quinta-feira, 2 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Nova lei abre oportunidade para Argentina

O Globo

Se aprovado pelo Senado, texto que passou pela Câmara permitirá ao governo corrigir desequilíbrio crônico

Pouco depois de assumir a Presidência da Argentina, em dezembro do ano passado, Javier Milei enviou ao Congresso um projeto de 664 artigos e 351 páginas com um nome pomposo: Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos. Chegou à Câmara sem consulta prévia até à diminuta base governista. No conjunto, dava ao presidente amplos poderes para reformar o Estado e a economia e, pelo tamanho e abrangência, foi apelidada “Lei Ônibus”.

Derrotado na primeira votação em fevereiro, Milei chamou seus opositores de traidores e negou disposição de negociar. Dava todos os sinais de estar pronto para um confronto. Felizmente, recobrou a razão e passou dois meses discutindo item a item com deputados e governadores das províncias, que controlam as bancadas locais.

Nesta semana, os deputados aprovaram uma versão do projeto original menos ambiciosa, mesmo assim transformadora, que agora segue para o Senado. Se referendada pelos senadores, abrirá uma oportunidade para a Argentina corrigir seu desequilíbrio crônico. A lei criará uma emergência nacional em quatro áreas estratégicas (administração, economia, finanças e energia), conferindo ao Executivo poderes excepcionais pelo período de um ano (algo similar ocorreu no governo de Carlos Menem, com o Plano Cavallo). Autorizará privatizações e a entrada de capital privado em empresas mistas, permitirá a remoção de obstáculos regulatórios que emperram a economia, promoverá uma reforma trabalhista e mudará as aposentadorias.

Exaustos com a inépcia de sucessivos governos, os argentinos elegeram o ultraliberal Milei com a esperança de debelar a crise endêmica. Ele acertou no diagnóstico de que as despesas do Estado precisam estar em linha com a capacidade dos cidadãos de pagar impostos. Por muito tempo os argentinos viveram acima de suas possibilidades, acumulando dívida, calotes e recessões.

Mesmo antes da votação na Câmara, o governo tinha motivos para comemorar. Do pico de 26% em dezembro, a inflação caiu para 11% em março. O peso estabilizou-se no mercado informal. No primeiro trimestre, as contas públicas fecharam com superávit de US$ 315,4 milhões, o primeiro desde 2008. Desde a posse, os títulos argentinos denominados em dólar quase dobraram.

A vitória desta semana reduz as dúvidas sobre a capacidade de Milei governar. A principal incerteza agora é o nível de tolerância da população ao ajuste necessário que ele pretende implantar. A economia encolheu 3,6% no primeiro bimestre em comparação ao mesmo período de 2023. O consumo caiu 10% entre janeiro e março. A previsão é cair 6% em 2024. Noutro sinal de aperto, os argentinos de classe média têm vendido dólares para pagar planos de saúde.

A aprovação de Milei segue alta, em torno de 48%. Mesmo entre aqueles que dizem se esforçar todo mês para pagar as contas, ele reúne 30% de apoio. Ao que parece, boa parte dos argentinos está ciente de que uma correção de rumo econômico era absolutamente necessária e não seria indolor. Uma vez confirmada a nova lei no Senado, o governo precisará ter competência e senso de urgência para transformar seus planos em realidade. A tragédia vivida hoje é decorrência dos devaneios de governantes do passado. Milei tem pouco tempo para promover a guinada na economia, ou sua popularidade sofrerá as consequências.

Avanço da desertificação requer plano nacional com apoio federal

O Globo

Estudo verificou que Semiárido corresponde a quase 16% do território brasileiro — e não para de crescer

Como resultado das mudanças climáticas, o Brasil enfrenta o crescimento preocupante do Semiárido, região nordestina onde não chove de cinco a seis meses do ano. Um novo estudo constatou que, entre 1990 e 2022, 55% do Agreste nordestino passou para o Semiárido, cujo avanço se estendeu a Minas Gerais e ao Espírito Santo, no Sudeste. Outra conclusão: 8% das terras do Semiárido se tornaram áridas, com dez meses de seca no ano.

