O Estado de S. Paulo
O altíssimo salário inicial de juízes e promotores também está entre os supersalários que o presidente do Senado critica
Recorro a vários trechos de artigo meu com o
mesmo título aqui publicado em 21/4/2022 e adiciono outras considerações. O
assunto não foi resolvido e voltou à tona recentemente com a insistência do
presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, de levar a ideia à aprovação.
O artigo anterior se referiu à matéria publicada pela Folha de S.Paulo em 25/3/2022, intitulada Pacheco defende penduricalho para juízes e promotores, mas critica supersalários. A matéria tem razão ao chamar de penduricalho a ideia de recriar os quinquênios a que tinham direito os membros da magistratura e do Ministério Público. Significaria um adicional salarial de 5% a cada cinco anos, mais um privilégio descabido, por razões que apresentarei mais adiante.
Integra proposta de emenda à Constituição,
conhecida como PEC do Quinquênio, apresentada em 2013, e que, segundo a mesma
matéria da Folha, “passou os últimos dez anos praticamente esquecida no
Senado”. Se isso ocorreu, já é um bom sinal de sua inconveniência, na avaliação
de senadores.
Pacheco criticou a falta de progressão nas
remunerações de juízes e promotores ao longo da carreira. Textualmente: “Temos
que entender que também não é lógico, é uma distorção, um profissional,
promotor de justiça, no início de carreira receber a mesma remuneração de
alguém em final de carreira”.
Nisso ele tem razão, mas seu diagnóstico é
incompleto e incorreto e a solução para o problema não está em recriar os
quinquênios, pois trata-se de um bônus automático que não estimula a busca do
aprimoramento profissional e até incentiva a não opção pela aposentadoria para
ampliar a coleção individual de quinquênios.
Mas cabe perguntar: que salários são esses
iguais no início e no fim da carreira? Em 2022, num site para candidatos a
concursos, soube da existência de um, para juízes federais da Terceira Região,
com salário inicial mensal de R$ 32.004,65 (!). E ouvi numa conversa que num
cursinho para concursos os estudantes que buscavam o de juiz discutiam entre si
o carro que comprariam se passassem, um Audi, um BMW ou outro na mesma linha.
Não sei se isso de fato ocorreu, mas faz sentido.
Insisto: é nesse altíssimo salário inicial
que está a distorção. Se fosse a metade, já estaria ótimo. Com o que conheço do
mercado de trabalho, não sei de outra carreira que tenha um salário inicial tão
elevado. Se começasse com a metade desse valor para os novos ingressantes,
poderiam ser criadas funções ao longo da carreira para quem demonstrasse
qualificações para a ascensão funcional.
Em 2022, perguntei a alunos do curso de
Economia da Universidade de São Paulo (USP), já próximos da formatura, o
salário que poderiam ter para início de carreira. A resposta foi que algo em
torno de R$ 10 mil mensais seria considerado adequado.
Vou dar, também, o exemplo da carreira de
professor na USP. O cargo inicial é de professor assistente, para o qual já se
exige o título de doutor. Depois de alguns anos, é preciso mostrar serviço,
como publicações e carga docente, para obter o título de livre-docente, que
credencia seus diplomados ao concurso de professor adjunto. Finalmente, há o de
professor titular, com número limitado de cargos, e só uns poucos chegam a
eles.
Dei uma olhada no edital do concurso de
juízes e vi que é aberto a bacharéis em Direito formados há mais de três anos e
que comprovem exercício profissional na área num período de mesma duração.
Quanta experiência...
Entre os degraus da carreira proposta,
poderia haver uma combinação via mestrado e doutorado com a experiência
profissional ao longo dela, como o número e alcance de decisões processuais e o
exercício de cargos administrativos. Mais alternativas poderiam ser discutidas.
O altíssimo salário inicial também pode ser
enquadrado na discussão dos supersalários no setor público. Disse Rodrigo
Pacheco: “Ninguém defende o supersalário, por isso que existe um projeto no
Senado, para poder disciplinar o que é subsídio e o que é verba indenizatória”.
Mas há que discutir valores, e o salário inicial citado é, também, um
supersalário e Pacheco não o critica. E as carreiras da magistratura que a PEC
contempla são beneficiadas por férias de 60 dias, o que aumenta o salário médio
por mês de trabalho efetivo.
Ainda sobre a verba indenizatória, soube que
os quinquênios estão sendo solicitados como indenizações para escapar ao teto
de remuneração e evitar a incidência do Imposto de Renda. É a primeira vez que
ouço dizer que quinquênio não é salário, mas indenização. Do quê?
Também pode haver conflito de interesses
quando congressistas votassem nessa PEC. Vários têm processos na Justiça e
outros correm risco de tê-los em função de seus pronunciamentos e ações na
política. Votando a favor procurariam se credenciar perante os juízes. E a
aprovação da PEC também poderá prejudicar a imagem política de Pacheco entre
eleitores.
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