Nova lei abre oportunidade para Argentina
O Globo
Se aprovado pelo Senado, texto que passou
pela Câmara permitirá ao governo corrigir desequilíbrio crônico
Pouco depois de assumir a Presidência
da Argentina,
em dezembro do ano passado, Javier Milei enviou ao Congresso um projeto de 664
artigos e 351 páginas com um nome pomposo: Lei de Bases e Pontos de Partida
para a Liberdade dos Argentinos. Chegou à Câmara sem consulta prévia até à
diminuta base governista. No conjunto, dava ao presidente amplos poderes para
reformar o Estado e a economia e, pelo tamanho e abrangência, foi apelidada
“Lei Ônibus”.
Derrotado na primeira votação em fevereiro, Milei chamou seus opositores de traidores e negou disposição de negociar. Dava todos os sinais de estar pronto para um confronto. Felizmente, recobrou a razão e passou dois meses discutindo item a item com deputados e governadores das províncias, que controlam as bancadas locais.
Nesta semana, os deputados
aprovaram uma versão do projeto original menos ambiciosa, mesmo
assim transformadora, que agora segue para o Senado. Se referendada pelos
senadores, abrirá uma oportunidade para a Argentina corrigir seu desequilíbrio
crônico. A lei criará uma emergência nacional em quatro áreas estratégicas
(administração, economia, finanças e energia), conferindo ao Executivo poderes
excepcionais pelo período de um ano (algo similar ocorreu no governo de Carlos
Menem, com o Plano Cavallo). Autorizará privatizações e a entrada de capital
privado em empresas mistas, permitirá a remoção de obstáculos regulatórios que
emperram a economia, promoverá uma reforma trabalhista e mudará as
aposentadorias.
Exaustos com a inépcia de sucessivos
governos, os argentinos elegeram o ultraliberal Milei com a esperança de
debelar a crise endêmica. Ele acertou no diagnóstico de que as despesas do
Estado precisam estar em linha com a capacidade dos cidadãos de pagar impostos.
Por muito tempo os argentinos viveram acima de suas possibilidades, acumulando
dívida, calotes e recessões.
Mesmo antes da votação na Câmara, o governo
tinha motivos para comemorar. Do pico de 26% em dezembro, a inflação caiu
para 11% em março. O peso estabilizou-se no mercado informal. No primeiro
trimestre, as contas públicas fecharam com superávit de US$ 315,4 milhões, o
primeiro desde 2008. Desde a posse, os títulos argentinos denominados em dólar
quase dobraram.
A vitória desta semana reduz as dúvidas sobre
a capacidade de Milei governar. A principal incerteza agora é o nível de
tolerância da população ao ajuste necessário que ele pretende implantar. A
economia encolheu 3,6% no primeiro bimestre em comparação ao mesmo período de
2023. O consumo caiu 10% entre janeiro e março. A previsão é cair 6% em 2024.
Noutro sinal de aperto, os argentinos de classe média têm vendido dólares para
pagar planos de saúde.
A aprovação de Milei segue alta, em torno de
48%. Mesmo entre aqueles que dizem se esforçar todo mês para pagar as contas,
ele reúne 30% de apoio. Ao que parece, boa parte dos argentinos está ciente de
que uma correção de rumo econômico era absolutamente necessária e não seria
indolor. Uma vez confirmada a nova lei no Senado, o governo precisará ter
competência e senso de urgência para transformar seus planos em realidade. A
tragédia vivida hoje é decorrência dos devaneios de governantes do passado. Milei
tem pouco tempo para promover a guinada na economia, ou sua popularidade
sofrerá as consequências.
Avanço da desertificação requer plano
nacional com apoio federal
O Globo
Estudo verificou que Semiárido corresponde a
quase 16% do território brasileiro — e não para de crescer
Como resultado das mudanças climáticas, o
Brasil enfrenta o crescimento preocupante do Semiárido, região nordestina onde
não chove de cinco a seis meses do ano. Um novo estudo constatou
que, entre 1990 e 2022, 55% do Agreste nordestino passou para o Semiárido, cujo
avanço se estendeu a Minas Gerais e
ao Espírito
Santo, no Sudeste. Outra conclusão: 8% das terras do Semiárido se
tornaram áridas, com dez meses de seca no ano.
