quarta-feira, 9 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Maioria contrária tira fôlego de ofensiva pela anistia

Folha de S. Paulo

Segundo o Datafolha, 56% se opõem a perdão aos condenados pelos ataques de 8/1; penas exageradas merecem revisão do STF

Algumas dezenas de milhares de brasileiros foram à avenida Paulista em São Paulo, no último domingo, dispostos a defender anistia para Jair Bolsonaro (PL) —que ainda enfrentará julgamento por tentativa de golpe de Estado —e a turba que invadiu as sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023. Eles são minoria na população do país.

Datafolha apurou que 56% dos brasileiros aptos a votar se declaram contra o perdão aos já condenados por golpismo, ante 62% em dezembro. Os favoráveis passaram de 33% para 37%.

Numa sinalização mais aziaga para o ex-presidente, 52% acham que ele deveria ser preso por ter liderado planos contra o resultado das eleições de 2022 —os que se opõem ao encarceramento são 42%. A margem de erro da pesquisa, que entrevistou 3.054 eleitores entre os dias 1º e 3 de abril, é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Mesmo sem recurso a sondagens estratificadas, parlamentares, que costumam manter contato com suas bases, já haviam concluído que o ambiente não é propriamente favorável à anistia, tanto que o projeto de lei que a estabelece vem encontrando dificuldades para avançar.

Os bolsonaristas precisam de mais de 60 assinaturas para fazer com que a proposta tramite em regime de urgência. Já percebem, ademais, que têm de agir com cuidado para que a pressão não produza efeitos contrários aos desejados. Tiveram de desistir de táticas mais agressivas, como divulgar um placar com as fotos dos indecisos.

Ainda que consigam a urgência, o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou que não facilitará a causa oferecendo atalhos para a tramitação. Soma-se, assim, ao presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP), que foi enfático ao afirmar que o tema não é prioridade do Congresso Nacional.

O clima tende a ser menos adverso aos bolsonaristas no que diz respeito ao tamanho das penas. Embora centenas de denunciados no movimento que culminou no 8/1 tenham firmado acordos de não persecução penal e puderam ir para casa apenas com pagamento de multa e outras sanções menores, alguns dos réus foram condenados a até 17 anos de reclusão.

A população se divide: 34% consideram tais penas adequadas, enquanto 36% gostariam de vê-las reduzidas, e 25%, aumentadas. Entre especialistas, porém, a avaliação majoritária parece ser a de que o Supremo Tribunal Federal (STF) exagerou. Se a infantaria do golpe pegou até 17 anos, a quantas décadas teriam de ser condenados os cabeças da intentona?

Existem, porém, caminhos judiciais para rever eventuais exageros que não passam pela anistia nem por indulto ou graça —e o Supremo fará bem em reexaminar sua dosimetria.

É fundamental para o futuro da democracia que as pessoas que contra ela tenham atentado sejam processadas com o rigor e as garantias do Estado de Direito.

MEC quebra o silêncio, mas faz apenas sua obrigação

Folha de S. Paulo

Pasta divulga dados, que havia engavetado, sobre alfabetização; indicador não melhorou em relação ao ano pré-pandemia

A divulgação dos dados sobre alfabetização do Sistema de Avaliação da Educação Básica de 2023, na quinta (3), evidencia a importância do princípio da transparência, que vem sendo tratado com desmazelo pelo Ministério da Educação.

O Saeb testa competências em português e matemática de todos os alunos do país que estão nos 5º e 9º anos do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio. Desde 2019, o nível de português no 2º ano do fundamental e de ciências nos 5º e 9º anos são medidos numa amostra de escolas.

No caso das provas censitárias (aplicadas a todos os alunos), as notas geram médias para escolas, municípios, estados e o país; já as amostrais (a grupos limitados de escolas) fornecem médias apenas a estados e ao país.

Em agosto de 2024, ao mostrar os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, formado pelas notas do Saeb e as taxas de aprovação, o MEC omitiu os números do 2º ano do fundamental —no qual alunos de 7 ou 8 anos devem saber ler e escrever.

Três meses antes, o ministro da Educação, Camilo Santana, havia alardeado que a taxa de alfabetização nessa série havia superado a taxa anterior à pandemia, chegando a 56% em 2023 —em 2019, era de 55%; em 2021, caiu a 36%.

