Não há alternativa à dependência de fertilizantes russos
O Globo
Investida tarifária de Trump para pressionar
Putin expõe lado vulnerável do agronegócio brasileiro
As tarifas de 50% impostas por Donald Trump sobre
produtos indianos acenderam um alerta no Brasil. Trump impôs a sobretaxa como
forma de pressão para a Índia parar de comprar petróleo da Rússia. Dado o caráter
mercurial da política tarifária americana, o receio é que, na tentativa de
asfixiar a economia russa para forçar Vladimir Putin a assinar a paz com a
Ucrânia, Trump mais uma vez volte os olhos ao Brasil. Estamos expostos em dois
setores: transporte e agropecuária. Três em 10 litros de óleo diesel vendidos
aqui são importados (a Rússia responde por 60%). Nos fertilizantes químicos,
matéria-prima do agronegócio,
a dependência é crítica: o Brasil importa 90%, tendo a Rússia como maior
fornecedor, com 30%.
Com o estouro da guerra na Ucrânia em 2022,
os russos foram alvo de sanções e passaram a vender diesel e petróleo com
desconto. Importadores brasileiros não foram os únicos a aproveitar. Se Trump
impuser restrições ao diesel russo, não faltam fornecedores alternativos. “O
risco de desabastecimento no Brasil é próximo de zero”, diz o consultor de
energia Adriano Pires. O maior problema será o custo alto e o impacto
inexorável na inflação de um país onde o transporte rodoviário predomina.
A questão mais preocupante são os
fertilizantes. A demanda brasileira tem crescido acima da global. A Rússia é um
dos dois maiores produtores, e há poucos fornecedores alternativos. No curto
prazo, uma saída seria importar mais de China, Canadá, Marrocos ou Egito. Mas,
num momento em que outros países serão forçados a fazer o mesmo, haverá
escassez e preços altos. O próprio agronegócio americano está preocupado. Quase
metade do nitrato de ureia e amônio usado nos Estados Unidos vem da Rússia. No
ano passado, o país importou mais fertilizantes russos que antes da guerra na
Ucrânia.
A produção de fertilizantes exige uso
intensivo de energia. Além de contar com reservas minerais, os russos têm gás
barato para queimar. No curto e no médio prazos, não há saída: não só o Brasil,
mas o mundo todo depende da Rússia para produzir alimentos. Mesmo que o Brasil
explorasse o potássio que tem (em áreas de risco ambiental), dificilmente seria
autossuficiente no médio prazo (foi esse, vale lembrar, o argumento usado pelo
governo Jair Bolsonaro para fazer acenos a Putin quando o conflito eclodiu na
Ucrânia). Para fábricas de fertilizantes se tornarem viáveis, o preço do gás
teria de cair à metade. “Para diminuir a dependência, só com subsídio”, diz
José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro Consultoria. “Mas até isso é difícil.
Que empresa privada poria bilhões numa fábrica se a sobrevivência do negócio
depende de vários governos honrarem o compromisso de manter gás barato?”
O governo até tem tentado incentivar o setor.
A Petrobras anunciou investimentos de R$ 6 bilhões no segmento até o fim da
década, e uma de suas subsidiárias deu o primeiro passo para retomar a produção
de fertilizantes. Mas ainda são iniciativas tímidas.
Em três das quatro principais classes de fertilizantes, o Brasil depende de importações para suprir 90% da demanda. Não seria problema se o mundo não estivesse sujeito ao temperamento volátil de Trump. Não haverá solução rápida nem fácil, mas a relevância estratégica do agronegócio exige uma política consistente para fertilizantes. Tal desafio está claro desde o início da guerra na Ucrânia. A volta de Trump o torna mais urgente.
Assassinato trágico de jovem comprova que
câmera nas fardas é imprescindível
O Globo
Versão falsa dos PMs que mataram morador de
rua em São Paulo foi desmentida pelas imagens gravadas
A história chocante dos PMs que mataram um
morador de rua em São Paulo é
demonstração eloquente de como as câmeras nas fardas se tornaram
imprescindíveis para restabelecer a verdade nas operações e abordagens
policiais controversas. O caso aconteceu em 13 de junho. Inicialmente, os
agentes alegaram que o jovem estava alterado e tentou tirar a arma de um dos policiais,
motivando os disparos. Os vídeos das câmeras corporais contaram história
diferente.
