quarta-feira, 30 de julho de 2025

País precisa discutir o que fazer da gangue política aliada de Trump - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Mais do que ligação de Lula, é preciso discutir mínimo de civilidade e nova diplomacia

Telefona? O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ligar para Donald Trump? Isto é, o governo deve tentar criar pelo menos uma situação em que essa conversa não sirva apenas para a avacalhação do país?

O que Lula poderia dizer a Trump além de tentar criar um clima para alguma conversa, na melhor das hipóteses?

Pouco adianta dizer que os ataques americanos não têm base nos fatos ou são contraproducentes. Não é o que está em questão, assim como as proteções comerciais brasileiras também não são a questão maior. Talvez por meio de conversas racionais sobre vantagens e desvantagens, os lobbies da Embraer, do café e da laranja, por exemplo, e seus parceiros nos EUA consigam atenuar o dano. Faz algum efeito, claro, mas não é o que está em questão.

Trump quer vassalagem, em especial no quintal americano. Quer butim, expropriações de guerra. Quer mostrar que vão custar caro tentativas de punições legais de golpistas como ele e Bolsonaro. Quer mostrar que será punida a parceria com China ou Brics, no comércio ou na diplomacia. É isso que diplomatas, empresários e senadores brasileiros têm ouvido de americanos com quem conseguem falar.

As vendas dos EUA para o Brasil equivalem a um oitavo daquilo que exportam para a União Europeia. Mesmo com a sombria rendição europeia, Trump impôs tarifa mínima quase geral de 15% e vai extrair outras vantagens, entre elas livre acesso para quase todos os produtos americanos. Por que Trump aceitaria menos do Brasil? E se o sacrifício envolver mudança na regulação econômica doméstica, exigências coloniais quanto a minérios ou, mais selvagem, mudança no Pix? Não vai dar. Há o risco então de agravamento da crise.

O tarifaço desta semana, seja lá de qual tamanho, pode ser apenas o começo de um conflito longo —dada a loucura de Trump, sempre existe a chance de um revertério positivo, embora esse pensamento desejante equivalha a sonhar com a Mega Sena.

O que vamos fazer da política econômica de curtíssimo prazo caso o ataque de Trump e dos Bolsonaros contra o Brasil prejudique o crescimento da economia? Convém que o governo não troque as mãos por ainda mais pé no acelerador (seria talvez uma oportunidade para baixar taxas de juros).

A questão maior, repita-se, é como se preparar para o alto risco de sanções contra autoridades, empresas, transações financeiras ou a investimentos no Brasil.

Trump vai tentar intervir nas eleições? Sua aliança com direitas e com a extrema direita saiu ligeira e provisoriamente pela culatra (Lula ganhou alguns poucos pontos). Talvez o trumpismo não seja tapado a ponto de apoiar os candidatos que prometam indulto para Jair Bolsonaro e golpistas em geral, correndo o risco de estender a onda nacionalista pró-esquerda. Mas pode fazer algo pior.

Nos próximos meses, será o caso de conversa mais séria com a China, América LatinaEuropa? O que fazer se o Brasil ficar sem fertilizantes por causa de novos embargos contra a Rússia?

São apenas pinceladas a respeito de riscos e decisões de estratégia, difícil de elaborar, pois o mundo está desorientado. Mais do que pensar sobre o telefonema de Lula, alguém já deveria estar pensando em um plano diplomático pragmático e de como mudar a conversa doméstica, na economia e na política. Chegamos ao ponto de gangues políticas e partidos organizarem um ataque estrangeiro contra o país. O país decente que resta precisa discutir como isolar esse bando.

 

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