Naquela ocasião, não se empregou o Saeb, mas uma testagem censitária realizada pelos estados ao final de 2023.

Como revelou a Folha, o Instituto Nacional de Estudos Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pela avaliação, decidiu engavetar os dados relativos ao 2º ano do fundamental do Saeb. Só após a repercussão negativa, Santana ordenou a liberação.

Segundo esse resultado, a taxa de alfabetização, de 49%, ficou abaixo do patamar pré-crise sanitária. O Inep alega que não o divulgou devido a problemas estatísticos nas médias dos estados, com alguns tendo margem de erro de 21%. Mas, para a média nacional, a margem é de 2,88 pontos, variação comum em pesquisas.

O MEC tinha a obrigação de publicar os números e explicar discrepâncias. Ao não fazê-lo, criou desconfiança sobre sua gestão de dados e dúvidas acerca de possível motivação política.
Agora, com o salutar escrutínio da sociedade civil, o governo precisa analisar seus sistemas de avaliação para detectar deficiências.

Deve, ainda, apresentar o Censo Escolar de 2024 e o Enade, exame do ensino superior, de 2023. O primeiro está há dois meses atrasado, o segundo, há sete meses.

O Brasil tem taxa precária de alfabetização, entre outros gargalos no ensino, e silêncio não traz avanços em políticas públicas.

É um erro excluir receita do Judiciário das regras fiscais

O Globo

STF prejudica controle das contas públicas ao decidir em causa própria e preservar recursos dos juízes

É preocupante a formação de maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) em favor de retirar as receitas obtidas pelo Judiciário federal do cálculo dos limites impostos pelo arcabouço fiscal. A decisão em causa própria vem num momento em que o país enfrenta uma crise grave nas contas públicas, e o Executivo tem sido titubeante no compromisso com a responsabilidade fiscal. Não tem faltado em Brasília “criatividade contábil” para driblar as regras já frouxas do arcabouço. Essas manobras parafiscais incluem financiamentos de fundos estatais ou crédito subsidiado pelo BNDES. Poderão alcançar, de acordo com certas estimativas, 1% do PIB ao final deste ano, ante 0,5% em 2024 (o Ministério da Fazenda contesta esses números).

O novo drible do STF preserva os gastos realizados com o dinheiro que os tribunais arrecadam com emolumentos, com custo de processos e com outros serviços prestados — ao todo, essa arrecadação somou R$ 2 bilhões no ano passado. Ao excluir esse valor das receitas apuradas pelas regras fiscais, automaticamente o limite de despesas também cai, pela fórmula do arcabouço. Resultado: enquanto todas as demais áreas do governo precisarão economizar para cumprir as metas, o Judiciário manterá esses recursos livres para gastar sem restrições. Na prática, o Supremo passou a conta adiante. Num momento em que o país corta investimentos em infraestrutura ou na saúde, o dinheiro dos juízes estará garantido.

O julgamento no STF foi motivado por uma ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sustentando que a lei do arcabouço previu exceções: não estão, na base usada para calcular o teto dos gastos, as receitas próprias de universidades públicas federais ou instituições científicas. O paralelo é, porém, imperfeito. Esses centros geram valor por meio de consultorias ao setor privado, produtos e contribuições à sociedade. A origem das receitas do Judiciário é outra. São serviços públicos, equivalentes aos prestados por qualquer departamento do governo.

O artigo 99 da Constituição assegura autonomia administrativa e financeira ao Judiciário, mas dentro de parâmetros claros. Os tribunais elaboram sua proposta orçamentária de acordo com os limites estipulados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Deveriam, portanto, estar sujeitos às mesmas restrições que o resto do governo. Mas a AMB, conhecida pela defesa intransigente dos penduricalhos e outros privilégios dos juízes, enxergou mais uma brecha — e o STF decidiu isentar o Judiciário. Tem sido assim, de bilhão em bilhão, que o controle dos gastos, já tíbio, vai enfraquecendo.

É flagrante o contraste entre o tratamento dado aos tribunais e a outros organismos do Estado. Enquanto os recursos para investimentos públicos têm ficado abaixo do necessário há muitos anos, os do Judiciário têm crescido. O relatório do Tesouro Nacional divulgado em fevereiro mostra que o Brasil gasta o equivalente a 1,43% do PIB com seus tribunais, mais que o dobro dos países emergentes e o quádruplo das economias avançadas. Não é razoável que um Judiciário com tanto dinheiro queira afrouxar ainda mais o cinto em momento tão difícil para o país.

