O Globo
Bolsonaro perdeu apoio ao rasgar a fantasia patriótica e deixar claro que seu verdadeiro lema é ‘eu acima de tudo, os meus acima de todos’
A contagem regressiva da
chantagem do governo Donald Trump contra o Brasil, combinada com as ameaças
cada vez mais coléricas de Eduardo Bolsonaro e seus acólitos a um número cada
vez maior de autoridades brasileiras, representa a chance mais efetiva que Lula
teve até aqui de recompor os canais de diálogo com setores que integraram a
chamada frente ampla em 2022, e até com franjas da direita simpáticas ao
bolsonarismo.
Na sua febre de
relevância, o filho Zero Três de Jair Bolsonaro está se sentindo onipotente.
Diz que fará o máximo para evitar que senadores — vários deles simpatizantes do
seu campo político — obtenham êxito em tentar negociar que o tarifaço não
atinja o Brasil. Acredita que possa regatear mudança de votos de ministros do
Supremo negociando com a Casa Branca quais deles devem ser alvo de sanções por
parte dos Estados Unidos. Não se vexa em estender as ameaças que fazia ao
Supremo também ao Congresso, do qual faz parte. E acha que é chefe dos
governadores bolsonaristas.
Nada nesse surto autoritário — que sabe-se lá de quem ele herdou, não é mesmo? — ajuda o pai, que também não consegue parar quieto em casa e fica apelando a repetições tristes de seus eventos do passado, como as fatídicas motociatas.
É pueril imaginar que os
votos de ministros como Luís Roberto Barroso ou Gilmar Mendes (que nem integram
a Primeira Turma do Supremo, diga-se) seriam condicionados a uma “mãozinha” do
deputado expatriado para que não fossem atingidos pela tal Lei Magnitsky.
Também é ingênua a crença arraigada de que Trump vai com Jair até o fim.
Basta que a pressão da
sociedade e do empresariado americanos cresça, a inflação dispare, a escassez
de produtos comece para que a brincadeira de tarifaço seja revista ou mitigada.
Não sem antes causar imensos prejuízos concretos aos países envolvidos. No caso
do Brasil, esses prejuízos recairão fortemente sobre setores que até ontem
torciam sem disfarces pela volta de um nome de direita com a bênção de
Bolsonaro ao poder.
Se Lula mantiver o manejo
firme, técnico, desapaixonado e altivo dessa crise — pela qual nem na tentativa
mais fanática ele pode ser responsabilizado —, tem sua melhor chance de superar
a maré braba na popularidade e o descolamento de setores do eleitorado e dos
agentes econômicos que vinha enfrentando. Muito mais consistente que aquele
discurso de sucesso incerto do “nós contra eles”.
Agora, o governo tem
instrumentos, inclusive uma nova flexibilização das amarras fiscais, que já
está sendo negociada, para colocar de pé um plano de contingência para mitigar
os prejuízos do consórcio BolsoTrump que pode reaproximá-lo de segmentos com os
quais estava com canal de comunicação obstruído havia anos, como o agronegócio.
Mais: a chantagem
explícita ao Brasil, coadunada com esse discurso escancarado por parte dos
filhos do ex-presidente — e pelo próprio Jair— de que só importa livrar o pai
da prisão, e mais nada, tira de Lula a pecha de radical que vinha sendo
levantada por aqueles que, por exemplo, tentavam evitar qualquer discussão de
redistribuição tributária.
Quer dizer que é radical
defender que quem ganhe mais pague mais impostos, mas é aceitável defender que
um país inteiro sucumba a uma ameaça à sua própria soberania, e que custará
empregos, crescimento e lucro para amplos segmentos do setor produtivo?
As pesquisas já mostram
que, a não ser nas bolhas mais fanatizadas, Bolsonaro perdeu apoio ao rasgar a
fantasia patriótica e deixar claro que seu verdadeiro lema é “eu acima de tudo,
os meus acima de todos”.
Se não ceder à tentação —
sempre existente, dado o seu perfil — de enveredar pela bravata trocada, Lula
tem chance de se mostrar, como em 2022, um antídoto contra um radical que,
depois de mergulhar o país num pesadelo sanitário numa pandemia e tentar um
golpe de Estado, agora quer subjugar as instituições soberanas e democráticas
para se salvar da cadeia. Não é pouca coisa.
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