quarta-feira, 30 de julho de 2025

Quem são os radicais? - Vera Magalhães

O Globo

Bolsonaro perdeu apoio ao rasgar a fantasia patriótica e deixar claro que seu verdadeiro lema é ‘eu acima de tudo, os meus acima de todos’

A contagem regressiva da chantagem do governo Donald Trump contra o Brasil, combinada com as ameaças cada vez mais coléricas de Eduardo Bolsonaro e seus acólitos a um número cada vez maior de autoridades brasileiras, representa a chance mais efetiva que Lula teve até aqui de recompor os canais de diálogo com setores que integraram a chamada frente ampla em 2022, e até com franjas da direita simpáticas ao bolsonarismo.

Na sua febre de relevância, o filho Zero Três de Jair Bolsonaro está se sentindo onipotente. Diz que fará o máximo para evitar que senadores — vários deles simpatizantes do seu campo político — obtenham êxito em tentar negociar que o tarifaço não atinja o Brasil. Acredita que possa regatear mudança de votos de ministros do Supremo negociando com a Casa Branca quais deles devem ser alvo de sanções por parte dos Estados Unidos. Não se vexa em estender as ameaças que fazia ao Supremo também ao Congresso, do qual faz parte. E acha que é chefe dos governadores bolsonaristas.

Nada nesse surto autoritário — que sabe-se lá de quem ele herdou, não é mesmo? — ajuda o pai, que também não consegue parar quieto em casa e fica apelando a repetições tristes de seus eventos do passado, como as fatídicas motociatas.

É pueril imaginar que os votos de ministros como Luís Roberto Barroso ou Gilmar Mendes (que nem integram a Primeira Turma do Supremo, diga-se) seriam condicionados a uma “mãozinha” do deputado expatriado para que não fossem atingidos pela tal Lei Magnitsky. Também é ingênua a crença arraigada de que Trump vai com Jair até o fim.

Basta que a pressão da sociedade e do empresariado americanos cresça, a inflação dispare, a escassez de produtos comece para que a brincadeira de tarifaço seja revista ou mitigada. Não sem antes causar imensos prejuízos concretos aos países envolvidos. No caso do Brasil, esses prejuízos recairão fortemente sobre setores que até ontem torciam sem disfarces pela volta de um nome de direita com a bênção de Bolsonaro ao poder.

Se Lula mantiver o manejo firme, técnico, desapaixonado e altivo dessa crise — pela qual nem na tentativa mais fanática ele pode ser responsabilizado —, tem sua melhor chance de superar a maré braba na popularidade e o descolamento de setores do eleitorado e dos agentes econômicos que vinha enfrentando. Muito mais consistente que aquele discurso de sucesso incerto do “nós contra eles”.

Agora, o governo tem instrumentos, inclusive uma nova flexibilização das amarras fiscais, que já está sendo negociada, para colocar de pé um plano de contingência para mitigar os prejuízos do consórcio BolsoTrump que pode reaproximá-lo de segmentos com os quais estava com canal de comunicação obstruído havia anos, como o agronegócio. 

Mais: a chantagem explícita ao Brasil, coadunada com esse discurso escancarado por parte dos filhos do ex-presidente — e pelo próprio Jair— de que só importa livrar o pai da prisão, e mais nada, tira de Lula a pecha de radical que vinha sendo levantada por aqueles que, por exemplo, tentavam evitar qualquer discussão de redistribuição tributária.

Quer dizer que é radical defender que quem ganhe mais pague mais impostos, mas é aceitável defender que um país inteiro sucumba a uma ameaça à sua própria soberania, e que custará empregos, crescimento e lucro para amplos segmentos do setor produtivo?

As pesquisas já mostram que, a não ser nas bolhas mais fanatizadas, Bolsonaro perdeu apoio ao rasgar a fantasia patriótica e deixar claro que seu verdadeiro lema é “eu acima de tudo, os meus acima de todos”.

Se não ceder à tentação — sempre existente, dado o seu perfil — de enveredar pela bravata trocada, Lula tem chance de se mostrar, como em 2022, um antídoto contra um radical que, depois de mergulhar o país num pesadelo sanitário numa pandemia e tentar um golpe de Estado, agora quer subjugar as instituições soberanas e democráticas para se salvar da cadeia. Não é pouca coisa.

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