O Semiárido, concluiu a pesquisa do
meteorologista Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, já
corresponde a 15,7% do território nacional, onde vivem 31 milhões. Antes, ele
se distribuía por 725 mil km2, hoje toma 1,3 milhão de km2 — e não para de
crescer. Em 2017, apenas dois municípios do Maranhão estavam incluídos no
Semiárido. Quatro anos depois, já eram 16. Nesse período, o Semiárido passou a
alcançar 11 estados e a abranger 215 novos municípios, seis no Espírito Santo.
O estudo de Barbosa identifica novas áreas que podem ser classificadas como
áridas em Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí, com
extensão de 282 mil km2.
Cientistas continuam a mapear o avanço do
clima seco. Em janeiro, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) constataram a existência de uma área desertificada de 5,7
mil km2 entre Bahia e Pernambuco e de outra de extensão equivalente no Piauí.
Em Minas, o estudo de Barbosa identificou um aumento de 138% em cinco anos das
áreas desérticas, que vêm crescendo em direção ao Sul.
A ameaça a atividades agrícolas é óbvia, além
das implicações negativas para o abastecimento de água das cidades. Por isso é
urgente a atuação coordenada do governo federal com os estados e municípios
atingidos para atenuar os efeitos da desertificação. O Nordeste já produz 83%
da energia de fontes limpas no Brasil, de origem eólica e solar. É preciso
identificar e explorar outras vocações da região, para mitigar os efeitos
econômicos e demográficos das secas. Além, obviamente, de dedicar projetos a
conter o avanço do Semiárido.
Auditorias dos Tribunais de Contas de Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco e Sergipe identificaram falta de recursos
para combater a desertificação. Em 40% dos municípios atingidos, nem sequer há
secretaria do meio ambiente. De acordo com a Sudene, os 1.477 municípios do
Semiárido receberão neste ano R$ 17,6 bilhões do Fundo Constitucional de
Financiamento do Nordeste, mais R$ 1,2 bilhão do fundo de desenvolvimento da
região. As cifras podem parecer generosas, mas tudo depende de como o dinheiro
será gasto. Enquanto isso, o nordestino continua a migrar. Dados do último
Censo revelaram que 90% dos municípios com o maior número de residências
permanentemente fechadas ficam no Semiárido. Realidade que tende a piorar se as
autoridades continuarem omissas.
Os descasos do poder público com a dengue
Folha de S. Paulo
Possibilidade de perda de vacinas por
vencimento é mais um aspecto falho dos governos na condução do combate à
epidemia
Nas últimas semanas, vários estados do país
tiveram de correr para usar as vacinas contra a dengue que
venceram na terça-feira (30). Ainda não foi divulgado balanço pelo Ministério da
Saúde, mas, no dia 15 de abril, das 668 mil doses que perderiam a
validade, cerca de 145 mil não haviam sido aplicadas.
Até 19 de março, só 14,5% do público-alvo
(pessoas de 10 a 14 anos) e apenas 0,2% da população brasileira estava
imunizada.
A movimentação de última hora das secretarias
de Saúde e
a possibilidade de desperdício de dinheiro público constituem mais um exemplo
de atuação precária das autoridades, em todas as esferas de governo, nesta
epidemia.
O problema teve início ainda no ano passado,
quando governo federal, estados e municípios não se prepararam adequadamente
para a crise, projetada em dois alertas
globais divulgados pela OMS, em janeiro e em julho de 2023.
Como a dengue impacta o sistema ambulatorial,
o poder público deveria ter alocado recursos para infraestrutura material e de
pessoal nesse setor. O risco de a dengue levar à morte é baixo. Ele aumenta
quando o atendimento é precário, com superlotação e falta de prioridade com
casos mais graves.
Tal cenário se verifica em várias cidades.
Em São Paulo,
por exemplo, a Folha constatou aglomeração e
longas filas de espera em tendas de atendimento aos pacientes.