Congresso deve dar prioridade à aprovação da PEC da Segurança

O Globo

Parlamentares podem contribuir com ajustes, mas sem desfigurar o texto — e com senso de urgência

Foi auspiciosa a recepção do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que amplia a atuação do governo federal no combate às organizações criminosas. Depois de nove meses de discussão, o texto foi apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, ao Congresso nesta terça-feira. Motta prometeu dar “total prioridade” à tramitação.

A despeito da boa vontade, não se espera que ela seja fácil. Desde que foi anunciada, a PEC vem enfrentando resistência de gestores e líderes da oposição. Governadores, especialmente do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, alegam que a proposta tira autonomia dos estados. O líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), chegou a dizer que o texto representa um “golpe federativo” e que seria rejeitado no Congresso.

As resistências à PEC levaram Lewandowski a rever o texto, para deixar explícito que o governo federal pretende colaborar, e não substituir os estados no combate ao crime. Paralelamente, dialogou com governadores e incorporou sugestões. Se não obteve unanimidade, ao menos atenuou a artilharia contra a proposta.

A PEC tem muitos pontos positivos. O maior deles é dar ao governo federal papel central no enfrentamento à violência, sobretudo no que diz respeito ao crime organizado. Está claro, tanto pelos indicadores quanto pela realidade das ruas, que os estados não dão conta de combater sozinhos organizações criminosas cuja atuação extrapola até os limites nacionais. Entre outros pontos, a proposta amplia as atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, fortalece o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e prevê o compartilhamento de dados entre as forças da lei. Tudo isso já deveria ter sido feito faz tempo.

Idiossincrasias políticas não podem encobrir o óbvio. Grandes extensões do território brasileiro estão dominadas por traficantes e milicianos. A omissão recorrente do Estado ao longo de décadas deu a esses criminosos a sensação de que podem mandar e desmandar. Erguem barricadas, extorquem os moradores, se apoderam de serviços essenciais, ameaçam empresas, roubam e matam sem piedade. Não se pode dizer que a polícia não faz nada. Mas o que tem feito não é suficiente. As áreas dominadas pelo crime só fazem crescer.

A PEC da Segurança não resolverá todos os graves problemas do país na área, mas pode tornar mais racional e eficaz a luta contra as organizações criminosas. Governos federal, estaduais e municipais certamente obterão melhor resultado atuando de forma integrada, com uso de inteligência e investigações financeiras das quadrilhas. Se a proposta do governo não é ideal, que os congressistas façam os ajustes necessários, mas sem desfigurá-la. O importante é que tenham senso de urgência. Ninguém aguenta mais tanta violência.

País precisa de regras claras para limitar ‘supersalários’

Valor Econômico

Já passou da hora de o Congresso, o Executivo e o Judiciário debaterem de forma séria, junto com a sociedade civil, como acabar com os auxílios que furam o teto constitucional

O Brasil vive “um quadro de verdadeira desordem” com a multiplicação desenfreada de penduricalhos que inflam os salários do Judiciário. A opinião é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também expressa o sentimento da maioria dos brasileiros. São frequentes as notícias sobre os privilégios que violam o teto do funcionalismo previsto na Constituição e escassas as propostas para solucionar o problema. É preciso que o país abra um debate sério e urgente sobre como acabar com mais esse descalabro com as contas públicas.

Apenas as remunerações acima do teto custaram quase R$ 7 bilhões no ano passado, segundo levantamento realizado por O Globo (17/02). Não bastasse o flagrante drible no limite constitucional, a profusão de benesses eleva ainda mais os custos do sistema judicial brasileiro, um dos mais caros do mundo ao consumir 1,33% do Produto Interno Bruto (PIB). Trata-se do segundo percentual mais alto entre 50 países analisados em relatório divulgado em fevereiro pelo Tesouro Nacional, com dados de 2022, atrás apenas de El Salvador. A média internacional é de 0,3% do PIB, enquanto a dos emergentes, caso do Brasil, chega a 0,5% do PIB.