O Semiárido, concluiu a pesquisa do meteorologista Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, já corresponde a 15,7% do território nacional, onde vivem 31 milhões. Antes, ele se distribuía por 725 mil km2, hoje toma 1,3 milhão de km2 — e não para de crescer. Em 2017, apenas dois municípios do Maranhão estavam incluídos no Semiárido. Quatro anos depois, já eram 16. Nesse período, o Semiárido passou a alcançar 11 estados e a abranger 215 novos municípios, seis no Espírito Santo. O estudo de Barbosa identifica novas áreas que podem ser classificadas como áridas em Minas Gerais, BahiaPernambucoParaíba e Piauí, com extensão de 282 mil km2.

Cientistas continuam a mapear o avanço do clima seco. Em janeiro, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) constataram a existência de uma área desertificada de 5,7 mil km2 entre Bahia e Pernambuco e de outra de extensão equivalente no Piauí. Em Minas, o estudo de Barbosa identificou um aumento de 138% em cinco anos das áreas desérticas, que vêm crescendo em direção ao Sul.

A ameaça a atividades agrícolas é óbvia, além das implicações negativas para o abastecimento de água das cidades. Por isso é urgente a atuação coordenada do governo federal com os estados e municípios atingidos para atenuar os efeitos da desertificação. O Nordeste já produz 83% da energia de fontes limpas no Brasil, de origem eólica e solar. É preciso identificar e explorar outras vocações da região, para mitigar os efeitos econômicos e demográficos das secas. Além, obviamente, de dedicar projetos a conter o avanço do Semiárido.

Auditorias dos Tribunais de Contas de CearáRio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Sergipe identificaram falta de recursos para combater a desertificação. Em 40% dos municípios atingidos, nem sequer há secretaria do meio ambiente. De acordo com a Sudene, os 1.477 municípios do Semiárido receberão neste ano R$ 17,6 bilhões do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, mais R$ 1,2 bilhão do fundo de desenvolvimento da região. As cifras podem parecer generosas, mas tudo depende de como o dinheiro será gasto. Enquanto isso, o nordestino continua a migrar. Dados do último Censo revelaram que 90% dos municípios com o maior número de residências permanentemente fechadas ficam no Semiárido. Realidade que tende a piorar se as autoridades continuarem omissas.

Os descasos do poder público com a dengue

Folha de S. Paulo

Possibilidade de perda de vacinas por vencimento é mais um aspecto falho dos governos na condução do combate à epidemia

Nas últimas semanas, vários estados do país tiveram de correr para usar as vacinas contra a dengue que venceram na terça-feira (30). Ainda não foi divulgado balanço pelo Ministério da Saúde, mas, no dia 15 de abril, das 668 mil doses que perderiam a validade, cerca de 145 mil não haviam sido aplicadas.

Até 19 de março, só 14,5% do público-alvo (pessoas de 10 a 14 anos) e apenas 0,2% da população brasileira estava imunizada.

A movimentação de última hora das secretarias de Saúde e a possibilidade de desperdício de dinheiro público constituem mais um exemplo de atuação precária das autoridades, em todas as esferas de governo, nesta epidemia.

O problema teve início ainda no ano passado, quando governo federal, estados e municípios não se prepararam adequadamente para a crise, projetada em dois alertas globais divulgados pela OMS, em janeiro e em julho de 2023.

Como a dengue impacta o sistema ambulatorial, o poder público deveria ter alocado recursos para infraestrutura material e de pessoal nesse setor. O risco de a dengue levar à morte é baixo. Ele aumenta quando o atendimento é precário, com superlotação e falta de prioridade com casos mais graves.

Tal cenário se verifica em várias cidades. Em São Paulo, por exemplo, a Folha constatou aglomeração e longas filas de espera em tendas de atendimento aos pacientes.

Sul e Sudeste deveriam ter recebido atenção especial. Seus habitantes são mais vulneráveis pois tiveram menos contato com os sorotipos do vírus, já que o clima é mais ameno, mas mudança climática e El Niño elevaram temperaturas e índices de chuvas nessas regiões.

Ademais, como o imunizante japonês Qdenga requer aplicação de duas doses em intervalo de três meses, o Ministério da Saúde tinha o dever de agilizar a burocracia para autorizar sua aplicação pelo SUS.
A vacina recebeu aval para venda pela Anvisa em março de 2023, mas a permissão para distribuição gratuita só veio em dezembro.

Esse conjunto de inações pode ter contribuído para que o Brasil quebrasse um recorde nefasto, com 1.116 mortes causadas pela doença entre 1º de janeiro e 8 de abril, ante 1.094 em todo o ano passado. Trata-se do maior indicador já registrado desde o início da série histórica, iniciada em 2000.

Na quarta (1º), a pasta da Saúde informou que 21 estados e o Distrito Federal apresentam queda ou estabilidade na incidência de dengue.

O aquecimento global e outros fatores que contribuem para os surtos da moléstia, como o vexatório saneamento básico do país, ainda estarão presentes em 2025. Espera-se que, com este trágico verão, os governos se preparem com mais responsabilidade para o próximo.

Emprego positivo

Folha de S. Paulo

Números mostram que mercado de trabalho, inclusive formal, seguiu forte em março

Os dados do mercado de trabalho relativos a março deixam claro que persiste a tendência de boa geração de emprego e renda na economia brasileira. É indicativo de que não há necessidade de estímulos por parte do governo, que a esta altura seriam contraproducentes por ampliarem o risco de inflação.

A pesquisa do IBGE mostrou nova queda do desemprego em um ano, para 7,9% no primeiro trimestre. Mais importante, a desocupação, ajustada para excluir fatores sazonais, ficou em 7,3% em março, 0,3 ponto percentual a menos que no mês anterior e o menor patamar desde o final de 2014.

Tal avanço não se resume a vagas informais. Foi aberto 1,3 milhão de postos com carteira assinada nos últimos 12 meses, segundo o IBGE. De outra pesquisa, o Caged, com dados coletados pelo Ministério do Trabalho, constam 244 mil novos empregos nessa categoria em março, 719 mil no primeiro trimestre e 1,647 milhão em um ano.

A renda habitual do trabalho continua a subir. Em 12 meses, o IBGE mostra alta de 4%, já descontada a inflação. Com a multiplicação pelos postos abertos, chega-se à medida mais ampla, a massa salarial, que aumentou em 6,6%.

Não surpreende, assim, que a expansão da economia continue a surpreender positivamente, com bom desempenho no comércio e nos serviços, padrão que vem sendo mantido desde 2021.

PIB superou expectativas, tendo crescido acima de 3% anuais em 2022 e 2023. As projeções para este ano vêm sendo revisadas para cima e já superam 2%.

Para todos os efeitos, o nível de utilização da mão de obra e de geração de renda se aproxima dos melhores momentos que antecederam a grande recessão de 2014-16.

O que intriga especialistas é que o dinamismo não tem gerado até o momento um grande impacto na inflação, que continua, ainda que lentamente, a cair —e se aproximar da meta de 3% no ano.

Está em debate, ainda sem conclusão, se fatores como a maior flexibilidade do mercado de trabalho após a reforma da CLT já podem ser parte da explicação. Em qualquer hipótese, a diretriz se mostra correta a longo prazo.

Um reticente voto de confiança

O Estado de S. Paulo

Moody’s melhora perspectiva da nota de crédito do País, mas destaca dependência de receitas e baixa capacidade do governo para cortar gastos como risco à retomada do grau de investimento

A agência de classificação de risco Moody’s revisou a perspectiva da nota de crédito do País de estável para positiva. A classificação dos títulos da dívida brasileira foi mantida em um patamar dois degraus abaixo do grau de investimento, mas a alteração da perspectiva, que não ocorria desde 2018, sinaliza que a nota poderá ser elevada no médio prazo.

