Ministros tentam, no grito, evitar medidas
que possam atingir suas pastas, tratando áreas do Executivo como se fossem
feudos
Como sempre faz quando precisa arbitrar
questões delicadas que dividem aliados, o presidente Lula deixou prolongar-se
para muito além do razoável a novela a respeito do tal pacote de corte de
gastos. Com isso, atrapalha os benefícios que seu próprio governo pode colher
da iniciativa de mostrar que o arcabouço fiscal com que se comprometeu na
largada do mandato é factível e suficiente para garantir o equilíbrio das
contas públicas.
A romaria de ministros que Lula promoveu ao
longo da semana propiciou um movimento bizarro. Titulares das pastas se
manifestaram antes mesmo de qualquer anúncio, dizendo “comigo não, violão”.
Corte no gasto dos outros é refresco é a síntese de uma semana em que, de novo,
o tema andou em círculos.
Fernando Haddad é quem fica na fogueira, como
sempre, diante do método de Lula não decidir o que cabe apenas a ele. O mesmo
impasse pode ser visto noutros temas cruciais, como a decisão de explorar
petróleo na Margem Equatorial.
Luiz Marinho vociferou na semana passada que poderia pedir demissão caso o ajuste atingisse benefícios ligados ao Ministério do Trabalho. Lula perdeu a oportunidade de matar dois coelhos com uma cajadada.
Nesta quinta-feira foi a vez de o titular do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, se antecipar ao próprio chefe para
decretar — numa nota cheia de pontos de exclamação distribuída por ele próprio
à imprensa — que, na sua pasta, não haverá qualquer corte no Bolsa Família
(algo que nunca esteve em discussão) ou no Benefício de Prestação Continuada, o
BPC, este sim objeto de discussão quanto a mecanismos capazes de torná-lo menos
suscetível a fraudes e para conter o crescimento exponencial que vem apresentando
nos últimos anos.
Esse tipo de conduta deveria ser fortemente
condenada pelo presidente. É um sinal preocupante de falta de autoridade que
ministros tentem, no grito, evitar medidas que possam atingir suas pastas,
tratando áreas do Executivo federal como se fossem feudos particulares — o que
só agrava a percepção de agentes econômicos de que o cumprimento da meta fiscal
não é um compromisso geral da gestão, e sim uma cruzada que Haddad parece
travar sozinho, a duras penas.
Consta que o presidente levou um susto com a
escalada do dólar na semana passada. As reuniões convocadas por ele logo depois
das eleições municipais também sugeriam preocupação com as derrotas sofridas
pela esquerda em todo o país. Logo depois de declarar, de forma absolutamente
extemporânea, seu “apoio” a Kamala Harris, Lula teve de engolir a vitória de
Donald Trump. Por fim, o Banco Central aumentou o ritmo de alta dos juros,
manifestando preocupação com a inflação, a demora na definição das medidas fiscais
e o cenário externo.
Diante dessa conjunção de fatores adversos, o
que falta para convencer o presidente? Quanto mais demora, mais o ceticismo dos
que esperam as medidas fará com que elas sejam vistas sob a lente da
desconfiança, consideradas inconsistentes e insuficientes — ainda mais com
tanto ministro dando palpite e tentando salvar seu pirão da falta de farinha.
Não se pode deixar de louvar a paciência e a
discrição de Haddad enquanto seus colegas de Esplanada tentam, sem nem
disfarçar, pintá-lo como vilão imbuído da missão de fazer Lula trair seus
eleitores e atingir os mais pobres.
Todo esse fogo nada amigo dificulta que um
conjunto de medidas coeso e coerente, acompanhado de projetos legislativos,
seja apresentado à sociedade, ao mercado e ao Congresso de forma uníssona, com
uma narrativa que mostre que o objetivo não é fazer maldades, mas garantir que
o descontrole do déficit corroa a confiança no próprio governo e, por tabela,
os ganhos econômicos obtidos até aqui.
2 comentários:
terraplanismo econômico!!!
e ainda tem gente que leva esse governo e essa esquerda a sério....
na hora que a merda vier não adianta chamar o mercado de hipócrita e os analistas de pessimistas!
Feito
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