O Globo
Ao disputar a eleição de 2022 sem apresentar
um programa para o país, tendo como única meta o combate ao golpismo e ao
desmonte promovidos por Bolsonaro, Lula semeou o marasmo de seu terceiro
governo
Era novembro de 2011, e o governo Dilma
Rousseff chegava ao fim de seu primeiro ano marcado pela “faxina” contra
ministros apanhados em acusações diversas de “malfeitos”. Cinco já haviam caído
quando as primeiras reportagens envolvendo um esquema de corrupção no
Ministério do Trabalho, comandado à época por Carlos Lupi,
vieram à tona. Em vez de sindicatos de aposentados, os protagonistas eram ONGs,
e as fraudes que hoje totalizam bilhões de reais ainda se contavam nos milhões.
Reportagens mostraram que assessores de Lupi eram acusados ora de cobrar propina de ONGs que realizavam programas de qualificação profissional financiados pelo governo, ora de fazer vista grossa a outras entidades notoriamente enroladas e alvo dos órgãos de fiscalização.
Assim que as acusações surgiram, o então
ministro deu entrevista negando envolvimento no caso, disse contar com apoio da
presidente e partiu para o enfrentamento: “Só (saio) abatido à bala, e tem que
ser bala forte, porque eu sou pesadão”. Dias depois, convocado a se explicar na
Câmara, jurou não ter relação com o dirigente de uma rede de ONGs alvos da CGU
e pediu desculpas à presidente com uma declaração de amor: “Presidente Dilma,
desculpe se fui agressivo, não foi minha intenção: eu te amo”.
Não foi suficiente. Lupi continuou sangrando
até que, confrontado com suas imagens descendo de um avião pago pelo
empresário, pediu demissão. Assim como ocorreu agora, quando as denúncias de
2011 surgiram, o líder do PDT na Câmara jurou que o partido deixaria a base do
governo caso Lupi saísse do governo. A solução então encontrada pelo Planalto
para retirá-lo sem perder apoio congressual do PDT foi a mesma de agora: o
ministro cairia, mas em seu lugar ficaria seu número dois na pasta, o
secretário executivo.
Lupi deu azar. Uma semana depois de sua
queda, Dilma interrompeu subitamente a “faxina” quando as apurações de
“malfeitos” atingiram Fernando Pimentel. Então ministro do Desenvolvimento, o
petista era amigo da presidente desde a década de 1960, quando militaram juntos
contra a ditadura militar. A “faxina” de Dilma foi o último momento em que o PT
conseguiu se apresentar ao país no papel de algoz de corruptos.
Os Brasis de 2011 e 2025 pertencem a eras
distintas. As redes sociais impuseram outro modo de fazer política,em que o
diálogo não é mais opção entre os diferentes, e em sua esteira emergiu uma
oposição vigorosa que não perde a chance de surfar nos erros do governo. Nesse
cenário, a popularidade do comandante do Planalto mudou de patamar.
Alavancada pela “faxina”, Dilma atingiu em
janeiro de 2012 níveis de aprovação impensáveis para o país polarizado de hoje:
59% diziam ao Datafolha considerar o governo ótimo ou bom, e apenas 6% o
consideravam ruim ou péssimo. No mês passado, o mesmo instituto mostrou que a
avaliação positiva de Lula está
em 29% e a negativa em 38%.
Não se sabe qual a agenda do governo para
a Previdência.
A promessa central de Lupi ao assumir o cargo em 2023 era zerar a fila de
espera, que chegava a 1,09 milhão de pessoas, garantindo que a obtenção do
benefício saísse em cinco dias. Ele deixa o governo com 2,04 milhões na fila —
metade deles aguardando mais de 45 dias.
Detentor da maior fatia do Orçamento da
União, o Ministério da Previdência tem missões ao mesmo tempo simples e
críticas. O desafio principal não está em colocar de pé programas grandiosos e
promover relevantes inovações. Suas tarefas centrais são, de um lado, assegurar
que quem cumpra os requisitos consiga se aposentar e, do outro, pagar
regularmente os 40 milhões de aposentados brasileiros, sem permitir que sejam
alvo de fraudes. As fraudes e os números mostram que Lupi fracassou, de forma
retumbante, em ambas.
Em sua defesa, há que reconhecer que seu
fracasso não está isolado no governo. Ao disputar a eleição de 2022 sem
apresentar um programa para o país, tendo como única meta o combate ao golpismo
e ao desmonte promovidos por Bolsonaro, Lula semeou o marasmo de seu terceiro
governo. Uma gestão marcada pela reedição de velhos sucessos que já não
empolgam, um ministro da Fazenda que enfrenta permanente fogo amigo na luta
para dar racionalidade às contas públicas e a hesitação do presidente cujo
símbolo cômico é uma reforma ministerial com negociações iniciadas há seis
meses e ainda sem data para terminar.
*Paulo Celso Pereira é editor executivo do
GLOBO
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