A Moody’s disse que as perspectivas de crescimento da economia estão mais robustas que nos anos pré-pandemia. A agência destacou as reformas estruturais aprovadas em múltiplas administrações nos últimos anos e um progresso contínuo, embora gradual, rumo à consolidação fiscal e à estabilização da dívida do País.

O Ministério da Fazenda, por óbvio, comemorou e afirmou que a mudança da perspectiva do rating pela agência é um reconhecimento do papel do arcabouço fiscal. Mas o relatório da Moody’s não deixou de mencionar os riscos associados à redução dos déficits fiscais, como a dependência de receitas e a baixa capacidade do governo para cortar gastos.

Para a equipe econômica, a notícia não poderia ter sido anunciada em momento melhor. De certa forma, a decisão da Moody’s chancela o esforço de Haddad, criticado por rever as metas fiscais de 2025 e 2026 e no meio de um embate com o Congresso em torno da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios.

O comunicado, no entanto, é realista ao analisar os fatores que podem melhorar ou piorar a nota brasileira. O aumento da credibilidade da política fiscal, segundo a Moody’s, depende de melhorias constantes no resultado primário e de um crescimento econômico mais sólido. A manutenção ou elevação dos déficits, por outro lado, pode enfraquecer a confiança dos investidores, conter o crescimento econômico e aumentar o custo do crédito do governo.

Por coincidência de datas, o Tesouro Nacional havia acabado de divulgar que as contas do governo central encerraram o mês de março com déficit de R$ 1,5 bilhão. No trimestre, o saldo ainda é positivo em R$ 19,431 bilhões. No acumulado de 12 meses até março, no entanto, o déficit atingiu R$ 247,7 bilhões, o equivalente a 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ainda muito distante da meta de déficit zero.

A arrecadação subiu 8,9% no trimestre em termos reais, mas as despesas aumentaram 12,3% ante os três primeiros meses do ano passado. É verdade que o comportamento dos gastos foi influenciado pela antecipação do pagamento de R$ 30 bilhões em precatórios, mas parte das receitas que mais influenciaram o resultado fiscal também teve caráter pontual. A tributação dos fundos exclusivos rendeu R$ 12 bilhões, mas o resultado se deve à taxação dos estoques e tende a ser bem menor a partir de agora. Já a arrecadação com o Imposto de Renda, ao contrário do que se esperava, começou a desacelerar.

Enquanto isso, despesas obrigatórias com aposentadorias e pensões aumentaram 5,3% no primeiro trimestre, ou R$ 10,7 bilhões; dispêndios com benefícios de prestação continuada subiram 17,2%, ou R$ 3,8 bilhões; e gastos discricionários, nos quais a margem de manobra do governo é um pouco maior, mas também limitada, aumentaram 21,7%, ou R$ 5,4 bilhões.

É por isso que o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, foi comedido ao comentar o resultado. A meta é factível, segundo ele, mas o País “não tem margem para queimar”. Já o diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirmou que os economistas estão certos ao duvidar do arcabouço fiscal, pois o País terá “déficits primários a perder de vista”. “Quem controla o gasto é o governo e, se não tem receita, tem de ajustar o gasto.”

Pode até parecer que o mercado está bem mais pessimista do que a Moody’s, mas o motivo do ceticismo dos analistas – o gasto – é fundamentalmente o mesmo que a agência menciona como um fator de risco em seu relatório, ainda que de maneira mais polida. É urgente, portanto, que o governo se empenhe nesse objetivo, pois disso dependem a credibilidade da política fiscal e a recuperação do grau de investimento.