Sul e Sudeste deveriam ter recebido atenção
especial. Seus habitantes são mais vulneráveis pois tiveram menos contato com
os sorotipos do vírus, já que o clima é mais ameno, mas mudança
climática e El Niño elevaram temperaturas e índices de chuvas
nessas regiões.
Ademais, como o imunizante japonês Qdenga
requer aplicação de duas doses em intervalo de três meses, o Ministério da
Saúde tinha o dever de agilizar a burocracia para autorizar sua aplicação pelo
SUS.
A vacina recebeu aval para venda pela Anvisa em março de 2023, mas a permissão
para distribuição gratuita só veio em dezembro.
Esse conjunto de inações pode ter contribuído
para que o Brasil quebrasse um recorde nefasto, com 1.116 mortes causadas pela
doença entre 1º de janeiro e 8 de abril, ante 1.094 em todo o ano passado.
Trata-se do maior
indicador já registrado desde o início da série histórica, iniciada em 2000.
Na quarta (1º), a pasta da Saúde informou que
21 estados e o Distrito Federal apresentam queda ou estabilidade na incidência
de dengue.
O aquecimento global e outros fatores que
contribuem para os surtos da moléstia, como o vexatório saneamento básico
do país, ainda estarão presentes em 2025. Espera-se que, com este trágico
verão, os governos se preparem com mais responsabilidade para o próximo.
Emprego positivo
Folha de S. Paulo
Números mostram que mercado de trabalho,
inclusive formal, seguiu forte em março
Os dados do mercado de trabalho relativos
a março deixam claro que persiste a tendência de boa geração de emprego e renda na economia brasileira.
É indicativo de que não há necessidade de estímulos por parte do governo, que a
esta altura seriam contraproducentes por ampliarem o risco de inflação.
A pesquisa do IBGE mostrou nova queda do
desemprego em um ano, para 7,9% no primeiro trimestre. Mais
importante, a desocupação, ajustada para excluir fatores sazonais, ficou em
7,3% em março, 0,3 ponto percentual a menos que no mês anterior e o menor
patamar desde o final de 2014.
Tal avanço não se resume a vagas informais.
Foi aberto 1,3 milhão de postos com carteira assinada nos últimos 12 meses,
segundo o IBGE. De outra pesquisa, o Caged, com dados coletados pelo Ministério
do Trabalho, constam 244 mil novos empregos nessa categoria em março, 719 mil
no primeiro trimestre e 1,647 milhão em um ano.
A renda
habitual do trabalho continua a subir. Em 12 meses, o IBGE
mostra alta de 4%, já descontada a inflação. Com a multiplicação pelos postos
abertos, chega-se à medida mais ampla, a massa salarial, que aumentou em 6,6%.
Não surpreende, assim, que a expansão da
economia continue a surpreender positivamente, com bom desempenho no comércio e
nos serviços, padrão que vem sendo mantido desde 2021.
O PIB superou
expectativas, tendo crescido acima de 3% anuais em 2022 e 2023. As projeções
para este ano vêm sendo revisadas para cima e já superam 2%.
Para todos os efeitos, o nível de utilização
da mão de obra e de geração de renda se aproxima dos melhores momentos que
antecederam a grande recessão de 2014-16.
O que intriga especialistas é que o dinamismo
não tem gerado até o momento um grande impacto na inflação, que continua, ainda
que lentamente, a cair —e se aproximar da meta de 3% no ano.
Está em debate, ainda sem conclusão, se fatores como a maior flexibilidade do mercado de trabalho após a reforma da CLT já podem ser parte da explicação. Em qualquer hipótese, a diretriz se mostra correta a longo prazo.
Um reticente voto de confiança
O Estado de S. Paulo
Moody’s melhora perspectiva da nota de
crédito do País, mas destaca dependência de receitas e baixa capacidade do
governo para cortar gastos como risco à retomada do grau de investimento
A agência de classificação de risco Moody’s
revisou a perspectiva da nota de crédito do País de estável para positiva. A
classificação dos títulos da dívida brasileira foi mantida em um patamar dois
degraus abaixo do grau de investimento, mas a alteração da perspectiva, que não
ocorria desde 2018, sinaliza que a nota poderá ser elevada no médio prazo.