Os “novos penduricalhos e gratificações” estampados “a toda hora pelos jornais”, com os quais o decano do STF expressou desconforto durante evento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também têm pressionado a conta dos Estados. Os governos estaduais gastaram R$ 3,3 bilhões a mais do que o previsto em 2023 para cobrir os custos do sistema de Justiça, segundo estudo do centro de pesquisa Justa (O Globo, 04/02). Em alguns casos, o ritmo de crescimento das despesas com os tribunais é até três vezes maior do que o restante do Orçamento, superando os desembolsos para áreas como habitação e saneamento.

De fato, o que era para ser exceção tornou-se corriqueiro. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado foram pagos mais de 64 mil salários brutos superiores a R$ 100 mil - mais do que o dobro do valor do teto, de R$ 46.366,19. Atualmente, um juiz recebe mais de R$ 65,5 mil ao mês, já deduzidos os impostos e a contribuição previdenciária, valor 40% maior que o limite constitucional (Bruno Carazza, Valor, 31/03). Há ainda os casos extremos, e não tão isolados, que despertam atenção e indignação da população. Em dezembro, por exemplo, o maior contracheque pago a um magistrado continha a exorbitante cifra de R$ 788.358,05.

No geral, os vencimentos têm sido inflados por verbas indenizatórias que, na maior parte das vezes, escapam da incidência de imposto de renda. Na prática, os penduricalhos, como as gratificações e outras benesses, acabam servindo de disfarce para aumentos salariais. A lista de benefícios é longa. Fora os comuns na iniciativa privada, como auxílio saúde, auxílio alimentação e gratificação natalina, há ainda casos como o da licença prêmio, adotada pela maior parte dos tribunais, e que dá o direito de três meses de descanso a cada cinco anos trabalhados. Como é comum converter os dias de folga em acréscimo ao salário, há casos em que os magistrados chegam a receber até R$ 60 mil a mais por mês.

A ideia de que a Justiça precisa ter autonomia orçamentária, forma de evitar depender do Executivo, não justifica os supersalários que têm sido pagos às elites dos tribunais e das procuradorias, ainda que a magistratura tenha razão em exigir um plano de carreira único, hoje inexistente, que corrija a pouca distância entre os valores de entrada e o topo da carreira. O argumento tampouco é válido para excluir do arcabouço fiscal verbas obtidas pelo Judiciário para custeio próprio, como recentemente votado pelo STF. Em um país que vive situação fiscal delicada e tenta conter a expansão de sua crescente dívida, rever gastos deveria ser dever de todas as esferas do poder público, não só do Executivo.

No caso dos penduricalhos, as recentes medidas para contê-los são, no mínimo, ilógicas. A decisão do ministro Mauro Campbell Marques, corredor do CNJ, de restringir as verbas indenizatórias acrescidas ao salário a R$ 46.336,19, o próprio limite constitucional, acaba por criar um “teto duplo” para a categoria, sem incidência de IR, enquanto o governo tenta aprovar no Congresso uma isenção para quem ganha até R$ 5 mil. Por sua vez, o PL dos Supersálarios, proposto pelo governo e que está mofando nas gavetas do Congresso, contém tantas brechas que mais serviria para legalizar as benesses do que para corrigi-las.

Já passou da hora de o Congresso, o Executivo e o Judiciário debaterem de forma séria, junto com a sociedade civil, como acabar com a farra dos supersalários e os auxílios que furam o teto constitucional. O país precisa de uma legislação detalhada sobre gratificações e indenizações, sem margem para dribles que distorçam as circunstâncias em que devem ser pagas ou que ampliem quem tem direito a recebê-las.

Que Hugo Motta continue resistindo

O Estado de S. Paulo

Presidente da Câmara vira alvo do bolsonarismo por resistir a pautar a anistia aos golpistas, algo que não interessa ao País, somente aos que querem reabilitar o líder dos golpistas

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tornou-se um dos principais alvos do bolsonarismo mais empedernido. A estridência dos ataques ao deputado tem aumentado à medida que também cresce a ansiedade de Jair Bolsonaro diante da inexorabilidade de seu infausto destino penal e político. Isso ficou claro durante o ato supostamente em defesa da anistia aos golpistas do 8 de Janeiro realizado no dia 6 passado, na Avenida Paulista, quando Motta foi duramente atacado do alto do carro de som em razão de sua resistência a pautar a “urgência” do chamado Projeto de Lei (PL) da Anistia.

