Financial Times / Valor Econômico
Trump prometeu em praticamente todos os
discursos de campanha desencadear a guerra comercial em que estamos agora
Devemos confiar nos instintos de Donald Trump, diz Mike Johnson, presidente da Câmara dos
Deputados dos Estados Unidos. Uma atitude mais sensata seria
Johnson e sua bancada correrem na direção oposta.
É tarde demais para os republicanos voltarem a ser um partido normal – a fé em Trump é o princípio que os une. Mas eles ainda poderiam agir como aliados fieis, convencendo Trump a recuar do precipício. Além dos cargos que ocupam, o futuro da economia mundial e a aposentadoria de cada americano dependem disso.
A tarefa dos republicanos é complicada pelo
fato de que Trump ainda acha que está ganhando. Tente se colocar no lugar dele.
Da teoria da conspiração lançada em 2011, de que Barack Obama não nasceu
nos Estados Unidos, à sua condenação como criminoso em 2024, passando por
tantos outros episódios, Trump é um alucinado com mania de grandeza cuja ilusão
mais entranhada – a de que ele é um vencedor imbatível – continua se
confirmando. Por que um pouco de turbulência no mercado o faria parar agora?
O ponto de partida é que Trump se vê como um
martelo e o resto do mundo, bem como metade dos EUA, como um prego. Às vezes o
martelo pode se concentrar em determinados pregos, ou amenizar sua força, mas
ele é sempre um martelo. É um mistério que alguns dos apoiadores mais próximos
de Trump, como o gestor
de fundos de hedge de Nova York Bill Ackman, estejam
surpresos com a guerra tarifária global. Trump
prometeu em praticamente todos os discursos de campanha desencadear a guerra
comercial em que estamos agora.
Raiva contra aliados e amigos
Ele vem culpando os outros países por
roubarem os EUA desde a metade dos anos 80. Observe que sua obsessão era com
o Japão, não
com a União Soviética. Trump sempre reservou sua maior raiva aos aliados e amigos.
Hoje, seu desprezo mais profundo é reservado à Europa e ao Canadá. Psicólogos
traçam paralelos com a partilha de bens que Trump tentou impor aos próprios
irmãos. Se o seu instinto é passar os outros para trás – inclusive os mais
próximos – você tende a presumir que todo mundo age do mesmo jeito.
O mistério é por que tantos – de bilionários
como Ackman a venezuelanos radicados na Flórida – se esforçaram tanto para não
enxergar Trump como ele realmente é. Um trilhão de comentários foram
desperdiçados, acusando pessoas de sofrer da “síndrome de aversão a Trump”. A
verdadeira síndrome afeta, na verdade, aqueles que insistem em ver no
presidente uma figura racional, ou que está travando um jogo de xadrez
econômico, onde isso não existe.
É possível argumentar que o mercado inteiro
sofre dessa ilusão. Pouco depois de despencar na manhã de segunda-feira (7), um
comunicado falso surgiu nas redes sociais dizendo que Trump iria anunciar uma
pausa na aplicação das tarifas nesta semana. Os mercados não só recuperaram as
perdas, como voltaram a subir. Todos esses ganhos, por sua vez, evaporaram
quando a Casa Branca desmentiu
a informação.
De dar inveja em imperadores romanos
Se um meme on-line pode transformar um
mercado em queda em um mercado em alta no espaço de um minuto, e depois
inverter tudo de novo, Trump tem o mundo na palma da mão. O simples rumor de
que ele talvez esteja agindo com sanidade já é suficiente para desencadear uma
alta. Imperadores romanos invejariam o poder de comando de um só gesto seu.
No entanto, em algum momento – talvez em
breve –, Trump poderá ser forçado a interromper ao menos parte das tarefas do
que ele chama de “dia
da libertação”. Isso vai provocar um grande rali de alívio
nas bolsas. Mas essa pausa será tão confiável quanto um pedaço de madeira à
deriva. O mesmo vale para as suas ameaças de impor uma nova tarifa de 50%
contra a China.
Japão, China e Índia em foco
Os mercados vão comemorar qualquer indício de
acordos bilaterais que Trump pretende firmar com países mais influentes – negociações com Japão, China e Índia devem ser
acompanhadas de perto.
Os investidores também deveriam prestar
atenção ao fato de que esses acordos serão fechados entre governos estrangeiros
e o próprio Trump, e não com o governo americano. Os departamentos do Tesouro,
Comércio e os representantes comerciais dos EUA geralmente ficam de fora das
negociações. Dada a ausência de limites claros entre o papel público de Trump e
seus interesses privados, o potencial para trocas que não têm nada a ver com
comércio é enorme.
Reação da UE
A ideia de que o impacto de Trump será
limitado à economia de bens comercializados também é uma ilusão. Estrangeiros
detêm uma parcela crítica da dívida do Tesouro americano. A manutenção da forte
demanda por um ativo cujo emissor vem perdendo a confiança do mundo é o que
separa uma recessão sob Trump de uma depressão sob Trump.
Nesse ponto, os governos da Europa parecem
ter um instinto mais apurado do que os mercados de ações e de renda fixa. Em
vez de escalar a guerra comercial, a União Europeia está considerando apenas um
conjunto modesto de retaliações. Não porque Bruxelas acredite que Trump vá
buscar a conciliação, mas porque teme que um ciclo de retaliações comerciais
acabe rompendo o sistema financeiro global.
"Passadores de pano"
Seja como for, esse momento de aprendizado
chega desnecessariamente tarde. Os que tentaram “passar pano” para Trump em
nome da sanidade perderam toda a credibilidade. Não há nenhuma escola de
realismo em política externa, ou de mercantilismo comercial, que possa explicar
as ações de Trump.
Se você quiser prever o rumo do mundo, estude a psicologia dele. Enquanto Trump estiver no comando, mantenha posição vendida em relação aos EUA.
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