O jovem, desarmado, foi abordado por volta de
20h30 perto do Parque Dom Pedro II, e levado para trás de uma pilastra, onde a
cena não poderia ser observada. Após uma hora, período em que os agentes o
fotografaram, um policial disparou três tiros de fuzil. Um deles atingiu o
rapaz na cabeça. Nas imagens, ele aparece chorando pouco antes de ser alvejado.
Para o Ministério Público, houve “execução sumária”. O porta-voz da PM, coronel
Emerson Massera, chamou a ação de “abominável”. Os dois PMs estão presos.
Ao registrarem boletim de ocorrência, os PMs
relataram ter estacionado a viatura sob o Viaduto 25 de março, quando foram
surpreendidos pelo jovem. Ainda segundo os policiais, ele contou que era
procurado por estupro e agressão. Pela versão dos PMs, no momento em que o
levariam à delegacia, tentou agarrar a arma de um deles. As imagens desmentiram
essa versão.
Embora os PMs só tenham ligado a câmera
depois dos disparos, as imagens já haviam sido gravadas automaticamente e
enviadas para a central de monitoramento da polícia. Quando outros policiais
chegaram ao local, um deles avisou que as cenas eram gravadas, e outro comentou
que era preciso “dar uma olhada nas gravações”.
Trata-se de mais um episódio em que as
câmeras restauram a verdade. Em julho, a análise de imagens revelou que dois
PMs haviam atirado num jovem desarmado, já rendido, durante ação na favela de
Paraisópolis, em São Paulo. O vídeo mostra que, apesar de ele não ter oferecido
resistência, um dos agentes disparou dois tiros, o outro mais um. Eles não
sabiam que as imagens eram captadas pelo equipamento de um policial que não
participava diretamente da cena. Os dois PMs foram presos. Em novembro do ano
passado, câmeras mostraram um PM atirando à queima-roupa num estudante de
medicina desarmado em São Paulo.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) relutou em manter as câmeras corporais no início do governo, mas acertou em dar prosseguimento ao programa bem-sucedido. O equipamento é usado em vários países como forma de garantir a transparência das ações policiais, reduzir a letalidade e assegurar a integridade, tanto do cidadão quanto dos agentes. Acusações falsas contra os policiais podem também ser facilmente desmentidas pelas câmeras. Ainda há, é certo, muita resistência a seu uso. Um desafio para as forças de segurança é evitar que as imagens sejam sabotadas por danos ao equipamento ou ações deliberadas para ocultá-las. Mesmo com essas dificuldades, a cada dia comprova-se com mais convicção que são essenciais.
Brics não esboçam reação ante ofensiva de Trump
Valor Econômico
Inação do Brics pode ensinar ao Brasil, mais
uma vez, que a independência em relação aos EUA e à China é a melhor rota a
seguir
O presidente Donald Trump puniu com
severidade os países do Brics em sua guerra tarifária, na qual dois de seus
membros originais, Brasil e Índia, receberam as maiores de todas as tarifas
aplicadas, 50%. Desde 2 de abril, o “dia da libertação”, quando foram
anunciadas “tarifas recíprocas”, ficou claro que o sistema multilateral de
comércio fora atingido vitalmente e que os EUA tentariam dali em diante impor
sua vontade nas relações econômicas e políticas globais. A reação do Brics, o
bloco que se pretendia como alternativa à hegemonia americana, foi pífia, em
vários sentidos. Trump quis anular o poder do Brics e mostrar que ele não passa
de um “tigre de papel”, imagem cunhada por Mao Tsetung, o líder chinês, para
desdenhar do poder dos EUA quando se afundavam no pântano sem saída do Vietnã.
As maiores economias do Brics agiram
isoladamente diante da ofensiva americana e não houve qualquer sinal de que
sequer tenham esboçado alguma reação conjunta. Quando o cerco tarifário
americano já havia ficado claramente desenhado, os países do bloco se reuniram
no Rio de Janeiro, e, em 6 de julho, em uma declaração verbosa (126 parágrafos),
os líderes tangenciaram a ameaça que já enfrentavam. Deploraram “medidas
coercitivas unilaterais”, segundo um documento que deliberadamente mantinha o
sujeito oculto da agressão, Trump. Só agora, depois que seu acesso ao mercado
americano foi severamente tolhido, ou simplesmente fechado, o Brics ameaça
tomar alguma atitude. Com o bloco sob a presidência do Brasil, o presidente
Lula afirmou que pretende consultar seus parceiros, começando pelo indiano
Narendra Modi, para saber como foram atingidos pelas tarifas e o que pode ser
feito em conjunto.
