Folha de S. Paulo
Para o presidente americano, só há dois tipos
de jogos: aqueles em que ele ganha e aqueles em que os outros jogaram sujo
Dizer, como tenho feito repetidamente nesta
coluna, que não há nenhuma estratégia sofisticada por trás das ações de Donald Trump não
é o mesmo que dizer que tudo é burrice e ignorância. Também não é o mesmo que
dizer que as suas ações primam pela irracionalidade, o que no fundo seria
pressupor que elas fossem meramente táticas, como defendem aqueles que
acreditam que as tarifas
de Trump são absurdas a não ser como tática negocial.
Nada disso. A minha tese é a seguinte: existe
uma lógica simples que explica as ações de Trump. Essa lógica é a do vigarista
com medo de ser otário.
Para quem é vigarista, como Trump tem demonstrado ser em toda a sua carreira desde que começou por não pagar a fornecedores e a tentar despejar inquilinos nos seus tempos de magnata do mercado imobiliário, todo o mundo é otário.
No início, o vigarista está embevecido com o
superpoder que descobriu em si mesmo. Se não seguir as regras comuns da
honestidade e do respeito mútuo, se não tiver vergonha na cara, se estiver
disposto a tirar vantagem de todas as relações, o mundo é seu. Como qualquer
psicopata, o vigarista não ganha apenas pela sua capacidade de violar limites;
ele ganha pela nossa boa educação, pelos nossos escrúpulos, ou seja, pela nossa
incapacidade de violar esses mesmos limites.
Com o tempo, porém, o vigarista começa
forçosamente a questionar-se: "se eu ganho fazendo assim, por que é que os
outros não fazem o mesmo a mim?" Aí o mundo do vigarista começa a
distinguir entre duas categorias de pessoas: os otários e os que poderiam ser
vigaristas como ele.
Como é natural nestes casos, o vigarista fica
obcecado pela projeção. Medindo os outros com sua própria régua, ele desenvolve
a paranoia de que em todas as transações só há dois resultados possíveis: ou
ele ganha, vigarizando com sucesso os outros; ou, se não ganha, isso é sinal de
que foi vigarizado pelos outros. Na sua mente não cabem os jogos que não sejam
de soma nula. Se alguém está a ganhar, é porque ele está a perder.
Esta lógica simples explica-nos a visão que
Trump tem do comércio
global. Para ele, o mero fato de que um país tenha com os Estados
Unidos uma balança comercial positiva é uma injustiça. Pior, é sinal
de que alguém tirou vantagem dos Estados Unidos e os vigarizou. Para Trump
também só há dois tipos de jogos: aqueles em que ele ganha e aqueles em que os
outros jogaram sujo.
De caminho, esta explicação ajuda a entender
a fórmula que o governo Trump utilizou para definir as suas "tarifas
adicionais". Como vários especialistas apontaram, elas não
fazem qualquer sentido macroeconômico. Mas fazem todo o sentido psicológico
para a mente do vigarista que ficou obcecado com ser otário.
Se eu estiver certo, há uma conclusão
inquietante a retirar de tudo isso: é que não vale a pena negociar
com Trump. Nada o convencerá a reintroduzir justiça num jogo cujas regras
ele não aceita, a não ser que a vitória lhe seja dada à partida. A única saída
é os países que ainda reconhecem as regras do jogo reforçarem os laços
comerciais entre si, deixando a birra de Trump passar sozinha.
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