Correio Braziliense
O caso de Juscelino é apenas a ponta de um
iceberg na Câmara dos Deputados, para a qual o ministro volta, com as
prerrogativas de imunidade parlamentar
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho,
decidiu pedir demissão do cargo após ser denunciado por corrupção pela
Procuradoria-Geral da República (PGR). Suspeito de participação em esquema de
desvio de verbas, a situação do ministro na Esplanada se tornou insustentável,
ainda mais porque já estava exposto a desgastes desde quando foi indiciado pela
Polícia Federal no ano passado. À época, ele acusou a PF de realizar uma
"ação política" e questionou as ações da corporação.
Juscelino é acusado de ter desviado recursos públicos no montante de R$ 5 milhões para a cidade de Vitorino Freire, no Maranhão, cuja prefeita é a irmã dele, para asfaltar uma estrada que dá acesso a propriedades da família. A PF também apontou fraude na licitação para fazer a pavimentação. Ontem, a PGR enviou a denúncia ao gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso. A situação criou um enorme constrangimento para o governo. O ministro nega qualquer irregularidade.
Gato escaldado por causa da Lava Jato, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda no fio da navalha quando surge alguma
denúncia contra um de seus ministros. De um lado, faz uma veemente defesa do
direito à presunção de inocência dos investigados, o que o impede de demiti-los
de pronto; de outro, porque o tema da ética é uma das questões mais sensíveis
para seu governo, para o qual qualquer escândalo de corrupção pode ser fatal do
ponto de vista de imagem, devido à memória do mensalão e da Lava Jato.
A ministra das Relações Institucionais (SRI),
Gleisi Hoffmann, e o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, já estão
negociando a substituição de Juscelino na pasta. O indicado pela legenda é o
líder do União na Câmara, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA). Hoje,
provavelmente, a saída do ministro será formalizada com o rito tradicional:
deixará o cargo para cuidar da própria defesa.
O caso de Juscelino é apenas a ponta de um
iceberg na Câmara dos Deputados, para a qual o ministro volta, com as
prerrogativas de imunidade do mandato parlamentar, entre as quais o direito ao
sigilo das investigações. As apurações sobre emendas parlamentares no Brasil
decorrem de suspeitas de desvio de recursos públicos, corrupção, favorecimento
político e mau uso do dinheiro destinado a obras e projetos nos estados e
municípios.
São emendas propostas por deputados ou
senadores, geralmente para seus redutos eleitorais. No caso do chamado
orçamento secreto (RP9), descobriu-se que bilhões de reais em emendas de
relator eram distribuídos sem critérios públicos claros, favorecendo aliados do
governo. Há várias operações em curso, envolvendo dezenas de parlamentares.
As investigações
Em 3 de abril de 2025, a PF, em conjunto com
a Controladoria-Geral da União (CGU), deflagrou a terceira fase da Operação
Overclean. Foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão em Salvador, São
Paulo (SP), Belo Horizonte e Aracaju. A investigação apura um esquema de
corrupção e desvio de R$ 1,4 bilhão em recursos públicos, envolvendo
superfaturamento de contratos e fraudes em licitações relacionadas a
prefeituras e ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Os
crimes teriam ocorrido entre 2018 e 2024 e envolvem pessoas ligadas a oito
partidos políticos: MDB, PP, PSD, PSDB, PT, Republicanos, Solidariedade e União
Brasil.
A Operação EmendaFest, deflagrada em 13 de
fevereiro de 2025, investiga desvios de recursos públicos provenientes de
emendas parlamentares destinadas a um hospital no Rio Grande do Sul. Foram
cumpridos 11 mandados de busca e apreensão e dois de busca pessoal. Entre os
alvos, estão Cliver André Fiegenbalfm, diretor administrativo e financeiro da
Metroplan, e Lino Rogério da Silva Furtado, secretário parlamentar do deputado
federal Afonso Motta (PDT-RS). Ambos foram afastados de suas funções públicas.
Essas investigações geraram um impasse entre
o Supremo e os líderes do Congresso, depois que Flávio Dino, às vésperas do
Natal do ano passado, determinou a suspensão do pagamento de 5.449 emendas de
comissão, que somam R$ 4,2 bilhões do Orçamento da União, por falta de
transparência. Diante da suspeita de irregularidades nas emendas, o ministro
determinou a abertura de investigação pela Polícia Federal. A aprovação do
Orçamento da União foi suspensa até que se chegasse a um acordo com relação aos
critérios de transparência para distribuição das emendas.
Em março de 2025, o Congresso Nacional
promulgou a Resolução 1/25, estabelecendo novas regras para a apresentação e
indicação de emendas parlamentares ao Orçamento. Entre as principais alterações
estão a obrigatoriedade de atas públicas das reuniões que decidem sobre as
emendas e a exigência de justificativas detalhadas para as emendas de comissão
e de bancada estadual.
Essas ações refletem um esforço contínuo para
aumentar a transparência e a fiscalização no uso das emendas. Em segredo de
justiça, os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia são responsáveis pelo maior
número de inquéritos, com três casos sob a relatoria de cada um. Os ministros
Luiz Fux, Nunes Marques e Cristiano Zanin relatam dois inquéritos cada,
enquanto o ministro Gilmar Mendes é responsável por um inquérito sobre
corrupção em emendas no Ceará.
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