O extremismo universitário mostra sua face

O Estado de S. Paulo

Nos EUA, ativistas que sempre reprimiram a liberdade de expressão dos outros agora se dizem reprimidos. Mas nem as universidades nem a Constituição admitem a violência como expressão

Por décadas uma crise nas universidades, especialmente nas norte-americanas, estava sendo fabricada. A academia deve ser o espaço por excelência do pluralismo ideológico e do livre debate. Mas, ao contrário, elas são hoje os espaços mais dogmáticos e intolerantes na sociedade. Foi necessário que a guerra no Oriente Médio despertasse humores antissemitas para que se produzisse uma reação química que mandou a tampa da caixa de Pandora pelos ares.

Há meses os estudantes pró-Hamas mobilizam protestos agressivos nos campi americanos. A Primeira Emenda da Constituição estabelece uma liberdade de expressão quase absoluta. Exceto em casos excepcionais, como a incitação direta à violência, mesmo manifestações neonazistas são toleradas. Instituições privadas, como as universidades, podem ter seus próprios códigos de conduta. E esses códigos se tornaram não só mais restritivos, como, por pressão dos contingentes progressistas ultramajoritários, mais sectários.

Na década de 90, segundo um levantamento da Universidade de Leiden, os quadros docentes nos EUA se autodeclaravam 40% progressistas, 40% moderados e 20% conservadores. Desde então, não houve grandes variações nas preferências partidárias da população, mas nos campi os progressistas cresceram para 60%, e os moderados e conservadores diminuíram para 30% e 10%, respectivamente. Nas universidades de elite a desproporção é maior. Em Harvard, por exemplo, 75% se dizem progressistas e só 3% conservadores. Nos departamentos de humanas, a assimetria é maior.

Segundo a Fundação para os Direitos Individuais e Expressão (Fire, na sigla em inglês), as universidades de elite estão entre as mais intolerantes. Mais da metade dos estudantes das cinco universidades da Ivy League acredita que às vezes é aceitável impedir seus pares de participar de uma palestra controversa. Só 70% concordam que “nunca é aceitável” usar violência para impedir alguém de falar.

Códigos que punem “microagressões” e “discursos de ódio” são empregados há anos por ativistas para filtrar admissões de alunos e professores e conformá-los à ortodoxia progressista. Agora que estão violando não só esses códigos, mas os limites constitucionais à liberdade de expressão, esses ativistas se dizem perseguidos e tolhidos em suas liberdades. Mas ninguém é livre para ameaçar, intimidar e tolher a liberdade dos outros.

Pelas regras da Universidade Columbia, por exemplo, “todo membro da comunidade (...) tem o direito de organizar protestos, piquetes, circular petições e divulgar ideias”, mesmo que “sejam consideradas ofensivas, imorais, desrespeitosas ou até perigosas”. Mas o Código diz que essas regras são violadas quando uma pessoa “se engaja em uma conduta que põe outra em perigo físico” ou “usa palavras que ameaçam dano físico em uma situação em que há um risco claro e imediato deste dano”.

Em campi como o de Columbia, judeus não só são intimidados com cantos que pregam o extermínio dos judeus de Israel, como são impedidos de acessar e circular em certos espaços. Os manifestantes perturbam aulas e impedem o acesso a alguns prédios. E não estão apenas se manifestando, mas exigindo que as universidades rejeitem doações de empresas e cidadãos israelenses; encerrem parcerias acadêmicas com instituições israelenses; e condenem as ações de Israel na guerra.

A direção de Columbia, por exemplo, ofereceu revisar suas práticas de investimentos e parcerias e discutir a liberdade acadêmica. Mas, assim como o Hamas, os militantes não aceitam soluções de compromisso. A polícia foi chamada para dispersar os acampamentos que impedem o curso das aulas, a livre circulação no câmpus e o sossego dos judeus. Mas os ativistas que outrora diziam que palavras são violência, agora dizem que violência é “expressão”.

Tudo indica que o sectarismo universitário chegou a um ponto de inflexão. Mesmo parlamentares democratas estão criticando os protestos e exigindo dos reitores que restabeleçam a ordem. Mas esse é, na melhor das hipóteses, só o primeiro passo de uma longa reforma há muito necessária para despartidarizar as universidades.

