sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Aliança entre Centrão e bolsonarismo, pode selar destino de Motta - César Felício

Valor Econômico

Presidente da Câmara não foi o condutor das negociações, ou não aparece como tal; papel de Arthur Lira foi fundamental

As versões sobre o acordo que fez a tropa de choque baixar a guarda e a Câmara e o Senado retomarem seus trabalhos mudaram a cada três horas, em média, na quinta-feira (7) pelos corredores do Congresso, mas convergem em dois pontos: o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) teve um papel central e um confronto do Congresso com o Judiciário se aproxima. A PEC do foro privilegiado ganhará protagonismo.

A PEC do foro privilegiado poderá ser vendida para o público externo como o fim de privilégios, a igualdade de todos perante a lei, com ônus de detentores ou ex-detentores de mandatos eletivos serem julgados por instâncias inferiores do Judiciário e o bônus de contar com a múltipla jurisdição. Mas essa embalagem é fina e relativamente transparente: o objetivo real será a blindagem total de deputados e senadores.

Alguma forma será encontrada por parlamentares do Centrão para garantir que processos contra congressistas só avancem se contarem com a anuência prévia da Câmara ou do Senado. Seria a restauração do espírito da imunidade parlamentar plena que havia antes de 2001. Na ocasião, este benefício foi restringido às opiniões, palavras e votos.

A ideia agora será a proteção total, não contra iniciativas do ministro Alexandre de Moraes. O alvo, ao que tudo indica, são processos que tramitam em outro gabinete do STF, o do ministro Flávio Dino, que conduz investigações acerca da persistência do chamado orçamento secreto e que já produziu operações policias contra pelo menos quatro deputados federais, acusados de corretagem de emendas.

A anistia a Bolsonaro, inicialmente, entraria em pauta depois de tudo aprovado, para ser negociada em outros temas. Na projeção das lideranças bolsonaristas, o Supremo perderia um poder coercitivo sobre deputados e senadores que momentaneamente constrange o Congresso a aceitar uma intervenção tão drástica no funcionamento do Judiciário como seria a anistia aos investigados por golpismo.

E onde entra Lira nessa história? As conversas que levaram ao destravamento do Congresso deram-se no gabinete dele, segundo divulgou a colunista Malu Gaspar, de “O Globo”. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), disse na quinta que o acordo foi costurado com os líderes partidários, e não com o presidente da Casa, e Hugo Motta em entrevista afirmou que pautará a anistia se essa for a decisão do Colégio de Líderes, na próxima semana.

Motta não foi o condutor do processo, ou não aparece como tal, o que prenuncia um cenário em que sua eventual reeleição como presidente da Câmara em 2027 parece improvável.

Em entrevista ao portal Metrópoles, o presidente da Câmara respondeu do seguinte modo ao ser perguntado sobre o foro privilegiado: “Tem um sentimento de incômodo tanto dentro da Câmara quanto no Senado com algumas decisões que são tomadas no Supremo Tribunal Federal. Isso é um sentimento dentro da Casa, muitas vezes de invasão de algumas prerrogativas, de interferência do Judiciário no poder Legislativo”. E concluiu: “Às vezes pautas que são anti-Supremo, anti-Poder Judiciário, acabam tendo solidariedade recíproca.”

Essa é a expressão chave: solidariedade recíproca. Entre que partes? Obviamente, de um lado, o bolsonarismo e, do outro, o que Motta chamou de “sentimento” do Congresso. Solidariedade recíproca contra o protagonismo do Supremo.

Caso este acordo prospere, representará uma guinada importante para o bolsonarismo, que para chegar aonde chegou se apoiou nos ombros da Lava-Jato na década passada. Já faz bastante tempo, mas é bom lembrar que Eduardo Bolsonaro em 2016 foi um dos mais estridentes apoiadores das “dez medidas contra a corrupção”, projeto de iniciativa popular que nasceu no Ministério Público Federal, e que por obra e graça do Congresso de então se transformou em um substitutivo que anistiava o uso de caixa dois em campanhas eleitorais. Uma liminar do ministro Luiz Fux, pedida por Eduardo, determinou que a tramitação da proposta voltasse para o zero. Está parado na Câmara desde o início da legislatura.

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