quarta-feira, 7 de maio de 2025

A mensagem da China para a comitiva de Lula a Pequim - Fernando Exman

Valor Econômico

Deve-se esperar um intenso trabalho nos bastidores dos chineses junto às autoridades brasileiras, em meio à guerra tarifária iniciada pelos EUA

Para os aficionados em registrar momentos históricos marcados por ironia e simbolismo, não passará batido que o chefe do departamento de sanções dos Estados Unidos desembarcou em Brasília nestes dias, justamente enquanto o governo brasileiro finalizava os detalhes da visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China.

Pode-se dizer oficialmente que ele está no Brasil para discutir questões de segurança. E que, ademais, a recente reunião entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário de Tesouro dos EUA, Scott Bessent, é um marco positivo na construção de pontes de alto nível nas relações bilaterais. Mas, não passaram batidas a comemoração de parlamentares da oposição e a sua torcida para que dessa visita do americano pudesse surgir algum desconforto para o governo e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

É com esse pano de fundo que Lula viaja a Pequim na semana que vem, colocando o Brasil como interlocutor estratégico do presidente chinês, Xi Jinping, na América Latina. No mês passado, por exemplo, Lula chegou a oferecer ajuda para agendar uma reunião entre o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o líder do país asiático. Citou que a fluidez no diálogo Brasil-China seria um facilitador para tentar a intermediação.

É previsto ainda que ele tenha papel de destaque na cúpula entre China e Celac, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, após meses de articulação para que o presidente brasileiro confirmasse presença. Mas deve-se esperar, também, um intenso trabalho nos bastidores dos chineses junto às autoridades brasileiras, em meio à guerra tarifária iniciada pelos EUA.

O discurso está afiado. Para o governo chinês, a investida do presidente Donald Trump representa um risco objetivo às regras do jogo, um movimento unilateral capaz de implodir a ordem multilateral e comercial vigente.

Entre autoridades chinesas, a imagem utilizada é que os EUA estão doentes e, ao tomarem o remédio errado em busca da reindustrialização e não atacarem as origens dos problemas que levaram à queda de sua competitividade, deixarão outros países doentes também. As palavras “chantagem” e “coerção” são pronunciadas. Sustenta-se que as justificativas apresentadas pelos EUA para os valores das alíquotas mostram que de “recíprocas” as tarifas só têm o nome.

Feito o preâmbulo, o que se ouve é que a credibilidade é um dos principais ativos de uma grande potência, que precisa agir como tal perante outras nações, e não de forma errática e prepotente em busca da hegemonia. Afinal, quem poderia confiar em alguém que racha a ordem internacional, rompe acordos regionais e pactos bilaterais com parceiros tradicionais? “A queda de credibilidade de uma potência gera incerteza e insegurança.”

Em contrapartida, dizem chineses para interlocutores brasileiros, o maior “soft power”, ou seja, a capacidade de um Estado influenciar outro sem usar a força ou o poder coercitivo, é formado por estabilidade, previsibilidade e certezas. “É o que a China está oferecendo ao mundo hoje.”

Como consequência, na China a expectativa é que a tentativa de intimidação irá unir o povo ainda mais sob a liderança do Partido Comunista. A reação às medidas anunciadas por Trump foram rápidas e organizadas: o governo está decidido a impulsionar a demanda interna, aumentando o déficit fiscal e reduzindo a taxa de juros para estimular o consumo e a produção. Tal postura teria, inclusive, deixado outros atores mais à vontade para anunciar que também retaliariam os EUA. Negociar? Somente em pé de igualdade.

Essa é a visão da atual conjuntura sob a ótica dos chineses, para quem o país está mudando de fase: em vez de exportar produtos, quer passar a exportar capacidade produtiva. É o que diz fazer no setor automobilístico. Ou o que é capaz de viabilizar com a iniciativa Cinturão e Rota, que, nas palavras de uma autoridade, não deve ser tratada como um conceito geoeconômico nem geopolítico, mas sim uma plataforma para promover a abertura da China ao exterior e sua conexão com outros países.

Isso não afasta a percepção no Ocidente de que a iniciativa Cinturão e Rota é, na verdade, um instrumento pensado para projetar a influência da China mundo afora. E justamente por esse motivo o Brasil não aderiu ao que se convencionou chamar de Nova Rota da Seda, embora tenha negociado sinergias com projetos do Novo PAC. Uma das ideias sobre a mesa é viabilizar o escoamento da produção das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste para portos no Chile e no Peru, por meio de corredores bioceânicos, visando o mercado asiático.

Em meio ao lançamento da iniciativa Cinturão e Rota, em 2013, Xi Jinping lembrou certa vez que havia nascido na província de Shaanxi, onde está localizado o ponto de partida da antiga Rota da Seda. “Ao ficar aqui e rever a história, parece que ouço o toque dos guizos dos camelos ecoando entre as montanhas e vejo as colunas de fumaça subindo sobre o deserto”, afirmou em um discurso feito no Cazaquistão, olhando ao mesmo tempo para o passado e o futuro.

Autoridades brasileiras não vão tão longe na história. Lembram, contudo, como uma estratégia pendular durante a Segunda Guerra Mundial garantiu ao país uma posição favorável para negociar com as duas potências da época investimentos no setor siderúrgico. A disposição brasileira hoje parece a mesma, mas é preciso ver se os americanos estão dispostos a entrar em um jogo de ganha-ganha.

 

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