A Moody’s disse que as perspectivas de
crescimento da economia estão mais robustas que nos anos pré-pandemia. A
agência destacou as reformas estruturais aprovadas em múltiplas administrações
nos últimos anos e um progresso contínuo, embora gradual, rumo à consolidação
fiscal e à estabilização da dívida do País.
O Ministério da Fazenda, por óbvio, comemorou
e afirmou que a mudança da perspectiva do rating pela agência é um
reconhecimento do papel do arcabouço fiscal. Mas o relatório da Moody’s não
deixou de mencionar os riscos associados à redução dos déficits fiscais, como a
dependência de receitas e a baixa capacidade do governo para cortar gastos.
Para a equipe econômica, a notícia não
poderia ter sido anunciada em momento melhor. De certa forma, a decisão da
Moody’s chancela o esforço de Haddad, criticado por rever as metas fiscais de
2025 e 2026 e no meio de um embate com o Congresso em torno da desoneração da
folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios.
O comunicado, no entanto, é realista ao
analisar os fatores que podem melhorar ou piorar a nota brasileira. O aumento
da credibilidade da política fiscal, segundo a Moody’s, depende de melhorias
constantes no resultado primário e de um crescimento econômico mais sólido. A
manutenção ou elevação dos déficits, por outro lado, pode enfraquecer a
confiança dos investidores, conter o crescimento econômico e aumentar o custo
do crédito do governo.
Por coincidência de datas, o Tesouro Nacional
havia acabado de divulgar que as contas do governo central encerraram o mês de
março com déficit de R$ 1,5 bilhão. No trimestre, o saldo ainda é positivo em
R$ 19,431 bilhões. No acumulado de 12 meses até março, no entanto, o déficit
atingiu R$ 247,7 bilhões, o equivalente a 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB),
ainda muito distante da meta de déficit zero.
A arrecadação subiu 8,9% no trimestre em
termos reais, mas as despesas aumentaram 12,3% ante os três primeiros meses do
ano passado. É verdade que o comportamento dos gastos foi influenciado pela
antecipação do pagamento de R$ 30 bilhões em precatórios, mas parte das
receitas que mais influenciaram o resultado fiscal também teve caráter pontual.
A tributação dos fundos exclusivos rendeu R$ 12 bilhões, mas o resultado se
deve à taxação dos estoques e tende a ser bem menor a partir de agora. Já a
arrecadação com o Imposto de Renda, ao contrário do que se esperava, começou a
desacelerar.
Enquanto isso, despesas obrigatórias com
aposentadorias e pensões aumentaram 5,3% no primeiro trimestre, ou R$ 10,7
bilhões; dispêndios com benefícios de prestação continuada subiram 17,2%, ou R$
3,8 bilhões; e gastos discricionários, nos quais a margem de manobra do governo
é um pouco maior, mas também limitada, aumentaram 21,7%, ou R$ 5,4 bilhões.
É por isso que o secretário do Tesouro
Nacional, Rogério Ceron, foi comedido ao comentar o resultado. A meta é
factível, segundo ele, mas o País “não tem margem para queimar”. Já o diretor
de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto
Ramos, afirmou que os economistas estão certos ao duvidar do arcabouço fiscal,
pois o País terá “déficits primários a perder de vista”. “Quem controla o gasto
é o governo e, se não tem receita, tem de ajustar o gasto.”
Pode até parecer que o mercado está bem mais
pessimista do que a Moody’s, mas o motivo do ceticismo dos analistas – o gasto
– é fundamentalmente o mesmo que a agência menciona como um fator de risco em
seu relatório, ainda que de maneira mais polida. É urgente, portanto, que o
governo se empenhe nesse objetivo, pois disso dependem a credibilidade da
política fiscal e a recuperação do grau de investimento.