Argumentos mirabolantes

O Estado de S. Paulo

Governador desafia inteligência alheia para tentar aliviar a dívida do Rio com a União

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, quer escapar do pagamento da dívida do Estado com a União, que passa dos R$ 190 bilhões. Para isso, adotou a estratégia de ofender a inteligência alheia.

Para começar, Castro alega que a União não é banco e, por isso, não poderia cobrar juros sobre o dinheiro emprestado. No máximo, poderia atualizar os valores pela inflação. Ou seja, o governador do Rio quer caracterizar a dívida que o Estado tem com a União como um negócio de pai para filho, em que o pai (no caso, a União), que paga juros de mercado para tomar dinheiro, não cobra juros sobre o empréstimo que fez ao filho.

Na mesma linha, o sr. Castro quer jogar no colo da União a responsabilidade por ter fornecido crédito ao Rio para financiar as obras relativas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016. Ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), o governo do Rio alega que a União sabia que o Estado não tinha condições de honrar o compromisso, uma vez que a classificação das contas estaduais na ocasião eram as piores possíveis. Se o fez, é porque o governo federal tinha interesse nas obras; logo, o ônus deveria ser repartido entre Estado e União.

De fato, o governo federal, à época entusiasmado com a realização da Copa e da Olimpíada no Brasil, moveu mundos e fundos (sobretudo fundos) para bancar o delírio lulopetista segundo o qual os dois eventos mostrariam que “o Brasil saiu do patamar de segunda classe e entrou no patamar de primeira classe”, como salientou em 2009 o então presidente Lula da Silva. Mas isso não anula o fato de que o Rio participou alegremente do delírio e deve pagar a conta.

Como um dos Estados mais endividados da Federação, o Rio de Janeiro aderiu em 2017 ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) pactuando regras, juros e prazos de pagamento. No ano passado, o governo federal já aceitou revisar o acordo, a pedido de Castro, devido à alteração na alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações.

A forma despudorada com a qual o governador, ao final das contas, pleiteia o perdão da dívida parece ser uma estratégia para ganhar tempo e obter salvo-conduto para novas despesas. De acordo com o acompanhamento do Tesouro Nacional, de 2021 – ano em que Castro assumiu o governo após o impeachment de Wilson Witzel – a 2023, o Rio registrou alta na folha de pessoal superior a 30%, mesmo submetido a um regime que restringe duramente esse tipo de gasto.

Não à toa o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, se diz preocupado com a ação do Rio no STF, sobretudo pelo precedente que pode abrir para novos questionamentos de entes subnacionais. Afinal, a fila de endividados, tanto Estados como municípios, é grande, e o estratagema embute a ideia de suspender os pagamentos enquanto durar a negociação. Ora, não é difícil imaginar a quem interessa estender ao máximo as conversas.

De qualquer forma, parece óbvio que não é o serviço da dívida o centro dos problemas fiscais do Rio. O problema é o espírito perdulário.

Política do Fed constrange a dos demais bancos centrais

Valor Econômico

Valorização do dólar pressiona preços domésticos e inflação cai menos do que deveria com o aperto da política monetária

A decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de adiar pela sexta reunião consecutiva o início do ciclo de redução dos juros, que não tem data para começar, impulsiona a valorização do dólar e tende a ampliar a pressão sobre os preços do resto do mundo, obrigando os demais países também a serem conservadores nas próprias políticas monetárias. Na versão otimista, anterior ao avanço da inflação nos EUA, uma onda deflacionária proveniente da China ajudaria a conter os preços globais e impulsionar a acomodação monetária. O quadro mais provável agora é que os Estados Unidos exportem pressões de aumentos de preços, enrijecendo as políticas monetárias ao redor do mundo e amortecendo o ritmo de queda dos juros.

