforma da Previdência, como já reconhece a Fazenda, que imporá perdas à sucessão de ganhos da base da pirâmide. E aí, quem sabe, haja alguma reação - contra o governo.

Reconheça-se que se a situação fiscal estivesse tão crítica quanto se pinta, a Moody’s não teria elevado a nota do Brasil ontem, mas há um limite para uma equação montada no crescimento da renda. Sem investimentos públicos ou privados, o PIB vai crescer além do que se imaginava mas ainda longe da média dos dois primeiros mandatos de Lula. O dinheiro daqui e de fora, explicam seus donos, só vai vir quando se souber quanto se vai pagar de imposto. Daí o desespero pela reforma tributária que tem levado o ministro Fernando Haddad e o presidente a se alternarem nos mais generosos elogios ao Congresso. Com o sol de duas da tarde na moleira, Lula chegou a dizer que todos os projetos têm sido aprovados “de acordo com os interesses do governo”.

Como costuma acontecer, este recuo veio depois da corda esticada pela ação direta de inconstitucionalidade da AGU contra a extensão da desoneração. O pedido de vista, depois de cinco votos favoráveis, no STF, abriu uma brecha para o que parece ser um recuo. Depois de Haddad falar em negociação, Lula traçou um caminho do meio ao dizer que inaceitável não é a desoneração mas a ausência de compromisso das empresas beneficiadas com o emprego.

Os interlocutores do empresariado e do mercado a quem o governo costuma recorrer quando a corda com o Congresso estica demais deram as caras. Daí vieram a aprovação de limites ao programa de incentivos ao setor de eventos e a retirada de pauta da PEC dos quinquênios no Senado.

A novela em torno desta proposta demonstra como tudo fica mais difícil quando os personagens-chave margeiam a política. Como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem dois objetos de desejo, fazer um sucessor e eleger-se ao Senado, há uma base sobre a qual se pode negociar. Com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é diferente.

De tão destemido pela PEC, que era limitada a magistrados e procuradores quando apresentou e hoje virou uma arca de Noé, desperta em seus pares a expectativa de que esteja a urdir um plano B fora da política.

Pacheco foi eleito ao Senado em 2018, pelo DEM, na esteira do bolsonarismo. Segunda escolha da maioria dos mineiros, acabou sendo beneficiado pela campanha do voto útil contra a ex-presidente Dilma Rousseff, sua adversária na disputa, e terminou como o mais votado ao Senado. Assumiu o mandato como aliado do ex-presidente a ponto de ter sido incluído na sua comitiva à China. Com dois anos de mandato, teve o apoio de Jair Bolsonaro para chegar à presidência da mesa diretora.

Com a derrota de Bolsonaro e o acirramento do conflito com o STF, Pacheco passou a ser cobrado por seu eleitor a enfrentar a Corte. Aprovou a PEC das monocráticas, que Lira congelou em seguida, e parou por aí. Na ADI da desoneração, chegou a dizer que o problema era o Executivo e não o STF, que já deu cinco votos a favor.

Ao abraçar uma PEC que dá aumentos de 5% a cada cinco anos a categorias que já são tão aquinhoadas, corrói a base de que precisa para o governo de Minas. O apoio de Lula pode não bastar para bater o candidato do governador Romeu Zema. Considerado uma reprise do ex-governador Antonio Anastasia, o vice, Mateus Simões, “professor Mateus”, é considerado favorito na disputa.

Ante uma eventual derrota, Pacheco estaria em condições de retomar seu bem-sucedido escritório de advocacia. O legado de sua passagem pelo Legislativo é amigável ao Judiciário. O senador pretende recolocar a PEC na pauta na próxima semana, mas a repercussão negativa da proposta na nata do PIB nacional sugere uma zanga a ser evitada.

Entre a pressão dos capitães do PIB nacional e a lassidão do movimento sindical, incapaz de encher o estacionamento de um estádio de futebol, foi o capital que, na semana do trabalhador, trouxe mais sombra ao governo. Se continuar assim, vem mais uma reforma da Previdência a galope.

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