Valor Econômico
Governo precisa dar mais atenção à política,
à manutenção das forças que podem manter Lula no poder
Concebido para dar um empuxo nos índices de
avaliação do governo, que se encontram em um nível que pode levar o projeto da
reeleição a naufragar, o evento promovido pela Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República na quinta-feira (3) estava atrasado em cerca de uma
hora quando uma voz solitária na plateia rompeu o burburinho. “Olê, olê, olê,
olá; Lula, Lula”, gritou o militante, na expectativa de iniciar o cântico com o
qual frequentemente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é recebido em
solenidades públicas. Ele obteve, porém, pouquíssimas adesões.
Ficou a impressão de que a pesquisa Genial/Quaest, divulgada na véspera mostrando a difícil situação do governo, deixara parte da plateia desanimada. Vários ministros já estavam acomodados nas primeiras cadeiras do auditório. A fila ainda era grande na entrada, onde cartilhas detalhando realizações de diversas áreas do Executivo eram distribuídas em tamanho grande e de bolso. Mas a militância só inflamou para valer quando alguém teve a ideia de puxar o coro pregando que os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é claro, não sejam contemplados com uma anistia pelo Congresso Nacional.
Dias depois, Bolsonaro levou milhares de
pessoas a um ato na avenida Paulista, em São Paulo, para defender a anistia aos
condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento ao ataque das
sedes dos três Poderes. Demonstrou capacidade de mobilização, mas logo na
sequência o Datafolha divulgou pesquisa apontando que a repulsa à anistia é
compartilhada pela maioria dos brasileiros. Em outras palavras, fura a bolha
petista.
É preciso ponderar que há uma relativa queda
nesse sentimento: um ano atrás, a rejeição ao perdão foi de 63% para 62%,
chegando agora a 56%. Além disso, há um ano 31% eram a favor da anistia,
percentual que variou para 33% em dezembro passado e neste mês subiu para 37%.
Mas, por outro lado, 52% dos entrevistados responderam que Bolsonaro deve ir
para a cadeia. O Datafolha entrevistou 3.054 pessoas com mais de 16 anos em 172
cidades de 1º a 3 de abril. A margem de erro máxima é de dois pontos, para mais
ou menos, para o total da amostra.
O mesmo instituto apurou que a avaliação
positiva do governo federal avançou em relação a fevereiro deste ano, de 24%
para 29%, embora continue menor que o nível de 35% registrado em dezembro.
Ainda assim, Lula lidera todos os cenários de intenção de voto para presidente
em 2026 e tem como adversário mais competitivo Jair Bolsonaro, tornado
inelegível até 2030 pela Justiça Eleitoral. No segundo turno, o presidente
também aparece à frente de todos os demais concorrentes testados, com vantagem
menor sobre seu antecessor e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos).
No entanto, o que poderia ser um alento para
aliados do petista está servindo de alerta. Isso porque contra Bolsonaro e
Tarcísio ele alcança 49% e 48% das intenções de voto, respectivamente. Ou seja,
menos do que os 50,9% dos votos válidos que garantiram a sua vitória em 2022.
Esse cenário reforça o argumento de ministros
que não são do PT e defendem a manutenção da frente ampla que possibilitou a
vitória de Lula no último pleito. Pondera-se, nesse contexto, que é inegável
que o presidente tem um piso de votos capaz de garantir sua ida para um
eventual segundo turno. Contudo, em contrapartida, parece haver um teto a
limitar seu desempenho numa reta final de campanha.
“É um sinal preocupante, pois chega ao limite
da reeleição”, alerta uma fonte, para quem um teto de 48% ou 49% demonstra que
“o presidente não ganha sozinho”. Como consequência, portanto, é preciso pensar
na composição da chapa governista de 2026. Uma boa fórmula pode reduzir a
preocupação do eleitorado com a saúde do presidente ou mitigar o cansaço com o
jeito de Lula conduzir o país, sobretudo diante da conclusão de que a
disposição de afastar o bolsonarismo do Planalto ainda é, em tese, capaz de
unir mais da metade do eleitorado.
Sob essa ótica, o “processo de travessia” em
defesa do Estado Democrático de Direito não se limitou ao pleito de 2022. Na
verdade, vai até 2030 e inclui a eleição presidencial de 2026, uma vez que um
aliado de Bolsonaro pode se comprometer a indultar os envolvidos nos atos
golpistas para obter o apoio do ex-presidente.
Agora, diferentes alas do governo concordam
que o desafio do presidente é “vender esperança” de que as condições de vida
irão melhorar e, ao mesmo tempo, apresentar entregas concretas. Mostrar que o
governo está presente para solucionar os principais problemas do país.
O Palácio do Planalto está trabalhando neste
campo, tendo como palavra de ordem a frase segundo a qual “não existe política
sem gestão”. Cobra-se, também, mais envolvimento dos ministros de partidos
aliados na defesa do governo. Contudo, algo a equacionar é que esses mesmos
ministros demandam mais projeção de suas ações e acesso ao presidente. Sinal de
que o governo precisa dar mais atenção à política, à manutenção das forças que
podem reforçar o coro de “sem anistia” e manter Lula no poder.
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