O extremismo universitário mostra sua face
O Estado de S. Paulo
Nos EUA, ativistas que sempre reprimiram a
liberdade de expressão dos outros agora se dizem reprimidos. Mas nem as
universidades nem a Constituição admitem a violência como expressão
Por décadas uma crise nas universidades,
especialmente nas norte-americanas, estava sendo fabricada. A academia deve ser
o espaço por excelência do pluralismo ideológico e do livre debate. Mas, ao
contrário, elas são hoje os espaços mais dogmáticos e intolerantes na
sociedade. Foi necessário que a guerra no Oriente Médio despertasse humores
antissemitas para que se produzisse uma reação química que mandou a tampa da
caixa de Pandora pelos ares.
Há meses os estudantes pró-Hamas mobilizam
protestos agressivos nos campi americanos. A Primeira Emenda da Constituição
estabelece uma liberdade de expressão quase absoluta. Exceto em casos
excepcionais, como a incitação direta à violência, mesmo manifestações
neonazistas são toleradas. Instituições privadas, como as universidades, podem
ter seus próprios códigos de conduta. E esses códigos se tornaram não só mais
restritivos, como, por pressão dos contingentes progressistas
ultramajoritários, mais sectários.
Na década de 90, segundo um levantamento da
Universidade de Leiden, os quadros docentes nos EUA se autodeclaravam 40%
progressistas, 40% moderados e 20% conservadores. Desde então, não houve
grandes variações nas preferências partidárias da população, mas nos campi os
progressistas cresceram para 60%, e os moderados e conservadores diminuíram
para 30% e 10%, respectivamente. Nas universidades de elite a desproporção é
maior. Em Harvard, por exemplo, 75% se dizem progressistas e só 3%
conservadores. Nos departamentos de humanas, a assimetria é maior.
Segundo a Fundação para os Direitos
Individuais e Expressão (Fire, na sigla em inglês), as universidades de elite
estão entre as mais intolerantes. Mais da metade dos estudantes das cinco
universidades da Ivy League acredita que às vezes é aceitável impedir seus
pares de participar de uma palestra controversa. Só 70% concordam que “nunca é
aceitável” usar violência para impedir alguém de falar.
Códigos que punem “microagressões” e
“discursos de ódio” são empregados há anos por ativistas para filtrar admissões
de alunos e professores e conformá-los à ortodoxia progressista. Agora que
estão violando não só esses códigos, mas os limites constitucionais à liberdade
de expressão, esses ativistas se dizem perseguidos e tolhidos em suas
liberdades. Mas ninguém é livre para ameaçar, intimidar e tolher a liberdade
dos outros.
Pelas regras da Universidade Columbia, por
exemplo, “todo membro da comunidade (...) tem o direito de organizar protestos,
piquetes, circular petições e divulgar ideias”, mesmo que “sejam consideradas
ofensivas, imorais, desrespeitosas ou até perigosas”. Mas o Código diz que
essas regras são violadas quando uma pessoa “se engaja em uma conduta que põe
outra em perigo físico” ou “usa palavras que ameaçam dano físico em uma
situação em que há um risco claro e imediato deste dano”.
Em campi como o de Columbia, judeus não só
são intimidados com cantos que pregam o extermínio dos judeus de Israel, como
são impedidos de acessar e circular em certos espaços. Os manifestantes
perturbam aulas e impedem o acesso a alguns prédios. E não estão apenas se
manifestando, mas exigindo que as universidades rejeitem doações de empresas e
cidadãos israelenses; encerrem parcerias acadêmicas com instituições
israelenses; e condenem as ações de Israel na guerra.
A direção de Columbia, por exemplo, ofereceu
revisar suas práticas de investimentos e parcerias e discutir a liberdade
acadêmica. Mas, assim como o Hamas, os militantes não aceitam soluções de
compromisso. A polícia foi chamada para dispersar os acampamentos que impedem o
curso das aulas, a livre circulação no câmpus e o sossego dos judeus. Mas os
ativistas que outrora diziam que palavras são violência, agora dizem que
violência é “expressão”.
Tudo indica que o sectarismo universitário
chegou a um ponto de inflexão. Mesmo parlamentares democratas estão criticando
os protestos e exigindo dos reitores que restabeleçam a ordem. Mas esse é, na
melhor das hipóteses, só o primeiro passo de uma longa reforma há muito
necessária para despartidarizar as universidades.