A cautela de Motta ao não apressar a eventual tramitação do PL da Anistia está amparada na correta leitura do parlamentar paraibano sobre o grau de importância desse tema para a sociedade. De forma prudente e politicamente realista, Motta dá sinais de que enxerga um Brasil que os bolsonaristas não querem ver, seja por convicção, seja por interesse. Trata-se de um Brasil que não tem a anistia aos golpistas – em particular ao maior de todos, Bolsonaro – no topo de seu rol de preocupações. Em claro recado político, o presidente da Câmara afirmou ontem que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, essa sim, será uma “pauta prioritária” na agenda legislativa, em total consonância com as preocupações reais dos brasileiros.

Se o PL da Anistia é incapaz de mobilizar a sociedade em sua defesa, esse desinteresse tem reflexos diretos no comportamento dos partidos que compõem o Centrão, grupo que há décadas tem sido o fiel da balança em quase todas as votações polarizadoras no Congresso. O Centrão já entendeu, Hugo Motta inclusive, que a anistia aos golpistas não é uma agenda do Brasil. Não é nem sequer uma agenda da direita democrática – é uma pauta exclusiva de Bolsonaro e dos que a ele teriam se associado na tentativa de golpe para impedir a posse do presidente Lula da Silva. Tanto é assim que o próprio ex-presidente, sentindo-se desprestigiado politicamente em razão de sua condição de inelegível e réu em ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), subiu o tom nas cobranças pelo avanço do projeto da anistia durante a manifestação em São Paulo.

Ao que tudo indica, o Congresso, em geral, e o Centrão, em particular, estão deixando o PL da Anistia morrer de inanição à luz do dia porque já dão como certo o fato de que Bolsonaro não será candidato em 2026. Logo, encampar para valer o tema da anistia significa dar sobrevida à tese delirante de que Bolsonaro ainda poderá concorrer à Presidência, o que atrasaria a formação de uma chapa competitiva de direita para enfrentar o ainda favorito Lula da Silva. É o tipo de erro que o Centrão não costuma cometer.

Hugo Motta tem mostrado maturidade ao tratar do tema da anistia – inclusive ao fazer movimentos por uma revisão das duras penas impostas pelo STF a alguns dos condenados pelo 8 de Janeiro. O presidente da Câmara tem agido com notável senso de responsabilidade institucional à frente da Casa, haja vista que a eventual anistia aos que participaram do maior ataque à ordem constitucional vigente desde 1988 é simplesmente inaceitável. Não é trivial manter essa atitude republicana em um ambiente tão contaminado pelo radicalismo.

Do ponto de vista pragmático, Motta também parece compreender o que setores mais extremados do bolsonarismo fingem ignorar: a sociedade, em sua maioria, não compartilha do desejo de absolvição sumária para aqueles que atentaram contra o Estado Democrático de Direito. A tentativa de golpe promovida por vândalos políticos, e não “perseguidos políticos”, ademais, não pode ser simplesmente apagada ou reescrita como um suposto ato de “bravura” ou “patriotismo”, nem tampouco como uma manifestação política “legítima”.

Que o sr. Motta continue resistindo àqueles que querem fazer da anistia a golpistas uma agenda de interesse nacional. O único objetivo dessa iniciativa desarrazoada, seletiva e oportunista é reabilitar politicamente Jair Bolsonaro e preservar a coesão de um movimento radicalmente antidemocrático que nunca quis o bem do Brasil.

Fissuras no mundo de Trump

O Estado de S. Paulo

Por mais excêntricas que fossem suas políticas no novo mandato, não se chocavam diretamente contra as convicções republicanas e o bolso da classe média como faz a sua ofensiva tarifária

Donald Trump emergiu das urnas em novembro passado parecendo mais forte do que nunca, com a maioria na Câmara, no Senado e no voto popular. Aproximando-se da marca dos cem dias, Trump aproveitou uma oposição desnorteada para “se mover rápido e quebrar coisas”, como diz o mantra do Vale do Silício. Mas até o momento, por mais controversas e excêntricas que fossem suas políticas e por mais atabalhoada e agressiva que fosse a sua implementação, elas estavam de algum modo alinhadas à agenda dos republicanos. À parte os eleitores Maga, o que fez a balança pesar a seu favor nas urnas foi um grupo diverso unido pelo descontentamento com os preços altos. O seu pacote tarifário, contudo, atinge em cheio tanto as convicções de republicanos tradicionais quanto o bolso dos eleitores comuns.