Em seu primeiro embate verdadeiro com o
unilateralismo americano, o Brics, potencial embrião de uma opção global,
mostrou-se politicamente irrelevante e pode ser condenado à nulidade se
continuar assim no futuro. O país mais poderoso do grupo, a China, persegue
objetivos próprios e prescindiu de companhia em um enfrentamento bilateral,
quando as regras comerciais que propiciaram sua ascensão foram deixadas de lado
pelos EUA.
A China é o único país que discorda dos EUA,
o confronta de igual para igual e ainda assim consegue um foro privilegiado,
com discussões de escalões graduados. Resistiu aos blefes e desaforos de Trump,
à ameaça de tarifas estratosféricas de 145% que não se concretizaram porque as desdenhou.
O Brics, nesse ponto, revelou-se um peso desnecessário para Pequim, por vários
motivos.
As declarações do bloco dão pistas do que a
China pretendia com o Brics e que pode ter se tornado uma política
ultrapassada. China, Brasil, Rússia e Índia se aglutinaram sob auspícios de um
acrônimo criado pela Goldman Sachs, cuja substância se tornou real ao aglutinar
países emergentes em ascensão, à busca de um lugar ao sol em uma ordem global
que pretendiam multilateral. Ainda que com interesses heterogêneos e
frequentemente divergentes, os países buscaram ficar juntos na ordem desenhada
pelos EUA em Bretton Woods, que moldou as instituições internacionais do
pós-guerra. A meta da China de obter maior espaço nas instituições
multilaterais era um objetivo caro também aos demais, assim como o de tornar o
comércio internacional sem barreiras e com livre acesso aos mercados mundiais -
ninguém soube tirar maior proveito disso do que Pequim. Dessa forma, o Brics
foi ampliado por insistência chinesa, que procurou o maior apoio político
possível para reformar a velha ordem, mas essa ordem parece ter sido já
desfeita por seu criador, os EUA sob Trump.
Trump redefiniu, provisoriamente ou não, a
geopolítica global. Ao se apoiar no poder nu e cru, que ignora consensos de instituições
plurais e seus vários atores, mudou as regras do jogo. Nesse novo mundo, há
poucos protagonistas, e os parceiros chineses do Brics, como Brasil e África do
Sul, são coadjuvantes mais ou menos dispensáveis. Ao forçar disputas
bilaterais, os EUA colocaram à prova a coesão e a capacidade de ação do Brics.
Não houve reação conjunta nem ela foi buscada. Em um momento decisivo, as
divergências de interesses pesaram. O jogo da Índia, de negócios com Moscou,
bajulação aos EUA, e equidistância da China, não deu certo, e ela foi punida
com tarifas exorbitantes. A China, rival da Índia e aliada da Rússia, nunca
quis que Brasil e Índia ingressassem no Conselho de Segurança da ONU, como mais
uma vez ficou provado na reunião no Rio em julho. As ditaduras que foram
apensadas ao Brics por influência de Pequim só tinham validade em disputas
multilaterais em que número e influência são importantes - e com Trump não
contam para nada.
A guerra tarifária só começou e a situação da China está longe de definida. Tudo pode mudar, mas Xi Jinping aposta em um acordo que lhe seja vantajoso ou o menos desfavorável possível, diante das circunstâncias - um acordo solitário e exclusivo. O Brics pode ser útil à China se isso não for possível. Mas as desventuras atuais do bloco podem ensinar ao Brasil, mais uma vez, que a independência em relação aos EUA e à China é a melhor rota a seguir.
Poderes dão motivos para insatisfação de
brasileiros
Folha de S. Paulo
Datafolha revela alta reprovação do governo
Lula e piora da avaliação do Congresso e do Supremo
A recente sucessão de conflitos pode ter contribuído para a deterioração. Cada um dos atores políticos tenta jogar culpas sobre os outros
A mais recente pesquisa do Datafolha mostrou
sinais de mais pessimismo e mau humor dos brasileiros, ao menos em relação aos
Poderes instalados em Brasília. É sempre difícil apontar com precisão os
motivos para fenômenos desse tipo, mas pode-se dizer que Executivo, Legislativo
e Judiciário federais fornecem boas hipóteses.
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) continua
sendo mal avaliado pela população. Os 40% de reprovação e 29% de
aprovação praticamente se repetem desde abril. Chama a atenção ainda que, de
junho para cá, saltou de 33% para 45% a parcela dos que esperam uma piora da
situação econômica do país —e apenas 28% manifestam otimismo.
Há, é claro, o fato novo do choque tarifário
imposto ao país por Donald Trump.
Mas as expectativas já se deterioravam desde o ano passado, coincidindo com a
alta da inflação e dos juros impulsionada pela gastança persistente da
administração petista.
Historicamente mal avaliado, o Congresso
Nacional é tido como ruim ou péssimo por 35% dos eleitores,
ante 18% que o consideram ótimo ou bom —na sondagem anterior, de março de 2024,
os dois grupos eram do mesmo tamanho (23% e 22%, respectivamente).
Para nada menos que 78% dos entrevistados,
deputados e senadores colocam
seus interesses à frente dos da população. A multiplicação de
emendas parlamentares ao Orçamento, acompanhada de evidências de má gestão e
corrupção, é suficiente para tornar o veredito plausível.
Já o Supremo Tribunal Federal tem histórico
bem mais inconstante de avaliações. Não foram poucas as vezes em que as linhas
de reprovação e aprovação se cruzaram nos últimos anos. Hoje, a
primeira reúne 36%, e a segunda, 29%. Em março do ano passado, havia
empate (28% a 29%)
Pode-se imaginar que a recente sucessão de
escaramuças institucionais tenha contribuído para esse quadro de insatisfação
difusa. Cada um dos principais atores políticos tenta credenciar-se, ou
eximir-se de culpa, jogando responsabilidades sobre outros.
O governo Lula, por exemplo, buscou empurrar
para o Congresso o ônus pela desigualdade social. Diante da resistência a mais
um aumento de imposto, apelou para a retórica polarizante de ricos contra
pobres. Não ganhou pontos com isso, mas ajudou a desgastar o Legislativo.
Mais frequentes ainda são choques entre
Congresso e STF.
Com boa dose de razão, parlamentares se queixam de intervenções indevidas do
Judiciário em seu campo de atuação, além de abusos censórios; sem razão
nenhuma, resistem e reagem a decisões que impõem princípios de transparência a
suas emendas orçamentárias. O desgaste é mútuo.
Seria conveniente que os Poderes tomassem os resultados da pesquisa Datafolha como um alerta, percebendo que esses são jogos perigosos em que todos perdem e exercendo a autocontenção. Parece pouco provável que isso aconteça, no entanto.
Câmeras mostram polícia que mata
Folha de S. Paulo
Em mais um homicídio de suspeito rendido em
SP, gravação ininterrupta é crucial para esclarecer crime
O caso expõe tentativas de manipulação. O vídeo está sem áudio porque PMs não acionaram o dispositivo, o que contraria normas
Menos de um mês após dois agentes da Polícia
Militar matarem um
suspeito já rendido, a brutalidade das forças de segurança de São Paulo é
novamente captada por câmeras corporais. O caso ocorreu no dia 13 de junho,
mas as imagens
aterradoras foram divulgadas recentemente pela TV Globo e
obtidas pela Folha.
O morador de rua Jeferson de Sousa Santos,
que não oferecia resistência, foi alvejado por três tiros de fuzil disparados pelo
tenente Alan Wallace dos Santos Moreira, enquanto o soldado Danilo Gehrinh
participava da ação.
Os dois policiais foram presos e denunciados
por homicídio doloso
(quando há intenção de matar) no dia 22 de julho.
Trata-se de mais uma ocorrência que poderia
ter ficado impune se não fosse pela tecnologia.
Os PMs disseram que Santos havia tentado tomar a arma de um deles, mas as
imagens não corroboram esse relato.
