quarta-feira, 7 de maio de 2025

Guerra comercial, empregos no Brasil - Tiago Cavalcanti

Valor Econômico

Regiões especializadas em indústrias afetadas pela política comercial da China em relação aos EUA apresentaram crescimento relativo do emprego formal e da massa salarial entre 2016 e 2021

No dia 2 de abril, o presidente americano Donald Trump promoveu o chamado “Dia da Libertação” nos Estados Unidos, quando anunciou um tarifaço sobre produtos importados.

As tarifas adicionais foram definidas com base em uma fórmula linear bisonha, vinculada ao percentual do déficit comercial dos Estados Unidos com cada país. Para nações com as quais os EUA registram superávit, como o Brasil, ou déficit inferior a 10%, foi estabelecida uma tarifa mínima de 10%. O objetivo declarado era incentivar a reindustrialização e estimular o emprego no país.

Segundo Trump, os EUA vinham sendo “enganados” por países que aplicam tarifas elevadas sobre produtos americanos ou com os quais o país mantém déficits comerciais, como se o comércio internacional não trouxesse benefícios para os americanos.

A medida obviamente provocou reação negativa nos mercados, que passaram a prever impactos adversos sobre a economia global e sobre empresas americanas dependentes da importação de insumos intermediários. Isso elevaria os custos e reduziria a competitividade das empresas americanas. Até mesmo Elon Musk, que apoiou fortemente Trump na última campanha presidencial nos EUA, criticou as tarifas e atacou diretamente o conselheiro econômico Peter Navarro, a quem chamou de imbecil.

Diante das duras críticas, Trump recuou em parte. Isentou a maioria dos produtos do Canadá e do México, concedeu exceções para o setor automotivo e sinalizou apoio aos produtores agrícolas dos EUA. Manteve temporariamente uma tarifa extra de 10% para a maioria dos países, com exceção dos produtos chineses.

A partir daí, China e EUA entraram em uma escalada de retaliações tarifárias, conhecida como guerra comercial. As tarifas americanas sobre produtos chineses chegaram a 145%, e a China respondeu com tarifas de 125%.

Algo semelhante já havia ocorrido no primeiro governo Trump. Entre 2018 e 2019, os EUA aumentaram a tarifa média sobre produtos chineses de 2,9% para 24,9%, enquanto a China elevou a tarifa média sobre produtos americanos de 9,8% para 28,2%. A guerra comercial atual apenas intensificou esse movimento, numa espécie de “dobrar a meta” à americana.

Para avaliar os efeitos dessa primeira guerra comercial sobre a economia dos EUA, a maioria dos estudos utiliza a variação geográfica na exposição às tarifas, determinada pela estrutura produtiva local. As pesquisas indicam que os condados americanos mais expostos às tarifas chinesas cresceram mais lentamente em termos de emprego, enquanto as tarifas impostas pelos EUA reduziram as oportunidades de trabalho e a renda local ao elevar os custos dos insumos. Assim, os objetivos declarados por Trump parecem não ter sido alcançados.

Embora o primeiro conflito comercial tenha afetado as tarifas entre os dois países envolvidos, seus efeitos repercutiram no mundo todo. As nações não diretamente envolvidas enfrentaram um novo ambiente comercial, com riscos, mas também com oportunidades.

Um desses países foi o Brasil, que mantém fortes relações comerciais com os dois países. Em 2017, a China respondeu por 22% das exportações brasileiras e os EUA por 12%. No entanto, a composição das exportações do Brasil apresentava uma correlação assimétrica: as exportações brasileiras estavam fortemente correlacionadas com as exportações americanas para a China (53,5%), mas quase não tinham relação com as exportações chinesas para os EUA (1,3%). Isso sugere que o Brasil compete mais com os EUA nas exportações para a China do que com a China nas exportações para os EUA.

País compete mais com os EUA nas exportações para a China do que com os chineses nas vendas para os americanos

Em um novo trabalho acadêmico, “The US-China Trade War Creates Jobs (Elsewhere)”, que escrevi com Pedro Ogeda e Emanuel Ornelas, professores da FGV-SP, mostramos, com dados ao nível de produto, que as exportações brasileiras para a China aumentaram poucos meses após a implementação das tarifas. Já as exportações para os Estados Unidos não apresentaram mudança significativa.

Mas esses efeitos comerciais seriam apenas resultado da mudança de destino dos produtos exportados ou poderiam gerar impactos econômicos mais amplos, como efeitos reais sobre o mercado de trabalho no Brasil? Ou seja, criando emprego não nos EUA, mas sim no Brasil?

Para investigar isso, utilizamos os microdados de emprego da RAIS, combinados com dados tarifários e comerciais, para construir uma medida de exposição regional brasileira à guerra comercial. Essa medida considera a estrutura de emprego de cada região do Brasil e a relevância global dos fluxos comerciais afetados.

As regiões mais atingidas pelas tarifas chinesas sobre produtos americanos estão no Norte, Centro-Oeste e Sul, onde predominam atividades agrícolas e ligadas a commodities. Já as regiões mais expostas às tarifas americanas estão no Sudeste, a área mais industrializada do país. A exposição aos aumentos tarifários da China e dos EUA está distribuída de forma distinta no território nacional e apresenta correlação negativa. Isso nos permite isolar os efeitos do choque tarifário de cada país sobre os resultados do mercado de trabalho brasileiro.

As estimativas são claras. Regiões especializadas em indústrias afetadas pela política comercial da China em relação aos EUA apresentaram crescimento relativo do emprego formal e da massa salarial entre 2016 e 2021. Em contraste, as regiões mais expostas às tarifas impostas pelos EUA sobre produtos chineses não apresentaram diferenças relevantes.

Essas evidências transmitem uma mensagem importante: embora guerras comerciais raramente alcancem seus objetivos domésticos, elas têm o poder de reorganizar o comércio global, criando oportunidades para países terceiros. Ao mesmo tempo, aumentam o risco de fragmentação da economia e da ordem geopolítica ao opor grandes potências econômicas.

O Brasil, diante desse novo conflito comercial, deveria seguir o caminho oposto em defesa dos interesses nacionais: abrir sua economia, buscar pragmaticamente acordos comerciais bilaterais e promover o comércio internacional como meio de aumentar a concorrência e a produtividade local.

 

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