Os sinais de que a lua de mel de Trump estava acabando mais rápido do que se esperava já estavam visíveis antes do “Dia da Libertação”, quando o presidente anunciou um espantoso tarifaço global. Em pouco mais de dois meses, segundo o Gallup, seus índices de aprovação caíram de 47% para 43%. A militância Maga podia vibrar com Elon Musk, o bilionário sem um cargo oficial, cortando gastos federais mesmo com pesquisas contra o câncer, mas, segundo uma pesquisa do Harvard Caps/Harris Poll, a opinião favorável sobre Musk caiu dez pontos entre fevereiro e março.

Grandes promessas, como a de acabar com a guerra da Ucrânia em 24 horas, não estão nem perto de se realizar. As tensões com a China, que parece se sentir cada vez mais à vontade para intimidar Taiwan, só aumentaram, e os eleitores se perguntam o que ganham com as provocações aos vizinhos Canadá e México e aos aliados europeus. Para os republicanos, em especial, foi uma especial humilhação o amadorismo da cúpula de segurança ao incluir por engano um jornalista num grupo de trocas de mensagens sensíveis para dar ciência de um ataque americano aos houthis.

Até o momento, no entanto, a resposta da Casa Branca a todos os questionamentos às atitudes exóticas de Trump era a mesma: que ele está fazendo exatamente o que os eleitores que votaram nele querem. Uma semana após o caos nos mercados precipitado pelo “tarifaço” de Trump, mesmo membros do Partido Republicano e aliados próximos de Trump estão começando a retrucar que não foi para isso que votaram.

Foram essas as exatas palavras do bilionário Bill Ackman, convertido de última hora ao trumpismo, em suas redes sociais, alertando que uma “guerra nuclear contra todos os países do mundo”, como ele chamou o tarifaço, iria paralisar investimentos, fechar as carteiras dos consumidores e arruinar a reputação dos EUA. Contrariando frontalmente Trump, Musk disse que o conselheiro econômico do presidente norte-americano e principal arquiteto de sua política tarifária, Peter Navarro, é um “cretino”.

A maioria dos americanos investe no mercado de ações e sentiu instantaneamente o impacto das tarifas sobre seu pecúlio. Mesmo antes do anúncio do pacote, só 38% dos americanos, segundo uma pesquisa da Associated Press, aprovavam o modo como Trump estava lidando com as negociações comerciais.

Reveses republicanos em recentes eleições locais indicam que a paciência dos eleitores está se esgotando. Para não testá-la, Trump desistiu de indicar a deputada Elise Stefanik como embaixadora da ONU, o que suscitaria eleições para substituí-la, pondo em risco a estreita maioria republicana na Câmara. No Senado, sete representantes republicanos já se comprometeram com um projeto de lei que restringe a latitude do presidente para impor tarifas, restaurando prerrogativas do Congresso, conforme o espírito da Constituição. Em um ano e meio os americanos irão às urnas para as eleições de meio de mandato e a probabilidade desde já é de que os democratas retomem o controle ao menos da Câmara.

Ninguém pode subestimar a capacidade de Trump de desafiar a lei da gravidade política. Mas a mistura de vandalização da ordem constitucional e depauperação da classe média é explosiva. Não é impossível que, muito antes do que se imagina, a lua de mel com o eleitorado conservador se transforme num divórcio irreversível.

Vamos mal na alfabetização

O Estado de S. Paulo

Governo Lula até tentou esconder os dados, mas teve de divulgá-los, e o resultado é pífio

O governo Lula da Silva divulgou recentemente o resultado da alfabetização de estudantes do 2.º ano do ensino fundamental, e os dados não são nada animadores para o País. De acordo com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), principal meio de mensuração da qualidade do ensino nessa etapa da aprendizagem, apenas 49,3% dos avaliados estavam alfabetizados. Ou seja, nem metade desses alunos sabia ler e escrever em 2023.

