O Estado de S. Paulo
Desta vez, não se trata de nenhum alarmismo.
A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
(COP-30), prevista para novembro, em Belém do Pará, está seriamente ameaçada.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP-30, advertiu que os altos custos de hospedagem tornam o evento proibitivo. O presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, cancelou nesta semana sua participação na conferência em razão dos preços incompatíveis com o orçamento de seu país. Enquanto isso, a rede hoteleira local se recusa a justificar ao Ministério da Justiça o aumento de até dez vezes nos valores das diárias.
Esta Coluna já alertou, em duas edições
diferentes, para a ausência de providências voltadas à resolução dos problemas
logísticos. Alguns comentaristas têm acusado hotéis e outros prestadores de
serviços de hospedagem de prática abusiva e até de roubo. Mas isso também é um
equívoco. Como os preços são determinados pela lei da oferta e da procura – e
não por imperativos morais –, é tecnicamente compreensível que estejam
atingindo níveis estratosféricos.
O que há, de fato, é uma insuficiência de
acomodações em Belém para um evento dessa magnitude. Mesmo com algumas
improvisações já previstas, a solução do problema está longe de encaminhada.
Se o governo de uma potência econômica de
primeira ordem, como a Áustria, não consegue arcar com essas despesas, é
possível imaginar o que ocorrerá com delegações de países menores, que não
podem aguardar indefinidamente para confirmar suas participações e dependem das
informações já disponíveis.
Cerca de 29 delegações encaminharam carta à
presidência da COP-30 questionando os preços praticados. Entre elas, está o
bloco dos Países Menos Desenvolvidos (LDC, na sigla em inglês), que inclui mais
de 40 nações em desenvolvimento, como Angola, Haiti, Senegal e Tuvalu.
Não há nem mesmo garantia de que as obras de
infraestrutura ou a ampliação da rede hoteleira estarão prontas a tempo de
deixar um legado para a população local, como já aconteceu com diversos projetos
inacabados durante a Copa do Mundo de 2014.
Belém é uma das capitais brasileiras com os
piores índices de saneamento básico: apenas 19,9% da população tem acesso à
coleta de esgoto, segundo dados do Instituto Trata Brasil. A ausência de água
tratada e de coleta e tratamento de esgoto favorece a proliferação de doenças,
sobretudo entre as populações mais vulneráveis e das periferias. Soma-se a isso
o impacto ambiental já causado pela construção de uma rodovia que corta ao meio
uma floresta protegida.
Como o país mais influente do mundo, os
Estados Unidos, já avisou que, por outros motivos, não participará da COP-30 –
e se outras ausências importantes se confirmarem por conta dos custos, será
surpreendente se o evento ainda alcançar algum sucesso. Com essas ausências,
até mesmo a legitimidade das decisões que eventualmente forem tomadas poderá
ser colocada em xeque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário