Valor Econômico
Regiões especializadas em indústrias afetadas pela política comercial da China em relação aos EUA apresentaram crescimento relativo do emprego formal e da massa salarial entre 2016 e 2021
No dia 2 de abril, o presidente americano
Donald Trump promoveu o chamado “Dia da Libertação” nos Estados Unidos, quando
anunciou um tarifaço sobre produtos importados.
As tarifas adicionais foram definidas com
base em uma fórmula linear bisonha, vinculada ao percentual do déficit
comercial dos Estados Unidos com cada país. Para nações com as quais os EUA
registram superávit, como o Brasil, ou déficit inferior a 10%, foi estabelecida
uma tarifa mínima de 10%. O objetivo declarado era incentivar a
reindustrialização e estimular o emprego no país.
Segundo Trump, os EUA vinham sendo “enganados” por países que aplicam tarifas elevadas sobre produtos americanos ou com os quais o país mantém déficits comerciais, como se o comércio internacional não trouxesse benefícios para os americanos.
A medida obviamente provocou reação negativa
nos mercados, que passaram a prever impactos adversos sobre a economia global e
sobre empresas americanas dependentes da importação de insumos intermediários.
Isso elevaria os custos e reduziria a competitividade das empresas americanas.
Até mesmo Elon Musk, que apoiou fortemente Trump na última campanha
presidencial nos EUA, criticou as tarifas e atacou diretamente o conselheiro
econômico Peter Navarro, a quem chamou de imbecil.
Diante das duras críticas, Trump recuou em
parte. Isentou a maioria dos produtos do Canadá e do México, concedeu exceções
para o setor automotivo e sinalizou apoio aos produtores agrícolas dos EUA.
Manteve temporariamente uma tarifa extra de 10% para a maioria dos países, com
exceção dos produtos chineses.
A partir daí, China e EUA entraram em uma
escalada de retaliações tarifárias, conhecida como guerra comercial. As tarifas
americanas sobre produtos chineses chegaram a 145%, e a China respondeu com
tarifas de 125%.
Algo semelhante já havia ocorrido no primeiro
governo Trump. Entre 2018 e 2019, os EUA aumentaram a tarifa média sobre
produtos chineses de 2,9% para 24,9%, enquanto a China elevou a tarifa média
sobre produtos americanos de 9,8% para 28,2%. A guerra comercial atual apenas
intensificou esse movimento, numa espécie de “dobrar a meta” à americana.
Para avaliar os efeitos dessa primeira guerra
comercial sobre a economia dos EUA, a maioria dos estudos utiliza a variação
geográfica na exposição às tarifas, determinada pela estrutura produtiva local.
As pesquisas indicam que os condados americanos mais expostos às tarifas
chinesas cresceram mais lentamente em termos de emprego, enquanto as tarifas
impostas pelos EUA reduziram as oportunidades de trabalho e a renda local ao
elevar os custos dos insumos. Assim, os objetivos declarados por Trump parecem
não ter sido alcançados.
Embora o primeiro conflito comercial tenha
afetado as tarifas entre os dois países envolvidos, seus efeitos repercutiram
no mundo todo. As nações não diretamente envolvidas enfrentaram um novo
ambiente comercial, com riscos, mas também com oportunidades.
Um desses países foi o Brasil, que mantém
fortes relações comerciais com os dois países. Em 2017, a China respondeu por
22% das exportações brasileiras e os EUA por 12%. No entanto, a composição das
exportações do Brasil apresentava uma correlação assimétrica: as exportações
brasileiras estavam fortemente correlacionadas com as exportações americanas
para a China (53,5%), mas quase não tinham relação com as exportações chinesas
para os EUA (1,3%). Isso sugere que o Brasil compete mais com os EUA nas exportações
para a China do que com a China nas exportações para os EUA.
País compete mais com os EUA nas exportações
para a China do que com os chineses nas vendas para os americanos
Em um novo trabalho acadêmico, “The US-China
Trade War Creates Jobs (Elsewhere)”, que escrevi com Pedro Ogeda e Emanuel
Ornelas, professores da FGV-SP, mostramos, com dados ao nível de produto, que
as exportações brasileiras para a China aumentaram poucos meses após a
implementação das tarifas. Já as exportações para os Estados Unidos não
apresentaram mudança significativa.
Mas esses efeitos comerciais seriam apenas
resultado da mudança de destino dos produtos exportados ou poderiam gerar
impactos econômicos mais amplos, como efeitos reais sobre o mercado de trabalho
no Brasil? Ou seja, criando emprego não nos EUA, mas sim no Brasil?
Para investigar isso, utilizamos os
microdados de emprego da RAIS, combinados com dados tarifários e comerciais,
para construir uma medida de exposição regional brasileira à guerra comercial.
Essa medida considera a estrutura de emprego de cada região do Brasil e a
relevância global dos fluxos comerciais afetados.
As regiões mais atingidas pelas tarifas
chinesas sobre produtos americanos estão no Norte, Centro-Oeste e Sul, onde
predominam atividades agrícolas e ligadas a commodities. Já as regiões mais
expostas às tarifas americanas estão no Sudeste, a área mais industrializada do
país. A exposição aos aumentos tarifários da China e dos EUA está distribuída
de forma distinta no território nacional e apresenta correlação negativa. Isso
nos permite isolar os efeitos do choque tarifário de cada país sobre os resultados
do mercado de trabalho brasileiro.
As estimativas são claras. Regiões
especializadas em indústrias afetadas pela política comercial da China em
relação aos EUA apresentaram crescimento relativo do emprego formal e da massa
salarial entre 2016 e 2021. Em contraste, as regiões mais expostas às tarifas
impostas pelos EUA sobre produtos chineses não apresentaram diferenças
relevantes.
Essas evidências transmitem uma mensagem
importante: embora guerras comerciais raramente alcancem seus objetivos
domésticos, elas têm o poder de reorganizar o comércio global, criando
oportunidades para países terceiros. Ao mesmo tempo, aumentam o risco de
fragmentação da economia e da ordem geopolítica ao opor grandes potências
econômicas.
O Brasil, diante desse novo conflito
comercial, deveria seguir o caminho oposto em defesa dos interesses nacionais:
abrir sua economia, buscar pragmaticamente acordos comerciais bilaterais e
promover o comércio internacional como meio de aumentar a concorrência e a
produtividade local.
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