Argumentos mirabolantes
O Estado de S. Paulo
Governador desafia inteligência alheia para
tentar aliviar a dívida do Rio com a União
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio
Castro, quer escapar do pagamento da dívida do Estado com a União, que passa
dos R$ 190 bilhões. Para isso, adotou a estratégia de ofender a inteligência
alheia.
Para começar, Castro alega que a União não é
banco e, por isso, não poderia cobrar juros sobre o dinheiro emprestado. No
máximo, poderia atualizar os valores pela inflação. Ou seja, o governador do
Rio quer caracterizar a dívida que o Estado tem com a União como um negócio de
pai para filho, em que o pai (no caso, a União), que paga juros de mercado para
tomar dinheiro, não cobra juros sobre o empréstimo que fez ao filho.
Na mesma linha, o sr. Castro quer jogar no
colo da União a responsabilidade por ter fornecido crédito ao Rio para
financiar as obras relativas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016. Ao
recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), o governo do Rio alega que a União
sabia que o Estado não tinha condições de honrar o compromisso, uma vez que a
classificação das contas estaduais na ocasião eram as piores possíveis. Se o
fez, é porque o governo federal tinha interesse nas obras; logo, o ônus deveria
ser repartido entre Estado e União.
De fato, o governo federal, à época
entusiasmado com a realização da Copa e da Olimpíada no Brasil, moveu mundos e
fundos (sobretudo fundos) para bancar o delírio lulopetista segundo o qual os
dois eventos mostrariam que “o Brasil saiu do patamar de segunda classe e
entrou no patamar de primeira classe”, como salientou em 2009 o então
presidente Lula da Silva. Mas isso não anula o fato de que o Rio participou
alegremente do delírio e deve pagar a conta.
Como um dos Estados mais endividados da
Federação, o Rio de Janeiro aderiu em 2017 ao Regime de Recuperação Fiscal
(RRF) pactuando regras, juros e prazos de pagamento. No ano passado, o governo
federal já aceitou revisar o acordo, a pedido de Castro, devido à alteração na
alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações.
A forma despudorada com a qual o governador,
ao final das contas, pleiteia o perdão da dívida parece ser uma estratégia para
ganhar tempo e obter salvo-conduto para novas despesas. De acordo com o
acompanhamento do Tesouro Nacional, de 2021 – ano em que Castro assumiu o
governo após o impeachment de Wilson Witzel – a 2023, o Rio registrou alta na
folha de pessoal superior a 30%, mesmo submetido a um regime que restringe
duramente esse tipo de gasto.
Não à toa o secretário do Tesouro, Rogério
Ceron, se diz preocupado com a ação do Rio no STF, sobretudo pelo precedente
que pode abrir para novos questionamentos de entes subnacionais. Afinal, a fila
de endividados, tanto Estados como municípios, é grande, e o estratagema embute
a ideia de suspender os pagamentos enquanto durar a negociação. Ora, não é
difícil imaginar a quem interessa estender ao máximo as conversas.
De qualquer forma, parece óbvio que não é o serviço da dívida o centro dos problemas fiscais do Rio. O problema é o espírito perdulário.
Política do Fed constrange a dos demais
bancos centrais
Valor Econômico
Valorização do dólar pressiona preços
domésticos e inflação cai menos do que deveria com o aperto da política
monetária
A decisão do Federal Reserve (Fed, o banco
central americano) de adiar pela sexta reunião consecutiva o início do ciclo de
redução dos juros, que não tem data para começar, impulsiona a valorização do
dólar e tende a ampliar a pressão sobre os preços do resto do mundo, obrigando
os demais países também a serem conservadores nas próprias políticas
monetárias. Na versão otimista, anterior ao avanço da inflação nos EUA, uma
onda deflacionária proveniente da China ajudaria a conter os preços globais e
impulsionar a acomodação monetária. O quadro mais provável agora é que os
Estados Unidos exportem pressões de aumentos de preços, enrijecendo as
políticas monetárias ao redor do mundo e amortecendo o ritmo de queda dos
juros.