A alfabetização é avaliada pelo Saeb a cada dois anos, de forma amostral, desde 2019. No primeiro ano de aplicação do exame, 55% das crianças estavam alfabetizadas. Dois anos depois, o número caiu para 36%, como um dos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a educação. Como se vê, o dado segue abaixo do registrado antes da crise sanitária.

Desde o ano passado, o governo Lula passou a se fiar num indicador chamado Criança Alfabetizada, que tem como base avaliações aplicadas pelos Estados. Segundo esse indicador, 56% dos alunos do 2.º ano sabiam ler e escrever. Isso apontaria para uma recuperação da aprendizagem em relação ao nível pré-pandêmico.

Essa discrepância entre uma avaliação e outra talvez ajude a entender o motivo da decisão da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), de, a princípio, não divulgar os números do Saeb. Após essa ordem vir a público, o governo Lula, que se arvora em defensor da transparência e da educação, enfim apresentou o dado.

Claro que a gestão lulopetista tem prontas as suas desculpas para tê-lo escondido. Segundo a versão oficial do Inep, o Saeb tem uma amostra menor do que a do Criança Alfabetizada, apresenta margem de erro de 2,8 pontos porcentuais, que pode passar de 10 pontos em muitos Estados, e não pode ser comparado com o indicador mais otimista, divulgado em 2024.

Esse desencontro de dados levanta justificadas suspeitas. Como afirmou ao Estadão a presidente-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, “o discurso feito no ano passado, quando o indicador Criança Alfabetizada foi divulgado, de o Brasil ter superado a perda ocorrida na pandemia na alfabetização, pode não ser verdadeiro”.

E como disse também ao Estadão Guilherme Lichand, especialista em dados educacionais e professor da Universidade Stanford, é de questionar qual o sentido de o Inep gastar milhões de reais numa avaliação na qual parece não confiar. Se há margens de erro tão elevadas entre os Estados na avaliação do Saeb, cabe ao Inep corrigi-las, evitando a repetição de erros, sem jamais usá-los como argumento para ocultar números incômodos.

Independentemente do número apurado pelo Saeb ou pelo Criança Alfabetizada, o que fica claríssimo é que o Brasil precisa de dados confiáveis, políticas públicas robustas e avanços no ensino. O País não pode se contentar com tão pouco quando o assunto é educação básica, sobretudo das crianças menores. Sejam os dados do Saeb, sejam os do Criança Alfabetizada, os resultados não são dignos de comemoração, mas de indignação.

Povos indígenas e a influência do bem

Correio Braziliense

Jovem de 24 anos, nascido nos EUA, navegou até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para entregar uma lata de refrigerante a um grupo de indígenas isolados

Um dos conceitos mais cultuados da sociologia contemporânea é o "mundo líquido", definido pelo autor polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Para ele, as mudanças pelas quais a sociedade passou desde 1960, sobretudo a partir do surgimento da tecnologia, após a Segunda Guerra Mundial, fragilizaram as relações sociais. Dessa maneira, o vínculo entre as pessoas se debilitou a partir, por exemplo, do maior peso dado ao consumo e às inovações, como o smartphone.

Quem viveu a infância ou parte da vida adulta na era analógica, quando o mundo líquido de Bauman já existia, porém em menor proporção, consegue facilmente perceber como os laços sociais se enfraqueceram nas últimas duas décadas. Nesse contexto, é cada vez mais comum o aparecimento de personalidades que se pautam quase que exclusivamente pelo mundo digital, uma inversão de paradigma curiosa e desafiadora para a humanidade. Uma das ilustrações mais incontestáveis desse fenômeno são os influencers.

A busca da ampliação do seu poder de consumo, ou até mesmo em troca da simples repercussão, representada por curtidas, compartilhamentos e comentários, leva a episódios surreais, como o registrado na Índia, nos últimos dias. Autoridades do país prenderam Mykhailo Viktorovych Polyakov, de 24 anos, jovem nascido nos EUA que navegou até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para entregar uma lata de refrigerante a um grupo de indígenas isolados. 

Em troca da reverberação em seu mundo líquido, Polyakov colocou em risco os indígenas isolados e a si mesmo. Justamente por não manter contato com o "mundo exterior" e não adquirirem anticorpos ao longo de suas vidas, esses povos são completamente vulneráveis a doenças do homem urbano. Por isso e por outros motivos, rejeitam qualquer contato externo. 