A vítima aparece com as mãos atrás da cabeça
e, depois, com mãos atrás das costas. Sem realizar movimentos bruscos, coloca
os braços à frente, aparentemente para serem algemados. Nesse momento, foi
assassinada. O Ministério Público qualificou a ação como "mero
sadismo" que revela "desprezo pelo ser humano".
O vídeo está sem áudio porque os agentes não
acionaram o dispositivo, e um deles diversas vezes bloqueia a lente, o que
contraria normas da corporação.
O episódio chocante reforça a importância das
câmeras e expõe tentativas de prejudicar a captação de imagem e som.
O tema envolve idas e vindas. Durante a
campanha eleitoral em 2022, o então candidato Tarcísio de
Freitas (Republicanos) chegou a afirmar que retiraria as
câmeras das fardas. No final de 2024, já governador, admitiu que estava
"completamente errado".
Há também um debate sobre o acionamento. As
câmeras atuais permitem gravação ininterrupta —o policial liga o dispositivo
apenas para melhorar a qualidade do vídeo e ativar o áudio.
No ano passado, o governo fez uma licitação
para comprar 12 mil equipamentos que gerou críticas de especialistas, já que
eles precisam ser ativados ou pelo agente ou pela central de operações.
Só as câmeras não controlam o uso da força.
Sua eficácia depende de protocolos de acionamento e de formatos de armazenagem,
além de medidas integradas que envolvam treinamento, fortalecimento de órgãos de
controle e combate à impunidade.
As imagens dos casos recentes mostram não só
brutalidade policial, mas também as falhas da gestão paulista em contê-la.
Golpismo explícito
O Estado de S. Paulo
A punição dos que sequestraram o Congresso a
título de livrar a cara de Jair Bolsonaro tem de ser exemplar. Não se pode
premiar com a leniência quem atenta contra o funcionamento de um Poder
O País assistiu, estarrecido, ao sequestro
das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado por parlamentares bolsonaristas que
decidiram rasgar o Regimento de ambas as Casas, afrontar a Constituição e
manchar a história do Congresso fazendo-o refém de uma chantagem. Durante mais
de 30 horas – que não deveriam ter durado nem 30 minutos –, os trabalhos
legislativos foram suspensos na marra por uma súcia de deputados e senadores
que puseram seus mandatos a serviço da impunidade de Jair Bolsonaro, e não do
melhor interesse do Brasil. O que se viu não foi nada menos do que uma nova
tentativa de golpe no coração da democracia representativa.
Chamemos as coisas pelo nome. Não há outra
forma de descrever o que aconteceu em Brasília. Impedir o livre trabalho do
Congresso não é outra coisa senão um atentado contra o Estado Democrático de
Direito. Pior ainda quando a violência é perpetrada de dentro da instituição
democrática por excelência por indivíduos que, malgrado terem sido
legitimamente eleitos, agiram como traidores da mesma democracia que os
consagrou nas urnas. Um absurdo.
Obstrução parlamentar é prática legítima em
todas as democracias maduras. Porém, o que os vândalos bolsonaristas praticaram
naquelas horas de caos não foi obstrução, mas coerção. Não foi protesto contra
a prisão domiciliar de Bolsonaro, foi delinquência. Em última análise, não foi
política, foi seu exato oposto: a imposição de vontades por meio da força
bruta.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do
Senado, Davi Alcolumbre, falharam miseravelmente em impedir o sequestro. A
Polícia Legislativa deveria ter sido acionada minutos após a paralisação dos
trabalhos legislativos. Ulysses Guimarães, um dos mais altivos deputados a
tomar assento na presidência da Câmara, não teria hesitado em fazê-lo. Já Motta
e Alcolumbre, lamentavelmente, mostraram-se menores do que suas cadeiras ao se
omitirem por tempo demasiado longo enquanto as Casas que presidem eram violadas
por uma turba de parlamentares que, na prática, comportou-se como uma facção
criminosa a serviço de Bolsonaro.