Ontem, Jerome Powell, presidente do Fed,
anunciou a manutenção dos juros e disse que ainda “falta confiança” para
reduzi-los depois que os últimos índices de inflação apontaram para cima. Mas
Powell fez questão de descartar qualquer cogitação sobre uma elevação dos
juros, que qualificou de “improvável”. Ele reafirmou que a instância da
política do Fed é restritiva e capaz de trazer a inflação a 2%, mas “precisa de
mais tempo para fazer seu trabalho”.
A economia americana cresce acima de seu
potencial, mesmo com juros altos, e os dois fatores fortalecem o dólar diante
das demais moedas. O resultado é que as importações dos demais países nos quais
as moedas estão se desvalorizando em relação à americana se tornam mais caras,
retardando a derrubada da inflação. Esse é um dos caminhos pelos quais a
política do Fed, no atual momento, constrange a dos demais BCs no mundo.
As projeções de inflação no Brasil,
registradas no boletim Focus, estão subindo em parte em função da perspectiva
de repasse do câmbio. A previsão do IPCA subiu para 3,6% em 2025 e a estimativa
da taxa de juros se deslocou de 9% para 9,5% este ano e de 8,5% para 9% em
2023. É uma revisão em curso, com viés de alta. Esse movimento poderia ser bem
menos intenso caso as contas fiscais do país estivessem em ordem. Não estão e o
governo afrouxou as metas para gastar mais.
O Fed não tem como reduzir os juros agora,
após três meses consecutivos em que a inflação subiu. Os índices trimestrais
dessazonalizados e anualizados dos gastos de consumo pessoais (PCE), e seu
núcleo (preferido do Fed para aferir a pressão dos preços), estão acima dos
semestrais e estes dos anuais, o que indica que há impulso inflacionário claro
na ponta (Chris Giles, FT).
A evolução dos serviços não-residenciais foi
de 4,9% nos doze meses encerrados em março e de 4,7% na projeção anualizada do
trimestre, muito acima do índice de inflação ao consumidor (CPI) de março, de
3,5%, que subiu em relação ao do mês anterior (3,2%). Os salários avançaram
4,4% em março no período de doze meses, mostrando arrefecimento lento e nível
acima da média da inflação. Essa evolução, disse Powell ontem, está um ponto
percentual acima do nível pré-pandemia. O mercado de trabalho continua apertado.
Um observador privilegiado, Jamie Dimon, CEO
do JP Morgan Chase, o maior banco americano, considera “inacreditável” o estado
da economia americana, que este ano deve crescer 2,7%, o dobro do ritmo dos
países do G7. Dimon vê uma série de pressões de custos que impede que os juros
possam cair muito, como o aumento dos gastos militares, a volta de empresas
americanas do exterior para a produção doméstica, atraídas por subsídios, a
restruturação global das cadeias de produção e altos gastos federais de programas
trilionários. A soma dos fatores é um nível de preços mais alto.
Um dos fatores mais poderosos que explicam a
força da economia americana é o descompasso evidente entre a política monetária
e a fiscal, sobre a qual o Fed não fala. Os pacotes para enfrentar a pandemia
de Donald Trump e Joe Biden despejaram US$ 10 trilhões na economia, ou cerca de
35% do PIB. Deles, US$ 8 trilhões foram injetados após a recessão de 2020, o
que significa que continuam produzindo efeitos sobre a economia (Rushir Sharma,
FT, 22 de abril).
Além disso, os gastos do governo aumentaram
US$ 2 trilhões em relação ao período pré-pandemia, provocando enormes rombos
orçamentários (US$ 1,7 trilhão em 2023). A liquidez abundante causada pelo
programa de afrouxamento quantitativo, revertido em 2023, trouxe uma situação
inédita desde 1950 - elevadas taxas dos juros convivendo com o aumento do lucro
das empresas e a alta das ações.
A passagem da valorização do dólar para preços domésticos depende de vários fatores, entre eles do ritmo de crescimento da economia (acima ou abaixo do potencial), nível de abertura comercial e da conta de capitais. Os investidores retiram dinheiro do país sem pressa, enquanto a valorização do dólar tende a elevar os preços em reais das commodities, em especial de alimentos e combustíveis. Em decorrência, a inflação, que ainda guarda distância da meta, recua menos do que deveria. O BC pode ser forçado a rever o ritmo de distensão monetária. Esse passo vai piorar a situação das contas públicas, já frágil, ao elevar a dívida, reduzir investimentos e frear o crescimento. Este é mais um motivo pelo qual o governo deveria conter também as despesas e não apenas buscar mais receitas.
