quarta-feira, 9 de abril de 2025

Trump não faz ideia do que desencadeou com sua guerra tarifária - Edward Luce

Financial Times / Valor Econômico

Trump prometeu em praticamente todos os discursos de campanha desencadear a guerra comercial em que estamos agora

Devemos confiar nos instintos de Donald Trump, diz Mike Johnson, presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos. Uma atitude mais sensata seria Johnson e sua bancada correrem na direção oposta.

É tarde demais para os republicanos voltarem a ser um partido normal – a fé em Trump é o princípio que os une. Mas eles ainda poderiam agir como aliados fieis, convencendo Trump a recuar do precipício. Além dos cargos que ocupam, o futuro da economia mundial e a aposentadoria de cada americano dependem disso.

A tarefa dos republicanos é complicada pelo fato de que Trump ainda acha que está ganhando. Tente se colocar no lugar dele. Da teoria da conspiração lançada em 2011, de que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, à sua condenação como criminoso em 2024, passando por tantos outros episódios, Trump é um alucinado com mania de grandeza cuja ilusão mais entranhada – a de que ele é um vencedor imbatível – continua se confirmando. Por que um pouco de turbulência no mercado o faria parar agora?

O ponto de partida é que Trump se vê como um martelo e o resto do mundo, bem como metade dos EUA, como um prego. Às vezes o martelo pode se concentrar em determinados pregos, ou amenizar sua força, mas ele é sempre um martelo. É um mistério que alguns dos apoiadores mais próximos de Trump, como o gestor de fundos de hedge de Nova York Bill Ackman, estejam surpresos com a guerra tarifária global. Trump prometeu em praticamente todos os discursos de campanha desencadear a guerra comercial em que estamos agora.

Raiva contra aliados e amigos

Ele vem culpando os outros países por roubarem os EUA desde a metade dos anos 80. Observe que sua obsessão era com o Japão, não com a União Soviética. Trump sempre reservou sua maior raiva aos aliados e amigos. Hoje, seu desprezo mais profundo é reservado à Europa e ao Canadá. Psicólogos traçam paralelos com a partilha de bens que Trump tentou impor aos próprios irmãos. Se o seu instinto é passar os outros para trás – inclusive os mais próximos – você tende a presumir que todo mundo age do mesmo jeito.

O mistério é por que tantos – de bilionários como Ackman a venezuelanos radicados na Flórida – se esforçaram tanto para não enxergar Trump como ele realmente é. Um trilhão de comentários foram desperdiçados, acusando pessoas de sofrer da “síndrome de aversão a Trump”. A verdadeira síndrome afeta, na verdade, aqueles que insistem em ver no presidente uma figura racional, ou que está travando um jogo de xadrez econômico, onde isso não existe.

É possível argumentar que o mercado inteiro sofre dessa ilusão. Pouco depois de despencar na manhã de segunda-feira (7), um comunicado falso surgiu nas redes sociais dizendo que Trump iria anunciar uma pausa na aplicação das tarifas nesta semana. Os mercados não só recuperaram as perdas, como voltaram a subir. Todos esses ganhos, por sua vez, evaporaram quando a Casa Branca desmentiu a informação.

De dar inveja em imperadores romanos

Se um meme on-line pode transformar um mercado em queda em um mercado em alta no espaço de um minuto, e depois inverter tudo de novo, Trump tem o mundo na palma da mão. O simples rumor de que ele talvez esteja agindo com sanidade já é suficiente para desencadear uma alta. Imperadores romanos invejariam o poder de comando de um só gesto seu.

No entanto, em algum momento – talvez em breve –, Trump poderá ser forçado a interromper ao menos parte das tarefas do que ele chama de “dia da libertação”. Isso vai provocar um grande rali de alívio nas bolsas. Mas essa pausa será tão confiável quanto um pedaço de madeira à deriva. O mesmo vale para as suas ameaças de impor uma nova tarifa de 50% contra a China.

Japão, China e Índia em foco

Os mercados vão comemorar qualquer indício de acordos bilaterais que Trump pretende firmar com países mais influentes – negociações com Japão, China e Índia devem ser acompanhadas de perto.

Os investidores também deveriam prestar atenção ao fato de que esses acordos serão fechados entre governos estrangeiros e o próprio Trump, e não com o governo americano. Os departamentos do Tesouro, Comércio e os representantes comerciais dos EUA geralmente ficam de fora das negociações. Dada a ausência de limites claros entre o papel público de Trump e seus interesses privados, o potencial para trocas que não têm nada a ver com comércio é enorme.

Reação da UE

A ideia de que o impacto de Trump será limitado à economia de bens comercializados também é uma ilusão. Estrangeiros detêm uma parcela crítica da dívida do Tesouro americano. A manutenção da forte demanda por um ativo cujo emissor vem perdendo a confiança do mundo é o que separa uma recessão sob Trump de uma depressão sob Trump.

Nesse ponto, os governos da Europa parecem ter um instinto mais apurado do que os mercados de ações e de renda fixa. Em vez de escalar a guerra comercial, a União Europeia está considerando apenas um conjunto modesto de retaliações. Não porque Bruxelas acredite que Trump vá buscar a conciliação, mas porque teme que um ciclo de retaliações comerciais acabe rompendo o sistema financeiro global.

"Passadores de pano"

Seja como for, esse momento de aprendizado chega desnecessariamente tarde. Os que tentaram “passar pano” para Trump em nome da sanidade perderam toda a credibilidade. Não há nenhuma escola de realismo em política externa, ou de mercantilismo comercial, que possa explicar as ações de Trump.

Se você quiser prever o rumo do mundo, estude a psicologia dele. Enquanto Trump estiver no comando, mantenha posição vendida em relação aos EUA.

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