Folha de S. Paulo
Reajuste do salário mínimo e alta de despesas
em saúde e educação vão apertar contas do governo
A conversa pública sobre uma nova reforma da
Previdência está de volta, faz um mês por aí. Quando não se trata de alterar
outra vez a maneira de calcular aposentadorias em geral, se diz que será
preciso evitar que o valor do piso dos benefícios do INSS acompanhe
o valor do salário
mínimo.
Além disso, sugere-se que sejam modificadas as normas da Previdência dos militares, que a idade de aposentadoria das mulheres seja equiparada à dos homens, que a aposentadoria rural do INSS se torne um benefício assistencial, como o BPC —na prática, a aposentadoria rural é um BPC disfarçado. Etc.
O motivo imediato da discussão é que a
despesa com Previdência em geral e com a das aposentadorias vinculadas ao
salário mínimo em particular vai crescer mais rápido do que a despesa total do
governo federal, que aumenta segundo um ritmo limitado pelo teto móvel de
gastos de Lula 3,
o "arcabouço fiscal".
Também crescem mais rapidamente as despesas
obrigatórias com saúde e educação.
O assunto se tornou motivo de alarme. Era,
porém, conhecido mesmo desde o início do ano passado. Em
entrevista a esta Folha,
em abril de 2023, Fernando
Haddad dizia que discutiria o problema com o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Faz pouco, soube-se que a conversa não progrediu e que, tão
cedo, parece, não haveria mudança. 2025?
Faz mais de três décadas, o aumento da
despesa federal deve-se, grosso modo, ao aumento da despesa com a Previdência
do INSS (RGPS).
Em 1997, a despesa federal, fora RGPS, era de
9% do PIB. Em 2002, logo antes de Lula 1, era de 10% do PIB. Agora, é de 11,6%
do PIB. A despesa com o RGPS era de 4,9% do PIB em 1997, de 5,9% em 2002 e
agora de 8,3% do PIB.
O aumento da despesa, fora RGPS, de 2002 para
2024 foi para o Bolsa Família,
que não existia antes de Lula 1 e agora está em 1,5% do PIB.
Basicamente, o aumento da carga tributária
foi destinado a cobrir o aumento da despesa com Previdência.
A despesa com Previdência (RGPS) é agora
41,6% da despesa federal total (não, aqui não tem despesa com juros, que não é
paga com dinheiro de impostos, mas com mais dívida).
Seria conveniente reformar também a
Previdência dos servidores públicos. Mas já houve reforma razoável para os
civis. Restam os militares. No entanto, a despesa com aposentadorias e pensões
dos militares equivale a 2,8% da despesa federal total (a dos civis, de 4,4%).
Por mais que se deva mexer na Previdência dos
militares, o ganho vai ser relativamente pequeno. Ressalte-se: o gasto com a
Previdência geral (RGPS) é de 41,6% da despesa total.
A reforma da Previdência de 2019 deu um jeito
provisório na situação, que talvez durasse por uma década. Mas: 1) o piso dos
benefícios do INSS voltou a ser reajustado no ritmo do aumento do salário
mínimo: inflação mais
crescimento do PIB do penúltimo ano: aumento real; 2) a população envelhece
rápido.
É problema para um pouco mais adiante, mas
vai estourar. De 2000 a 2010, a população crescia ao ritmo de 1,17% ao ano; de
2010 a 2022, a apenas 0,5% ao ano e caindo.
As despesas com Previdência, servidores,
Bolsa Família, seguro desemprego, abono salarial e BPC equivalem a 76,6% da
despesa federal. Juntando saúde e educação, dá 86,7%. O resto todo de governo,
Legislativo e Judiciário fica com uns 13%. Parte dessa despesa é bancada com
empréstimos (o governo tem déficit primário).
O aumento em curso da carga tributária e o
que virá (ou precisa vir) cobrirá apenas o déficit, se tanto. Mesmo assim a
dívida pública continuará crescendo: a receita não basta para pagar a conta de
juros.
É esse o motivo da conversa. Como lidar com a encrenca é também uma discussão política, um conflito social. Mas a encrenca está aí, com efeitos imediatos e de longo prazo.
Um comentário:
Muito bom o artigo.
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