quarta-feira, 30 de julho de 2025

Bolsonarismo quer que o Brasil se curve perante Donald Trump - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

O que presidente americano tem demandado é completamente inaceitável para andamento de qualquer governo democrático

direita bolsonarista brasileira não gosta de ser chamada de extrema direita. Rejeita a classificação por considerá-la uma tentativa deliberada de desqualificação por parte dos adversários. Prefere identificar-se apenas como direita —rótulo de que se orgulha e faz questão de ostentar.

Temos aqui um caso clássico de dissociação: identifica-se como direita, com orgulho, mas pensa e age como um movimento extremista que, por falta de opção melhor, aceita operar numa democracia liberal —ao menos enquanto ela ainda lhe serve. Sua inclinação natural, porém, é bem outra: atropelar as regras quando possível, driblar as instituições quando conveniente e, se a ocasião permitir, desferir um golpe contra o Estado de Direito —tudo em nome de valores, é claro.

Os quatro anos da presidência de Jair Bolsonaro demonstraram isso. Desde o início, o bolsonarismo se comportou como uma força hostil às amarras do Estado liberal-democrático, que nunca reconheceu.

Capturou a PGR, usou as Forças Armadas para ameaçar as instituições, atacou universidades e o jornalismo, instigou uma base social mobilizada contra tudo e todos e tentou "passar a boiada" sobre leis e procedimentos. Como ato final, tentou um golpe de Estado.

Perdida a eleição presidencial, mas com vários governadores e um grande número de parlamentares, foi-lhe dado o benefício da dúvida. Seria o bolsonarismo agora capaz de comportar-se como direita republicana, sem tentativas de viradas de mesa, recurso à violência, desrespeito ao poder Judiciário e à Constituição democrática? Houve quem apostasse que sim.

Os últimos meses demonstram que não. Moderar o bolsonarismo não passa de pensamento desejoso de quem gostaria de ver uma direita republicana como alternativa decente de poder no país. A aliança com Donald Trump e o apoio à chantagem tarifária imposta ao Brasil são provas de que, para o bolsonarismo, não há limite intransponível —mesmo ao custo da soberania e da economia nacionais.

O que Trump impõe ao Brasil é algo que nenhuma democracia pode aceitar: que o governo interfira no Judiciário para resgatar um réu acusado de crimes graves contra a ordem republicana. Não se trata da vontade de Lula, do STF ou do Congresso. Trata-se de algo que simplesmente não pode ser feito. Que país soberano cederia à chantagem de abrir mão de sua autonomia e de anular um dos três Poderes em troca de um desconto nos tributos imperiais de Trump?

Quando Tarcísio, Zema, Nikolas Ferreira e deputados bolsonaristas aceitam essa exigência como legítima, estão endossando que o Brasil se comporte como vassalo dos Estados Unidos. Estão dizendo que a Constituição e os Poderes da República são negociáveis, desde que sirvam ao projeto de salvação de Bolsonaro.

Se Trump pode decidir que o Executivo brasileiro deve arrancar um acusado das mãos da Justiça, porque o julga um "good guy", e que os juízes da nossa Corte é que devem ser punidos —e não Bolsonaro—, em que nos distinguimos de um Estado fantoche, manipulado por um tirano estrangeiro poderoso?

Se o bolsonarismo considera legítimo e decente que Trump use tarifas como instrumento político para conseguir nada menos que desrespeitar a nossa Constituição, o que mais da nossa soberania ficaria de fora do alcance do seu arbítrio? Eleições? Legislação? Governo? Diplomacia? Políticas públicas?

Se o imperador não ficar satisfeito com o tributo pago ou com a recusa do país em ceder às suas exigências, o que virá em seguida? Negará vistos? Congelará bens? Estabelecerá um embargo? Invadirá o país, como já há bolsonarista pedindo? Mandará tropas ou mísseis? Qual é o seu limite para obter o que quiser pela força —e até onde o bolsonarismo admite que o país se curve?

E se um presidente que Trump desaprove ganhar a eleição de 2026? E se o Congresso aprovar uma lei que contrarie sua vontade ou se uma decisão judicial não for do seu agrado? E se o Banco Central estabelecer um procedimento (o Pix, por exemplo) que considere prejudicial aos interesses americanos?

Preocupa-me menos Trump e mais os que, aqui no país, defendem a justeza de suas ações. É justamente essa aprovação sem qualquer escrúpulo que demonstra que o bolsonarismo resiste a ser assimilado à normalidade democrática.

Ele não aceita o jogo democrático —apenas o utiliza como meio. Quando necessário, o sabota. Quando possível, tenta destruí-lo. Seu compromisso não é com o país, mas com um culto autoritário aos próprios interesses. E, como toda seita fanática, não reconhece limites para proteger seu messias.

  

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