O desafio das armas
Correio Braziliense
O número exato de armas em poder de civis é
quase impossível saber no país, uma vez que as organizações criminosas têm
meios de contrabandear, o que foge ao controle dos órgãos públicos
Entre 2021 e 2022, o número de registros de
armas de fogos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) passou de 1,9 milhão para
2,2 milhões. Na comparação com 2017, quando havia 637.972 artefatos
cadastrados, ocorreu um aumento de 350% em cinco anos. Com flexibilização das
normas, a emissão de registro para as atividades de caçador, atirador esportivo
e colecionador (CAC) chegou a 783.385, um crescimento de 466,89% no mesmo
período.
Os integrantes dos CACs, com a mudança das
regras pelo governo passado, tiveram ampliados os limites de aquisição de
armas, de diferentes calibres, inclusive as de uso restrito das polícias civil
e militar, e das Forças Armadas. Supõem-se que nesse processo, o número de
artefatos bélicos em circulação no Brasil chegou em torno de 3 milhões, uma
quantidade bem maior do que a soma de todos os arsenais das forças de segurança
do país.
O número exato de armas em poder de civis é
quase impossível saber no país, uma vez que as organizações criminosas têm
meios de contrabandear, o que foge ao controle dos órgãos públicos. A diretora
executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, em entrevista ao Correio
Braziliense, garante que o número é bem maior do que a média mundial. Ela
ressalta que as armas de fogo no país têm papel relevante na escalada da
violência no país. Associa essa realidade ao aumento da violência contra as
mulheres. A assertiva é corroborada pelo levantamento do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), com base em dados das Secretarias Estaduais de
Segurança Pública. De acordo com o estudo, 76,5% dos homicídios foram
praticados com armas de fogo.
Os segmentos defensores do liberalismo das
armas argumentam que garante o direito do cidadão à autodefesa. Um viés
distorcido, uma vez que cabe ao poder público, como determina a Constituição
Federal, garantir a segurança e a integridade dos cidadãos, bem como combater
quaisquer modalidades de infrações penais. Para isso, as unidades da Federação
dispõe de forças policiais militares e civis. Se as políticas públicas têm se
revelado insuficientes ou inadequadas, cabe aos cidadãos cobrar eficiência aos
governantes.
Os feminicídios têm alcançado números
absurdos. A maioria das mulheres são mortas pelo ex ou atual companheiro com
armas de fogo, no ambiente doméstico, espaço distante do alcance dos agentes de
segurança. De acordo com o Instituto Sou da Paz, metade dos casos ocorridos no
ano passado foram com armas registradas para CACs, ou seja, artefatos legais.
"Isso mostra que um cidadão de bem pode deixar de sê-lo, até praticar
violência doméstica, até perder a cabeça e querer dar um tiro no vizinho",
acrescenta Carolina Ricardo.
Dez dias atrás, a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 34 votos a 30, o projeto de lei
complementar que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre
posse e porte de armas de fogo para defesa pessoal, práticas desportivas e
controle de espécies exóticas invasoras (PLP 108/23). Segundo a Constituição,
essas atribuições são do governo federal. Embora a adesão à proposta possa
crescer, dentro do Congresso, onde a bancada da bala, com o apoio de outros
parlamentares de direita, possa ser vitoriosa.
Deputados governistas discordam do projeto, com base na Carta Magna, e avisaram que levarão a proposta ao Supremo Tribunal Federal. Entendem que a mudança é contrária à vida e a serviço da violência. Para as organizações da sociedade civil, que acompanham e propõem ações de combate à violência, como Instituto Sou da Paz, Fórum de Segurança, Instituto Patrícia Galvão, fortalecer o Estatuto do Desarmamento seria um bom caminho a seguir para desarmar a sociedade e reduzir as elevadas taxas de criminalidade e morte no país.
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