Ontem, Jerome Powell, presidente do Fed, anunciou a manutenção dos juros e disse que ainda “falta confiança” para reduzi-los depois que os últimos índices de inflação apontaram para cima. Mas Powell fez questão de descartar qualquer cogitação sobre uma elevação dos juros, que qualificou de “improvável”. Ele reafirmou que a instância da política do Fed é restritiva e capaz de trazer a inflação a 2%, mas “precisa de mais tempo para fazer seu trabalho”.

A economia americana cresce acima de seu potencial, mesmo com juros altos, e os dois fatores fortalecem o dólar diante das demais moedas. O resultado é que as importações dos demais países nos quais as moedas estão se desvalorizando em relação à americana se tornam mais caras, retardando a derrubada da inflação. Esse é um dos caminhos pelos quais a política do Fed, no atual momento, constrange a dos demais BCs no mundo.

As projeções de inflação no Brasil, registradas no boletim Focus, estão subindo em parte em função da perspectiva de repasse do câmbio. A previsão do IPCA subiu para 3,6% em 2025 e a estimativa da taxa de juros se deslocou de 9% para 9,5% este ano e de 8,5% para 9% em 2023. É uma revisão em curso, com viés de alta. Esse movimento poderia ser bem menos intenso caso as contas fiscais do país estivessem em ordem. Não estão e o governo afrouxou as metas para gastar mais.

O Fed não tem como reduzir os juros agora, após três meses consecutivos em que a inflação subiu. Os índices trimestrais dessazonalizados e anualizados dos gastos de consumo pessoais (PCE), e seu núcleo (preferido do Fed para aferir a pressão dos preços), estão acima dos semestrais e estes dos anuais, o que indica que há impulso inflacionário claro na ponta (Chris Giles, FT).

A evolução dos serviços não-residenciais foi de 4,9% nos doze meses encerrados em março e de 4,7% na projeção anualizada do trimestre, muito acima do índice de inflação ao consumidor (CPI) de março, de 3,5%, que subiu em relação ao do mês anterior (3,2%). Os salários avançaram 4,4% em março no período de doze meses, mostrando arrefecimento lento e nível acima da média da inflação. Essa evolução, disse Powell ontem, está um ponto percentual acima do nível pré-pandemia. O mercado de trabalho continua apertado.

Um observador privilegiado, Jamie Dimon, CEO do JP Morgan Chase, o maior banco americano, considera “inacreditável” o estado da economia americana, que este ano deve crescer 2,7%, o dobro do ritmo dos países do G7. Dimon vê uma série de pressões de custos que impede que os juros possam cair muito, como o aumento dos gastos militares, a volta de empresas americanas do exterior para a produção doméstica, atraídas por subsídios, a restruturação global das cadeias de produção e altos gastos federais de programas trilionários. A soma dos fatores é um nível de preços mais alto.

Um dos fatores mais poderosos que explicam a força da economia americana é o descompasso evidente entre a política monetária e a fiscal, sobre a qual o Fed não fala. Os pacotes para enfrentar a pandemia de Donald Trump e Joe Biden despejaram US$ 10 trilhões na economia, ou cerca de 35% do PIB. Deles, US$ 8 trilhões foram injetados após a recessão de 2020, o que significa que continuam produzindo efeitos sobre a economia (Rushir Sharma, FT, 22 de abril).

Além disso, os gastos do governo aumentaram US$ 2 trilhões em relação ao período pré-pandemia, provocando enormes rombos orçamentários (US$ 1,7 trilhão em 2023). A liquidez abundante causada pelo programa de afrouxamento quantitativo, revertido em 2023, trouxe uma situação inédita desde 1950 - elevadas taxas dos juros convivendo com o aumento do lucro das empresas e a alta das ações.

A passagem da valorização do dólar para preços domésticos depende de vários fatores, entre eles do ritmo de crescimento da economia (acima ou abaixo do potencial), nível de abertura comercial e da conta de capitais. Os investidores retiram dinheiro do país sem pressa, enquanto a valorização do dólar tende a elevar os preços em reais das commodities, em especial de alimentos e combustíveis. Em decorrência, a inflação, que ainda guarda distância da meta, recua menos do que deveria. O BC pode ser forçado a rever o ritmo de distensão monetária. Esse passo vai piorar a situação das contas públicas, já frágil, ao elevar a dívida, reduzir investimentos e frear o crescimento. Este é mais um motivo pelo qual o governo deveria conter também as despesas e não apenas buscar mais receitas.

O desafio das armas

Correio Braziliense

O número exato de armas em poder de civis é quase impossível saber no país, uma vez que as organizações criminosas têm meios de contrabandear, o que foge ao controle dos órgãos públicos

Entre 2021 e 2022, o número de registros de armas de fogos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) passou de 1,9 milhão para 2,2 milhões. Na comparação com 2017, quando havia 637.972 artefatos cadastrados, ocorreu um aumento de 350% em cinco anos. Com flexibilização das normas, a emissão de registro para as atividades de caçador, atirador esportivo e colecionador (CAC) chegou a 783.385, um crescimento de 466,89% no mesmo período.

Os integrantes dos CACs, com a mudança das regras pelo governo passado, tiveram ampliados os limites de aquisição de armas, de diferentes calibres, inclusive as de uso restrito das polícias civil e militar, e das Forças Armadas. Supõem-se que nesse processo, o número de artefatos bélicos em circulação no Brasil chegou em torno de 3 milhões, uma quantidade bem maior do que a soma de todos os arsenais das forças de segurança do país.

O número exato de armas em poder de civis é quase impossível saber no país, uma vez que as organizações criminosas têm meios de contrabandear, o que foge ao controle dos órgãos públicos. A diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, em entrevista ao Correio Braziliense, garante que o número é bem maior do que a média mundial. Ela ressalta que as armas de fogo no país têm papel relevante na escalada da violência no país. Associa essa realidade ao aumento da violência contra as mulheres. A assertiva é corroborada pelo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em dados das Secretarias Estaduais de Segurança Pública. De acordo com o estudo, 76,5% dos homicídios foram praticados com armas de fogo.

Os segmentos defensores do liberalismo das armas argumentam que garante o direito do cidadão à autodefesa. Um viés distorcido, uma vez que cabe ao poder público, como determina a Constituição Federal, garantir a segurança e a integridade dos cidadãos, bem como combater quaisquer modalidades de infrações penais. Para isso, as unidades da Federação dispõe de forças policiais militares e civis. Se as políticas públicas têm se revelado insuficientes ou inadequadas, cabe aos cidadãos cobrar eficiência aos governantes.

Os feminicídios têm alcançado números absurdos. A maioria das mulheres são mortas pelo ex ou atual companheiro com armas de fogo, no ambiente doméstico, espaço distante do alcance dos agentes de segurança. De acordo com o Instituto Sou da Paz, metade dos casos ocorridos no ano passado foram com armas registradas para CACs, ou seja, artefatos legais. "Isso mostra que um cidadão de bem pode deixar de sê-lo, até praticar violência doméstica, até perder a cabeça e querer dar um tiro no vizinho", acrescenta Carolina Ricardo.

Dez dias atrás, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 34 votos a 30, o projeto de lei complementar que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre posse e porte de armas de fogo para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras (PLP 108/23). Segundo a Constituição, essas atribuições são do governo federal. Embora a adesão à proposta possa crescer, dentro do Congresso, onde a bancada da bala, com o apoio de outros parlamentares de direita, possa ser vitoriosa.

Deputados governistas discordam do projeto, com base na Carta Magna, e avisaram que levarão a proposta ao Supremo Tribunal Federal. Entendem que a mudança é contrária à vida e a serviço da violência. Para as organizações da sociedade civil, que acompanham e propõem ações de combate à violência, como Instituto Sou da Paz, Fórum de Segurança, Instituto Patrícia Galvão, fortalecer o Estatuto do Desarmamento seria um bom caminho a seguir para desarmar a sociedade e reduzir as elevadas taxas de criminalidade e morte no país.

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