A postura de Polyakov vai na contramão do que fazem instituições como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas(Funai), no Brasil. Aqui, o órgão indigenista se desdobra para proteger as dezenas de povos isolados que vivem na Amazônia. Um dos trabalhos captura imagens dos isolados que vivem nos arredores do Rio Massaco, em Rondônia, nas proximidades da fronteira do Brasil com a Bolívia. 

Os registros inéditos, recentemente divulgados, foram feitos por uma espécie de "armadilha fotográfica", uma câmera instalada na área habitada por esse povo isolado. E o objetivo desse monitoramento está muito longe de obter likes. A ideia é conhecer um pouco mais sobre o comportamento desses indígenas para protegê-los do crime organizado, como responsáveis pela extração irregular de madeira e pelo garimpo ilegal na floresta. 

Uma estratégia do projeto chama a atenção. Junto da câmera, a fundação deixou ferramentas importantes para o cotidiano dos isolados, como facões e machados, com o intuito de facilitar a caça e a coleta, os afastando do mundo exterior. Acontece que, diante das mudanças ambientais, os indígenas podem buscar contato para conseguir acesso a materiais como esses. A ideia não garante sucesso na proteção desses povos, mas se trata de uma iniciativa válida.

Em um mundo no qual a proteção ambiental precisa ter cada vez mais prioridade na ordem do dia, está claro que a sociedade precisa muito mais da Funai do que do influencer Mykhailo Viktorovych Polyakov.

Tarifas ainda provocarão mais danos econômicos

O Povo

É muito difícil prever as consequências desse redemoinho no qual Trump atirou a economia mundial

O terremoto provocado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com sua guerra de tarifas, ainda tem o potencial de gerar mais danos políticos e econômicos do que produziu até agora. Infelizmente, consequências piores ainda virão.

Existe unanimidade entre economistas — das mais diversas tendências — e operadores do mercado financeiro, afirmando que uma guerra comercial será prejudicial a todos os países do globo, inclusive aos Estados Unidos, onde os sinais dessa crise já estão aparecendo.

A bolsa de valores dos EUA perdeu US$ 9,9 trilhões desde que Trump assumiu a presidência do país em janeiro. Os dados são da consultoria Elos Ayta, divulgados pela CNN Brasil. Em apenas três dias de pregão, a partir do dia 2/4, as perdas totalizaram US$ 6,2 trilhões. A volatilidade permanece em mercados financeiros de todo o mundo.

No entanto, nada dissuade Trump de seu intento, ele apenas mudou o discurso. Se antes prometia bonança imediata aos americanos com o aumento das tarifas, agora pede paciência à população para esperar resultados "grandiosos" em um futuro incerto.

A situação tornou-se mais gravosa depois que a segunda maior economia do mundo, a China, resolveu retaliar a imposição de aumento tarifário de 34% aos seus produtos, aplicando o mesmo percentual em retaliação aos Estados Unidos. A resposta chinesa foi dura, dizendo que vai "lutar até o fim" contra as tarifas aplicadas por Trump.

É de se observar que a China deve ter estudado profundamente a resposta aos Estados Unidos. Diferentemente de Trump, o governo chinês não costuma agir por impulso, portanto, não se deve tomar como blefe a sua opção pelo enfrentamento.

O que assusta nas iniciativas de Trump é que ele parece não ter um plano de governo, resumindo seu programa ao aumento de tarifas, como se essa providência tivesse o condão de resolver todos os problemas que enfrenta em seu país. Até um leigo perceberia que uma política desse tipo, em que um único remédio é usado para curar os mais diversos males, tem tudo para dar errado.

Nos EUA, setores que pareciam anestesiados com as investidas de Trump, emitindo ordens executivas por atacado, começam a ensaiar uma reação às medidas do presidente.

Milhares de manifestantes reuniram-se no sábado, em 1.200 cidades americanas, de todos os estados, para protestar contra Trump, reivindicando a permanência de programas sociais. Na Europa também ocorreram manifestações.

No polo oposto — entre bilionários que foram destaque na posse de Trump —, também começaram as críticas à política tarifária, depois que ações de suas empresas despencaram, devido à instabilidade criada pelo governo americano.

De qualquer forma, é muito difícil prever as consequências desse redemoinho no qual Trump atirou a economia mundial. 


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