Passada a tibieza inicial, o único caminho republicano
que se abre diante de Motta e Alcolumbre, se preocupados estiverem com suas
biografias, é a restauração da autoridade moral e política do Congresso. E isso
só será possível por meio de duas ações. Em primeiro lugar, a imediata e
rigorosa punição de cada deputado e cada senador que participou do sequestro do
Legislativo federal. O que eles fizeram é intolerável para um país que se
pretende sério. Em segundo lugar, os presidentes da Câmara e do Senado devem
enterrar definitivamente as demandas apresentadas pelos delinquentes a título
de resgate. Avançar com a proposta de anistia a Bolsonaro e outros golpistas ou
com o impeachment desarrazoado do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes equivalerá a uma capitulação. Não se negocia com
delinquentes. A democracia não se rende – ou deixa de ser democracia.
Por ora, é desconhecido o inteiro teor da
barganha que Motta e Alcolumbre fizeram com os sequestradores travestidos de
parlamentares para a retomada de seus assentos. Mas, se há um cálculo político
que ambos têm de fazer agora, é este: caso não punam exemplarmente os radicais
bolsonaristas, sinalizarão que sua tática bandida é aceitável e,
consequentemente, pode ser repetida no futuro. Por óbvio, não pode. Em uma
democracia digna do nome, não é normal o que essa gente fez.
O Congresso precisa dar uma resposta clara e
firme aos bolsonaristas irresignados com os ritos democráticos: no Estado
Democrático de Direito não há espaço para aventuras autoritárias que pretendem
subverter as instituições em nome de interesses particulares de quem quer que
seja. Deputados e senadores têm o dever de defender os interesses da sociedade
e da Federação, e não do líder de um movimento político que cada dia mais se
desvela como seita.
É hora de Motta e Alcolumbre, do alto dos
cargos que ocupam, fazerem uma escolha entre a leniência que estimula a baderna
e a firmeza institucional que a debela. A Câmara e o Senado precisam se erguer
em defesa de sua própria autoridade. O País precisa de paz. E ela só virá se o
Congresso não se ajoelhar diante dos que pretendem sabotá-lo.
Quem avisa amigo é
O Estado de S. Paulo
Líder de entidade empresarial francesa alerta
Brasil sobre riscos de discutir redução de jornada de trabalho antes de
alcançar níveis robustos de produtividade. Na França, foi um desastre
A passagem de seis dias do presidente Lula da
Silva pela França, em junho, rendeu promessas de investimentos, fotos com a
Torre Eiffel verde e amarela, celebração pelos 200 anos de relações bilaterais
e um alerta do empresariado francês ao Brasil: “Não façam como nós”. A
advertência, relativa à redução da jornada de trabalho sem um equivalente
aumento da produtividade, veio mais de um mês após a viagem, na forma de artigo
publicado por Patrick Martin, presidente da maior federação patronal do país, o
Mouvement des Entreprises de France (Medef), no jornal O Globo.
O Medef atua como porta-voz dos interesses de
empresas de todos os portes, influenciando em políticas públicas e
regulamentação do ambiente de negócios. Em encontro privado com o presidente
brasileiro em Paris, um grupo de empresários franceses manifestou a intenção de
investir R$ 100 bilhões no Brasil até 2030 e ouviu de um empolgado Lula que
reformas ajudariam a levar o Brasil da décima para a sexta posição entre as
maiores economias do mundo.
Uma delas em especial chamou a atenção de
Martin, a ponto de escrever o artigo em que fala sobre a experiência francesa
de mais de 20 anos de adoção de jornada de trabalho reduzida, que garantiu ao
país a terceira menor carga horária da Europa, ao mesmo tempo em que lhe
conferiu uma taxa alta de desemprego. O empresário não entrou no mérito sobre o
que pode ser considerada uma carga horária ideal, tampouco discorreu sobre
semelhanças e diferenças conjunturais entre os dois países. Concentrou-se
apenas na principal condição econômica que permite a redução de jornada sem
efeitos colaterais adversos: a produtividade.
Na França, lembrou Martin, o tema ganhou
destaque nas eleições legislativas de 1997. “O slogan das 35 horas semanais
partia de uma constatação real: o trabalho tende a diminuir com o aumento da
produtividade. Mas é o aumento da produtividade que permite a redução da
jornada, e não o contrário. Esse slogan populista influenciou o voto dos
franceses”, escreveu.
