Correio Braziliense
A neoindustrialização não pode ser um
programa de governo, mas uma política de Estado, capaz de perpassar vários
governos, incluindo o atual, com um horizonte de pelo menos 15 anos
Entre 1991 e 2019, o Brasil passou por um acentuado processo de desindustrialização, no qual a participação da indústria de transformação no PIB passou de 21,83% para 10,33%, uma queda de 11,5 p.p, muito superior ao verificado em países como Alemanha (5,29 p.p), Espanha (5,35 p.p), Itália (4,21 p.p), Colômbia (4,36 p.p) e Argentina (10,88 p.p). Essa mudança na composição do PIB é uma das causas principais do baixo crescimento da economia brasileira nas últimas três décadas, na comparação com o período compreendido entre 1930 e 1980, no qual taxas de crescimento superior a 7% a.a eram puxadas pelo vigoroso crescimento da produção da indústria de transformação. Vale lembrar que, em 1980, a produção da indústria de transformação no Brasil era superior à produção industrial combinada da China, Índia e Coreia do Sul, ao passo que mais de 50% das exportações brasileiras eram compostas por produtos manufaturados. Foi o período áureo do desenvolvimento brasileiro, em que "a indústria era tech, a indústria era pop, a indústria era tudo".
O governo do presidente Lula tem como uma das
suas bandeiras na agenda econômica promover a neoindustrialização, ou seja,
retomar o processo de aumento da importância da indústria de transformação no
PIB, mas num novo contexto, caracterizado pela necessidade de fazer a transição
para uma economia de baixo carbono e tornar a indústria brasileira capaz de
competir em condições isonômicas nos mercados internacionais de produtos
manufaturados. A era do desenvolvimento industrial puxado pela substituição de importações
se esgotou no início da década de 1980. A nova indústria brasileira precisa ser
competitiva — tanto em termos de preço, como em termos de intensidade
tecnológica — com os seus pares na China, Alemanha, Itália, Coreia do Sul,
Japão e Estados Unidos.
O primeiro passo consiste em definir metas
claras, objetivas e factíveis para serem alcançadas no curto, médio e longo
prazo. Isso significa que a neoindustrialização não pode ser um programa de
governo, mas uma política de Estado, capaz de perpassar vários governos,
incluindo o atual, com um horizonte de pelo menos 15 anos.
Nesse contexto, o Estado brasileiro deveria
definir como meta dobrar a participação do emprego industrial no emprego total
dos atuais 12% para 24% da força de trabalho até 2040. Isso significa que será
necessária a criação de 12 a 15 milhões de novos postos de trabalho na
indústria de transformação durante esse período — ou seja, uma média de 1,8
milhão de postos de trabalho por ano na indústria de transformação.
A boa notícia é que essa mão de obra
adicional para a indústria pode ser facilmente recrutada do setor informal ou
de subsistência da economia brasileira, onde os salários e a produtividade do
trabalho são muito mais baixos. Com efeito, no primeiro trimestre de 2022,
26,27% de uma força de trabalho de pouco mais de 107 milhões de pessoas estavam
trabalhando no setor informal (25,54 milhões) e outros 12,92% eram
"autoempregados" (12,47 milhões). Dessa forma, o Brasil dispõe de
39,19% da sua força de trabalho em atividades de subsistência de baixa
produtividade que podem ser realocados para o setor manufatureiro, de alta
produtividade e altos salários, caso novos empregos sejam criados nesse setor.
O ponto central é criar empregos no setor
manufatureiro. A indústria é um setor de alta produtividade, em que a inovação
tecnológica se dá tanto na forma de novos produtos, como na forma de novos
processos que são poupadores de força de trabalho. Logo, para que ocorra um
aumento da participação do emprego industrial no emprego total, é necessário
que o ritmo de crescimento da produção industrial seja superior ao ritmo de
crescimento da produtividade do trabalho na indústria. É aqui que a transição
para uma economia de baixo carbono se faz essencial. A descarbonização vai
exigir a introdução de novos bens de consumo, intermediários e de capital, que
sejam mais eficientes em termos de emissão de CO2 por unidade produzida. Isso
vai exigir maciços investimentos na produção de "bens verdes", como
automóveis híbridos, trens de transporte de passageiros e de carga e
equipamento para a produção de energia renovável. A taxa de investimento terá
de passar dos atuais 16,5% para algo como 22% do PIB. O setor privado pode
contribuir com uma parte desse aumento, mas devido à incerteza associada à
transição para uma economia de baixo carbono, o investimento do setor público
deverá aumentar significativamente. Para tanto, uma revisão do Novo Arcabouço
Fiscal será absolutamente necessária.
*Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)
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