O aumento da produtividade – obtido por meios
sobejamente conhecidos, como investimentos em inovação e tecnologia,
qualificação profissional e melhoria do ambiente de negócios – tende não apenas
a reduzir a carga de trabalho como também a acelerar o crescimento econômico,
melhorar a renda per
capita e combater a desigualdade. Mas essa série de
consequências positivas depende da relação entre o que é produzido e o que foi
necessário para a sua produção: tempo, mão de obra, material e esforço.
No Brasil, há projetos em discussão na Câmara
e no Senado com diferentes propostas de redução de jornada de trabalho, mas
nenhuma terá o condão de elevar a produtividade, que há décadas patina no
Brasil. O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV
Ibre), que monitora a produtividade desde 1981, identificou uma tendência de
queda contínua a partir de 2017, com breve interrupção no período da pandemia.
Leis não resolvem simplesmente porque é a
dinâmica do trabalho que define a qualidade da produção e a competitividade. Em
um de seus escritos mais citados sobre produtividade, Paul Krugman, Nobel de
Economia, diz que, no curto prazo, outros fatores podem contribuir para o
crescimento econômico, mas que, no longo prazo, somente o aumento da eficiência
na produção de serviços e bens pode determinar o padrão de crescimento de um
país.
Com isso, ganha ainda mais importância o
alerta sobre a França depois que o bordão populista da campanha de 1997 virou
lei. Patrick Martin lista as consequências: o custo por hora trabalhada
aumentou 10%; o Estado precisou socorrer empresas com bilhões de euros por ano;
a competitividade caiu; houve perda de mercado e desindustrialização; empresas
ficaram desorganizadas; serviços de saúde perderam eficiência; e houve
desequilíbrio na balança comercial.
Ele cita que em 1980 o PIB per capita na França era
equivalente ao dos Estados Unidos e hoje está 45% abaixo. “Qual a lição? É
perigoso contar com ganhos de produtividade antes de gerá-los. A França perdeu
essa aposta e ainda busca uma saída.” Que o Brasil não cometa o mesmo erro.
Indiferença pela vida
O Estado de S. Paulo
Imagens mostram a incrível frieza de PMs que
mataram um sem-teto desarmado e rendido
Imagens de uma câmera acoplada à farda de um
soldado da Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo revelaram que um morador
de rua de 24 anos, desarmado e rendido, foi morto por policiais militares com
tiros de fuzil, na noite do dia 13 de junho passado, durante uma abordagem no
Brás, bairro do centro de São Paulo.
O episódio é terrível por pelo menos dois
aspectos: o primeiro, óbvio, é o crime em si, cometido com espantosa frieza por
agentes do Estado contra um cidadão desarmado; o segundo é que esse foi apenas
o mais recente de uma série de casos de violência policial que, de tão extensa,
já começa a sugerir que se trata de um modelo. Gostaríamos de acreditar que
sejam exceções numa corporação que até recentemente trabalhava com denodo para
reduzir a letalidade policial, mas aqueles eram outros tempos.
Hoje, sob o comando de Guilherme Derrite, um
ex-policial afastado da Rota por sua truculência excessiva até para os padrões
históricos daquela tropa, os maus policiais parecem à vontade. Só não estão
mais à vontade porque há câmeras em seus uniformes. Como se sabe, se dependesse
da vontade de Derrite e de seu chefe, o governador Tarcísio de Freitas, nem
câmeras haveria – e os cidadãos jamais saberiam que policiais andam por aí
matando gente desarmada, rendida e implorando pela vida, como se vê nas
pavorosas imagens do jovem alagoano Jeferson de Souza, a vítima mais recente.
Segundo a versão do soldado Danilo Gehring,
cujo aparelho estava ligado, e do tenente da Força Tática Alan Wallace dos
Santos Moreira, o autor dos disparos, o morador de rua tentou tirar o revólver
de um deles durante a abordagem, que se deu debaixo de um viaduto, o 25 de
Março, e atrás de uma de suas pilastras – longe, portanto, do alcance das
câmeras dos prédios. Souza foi alvejado na cabeça, no tórax e no braço.
Conforme uma gravação recentemente divulgada pela TV Globo, não é possível
ouvir o que é dito, mas é possível ver de forma nítida que Souza estava rendido
e amedrontado diante de agentes formados, treinados e bancados pelo Estado para,
por dever de ofício, moral e ético, promoverem a segurança e protegerem a vida.
O porta-voz da PM, coronel Emerson Massera,
já viera a público, em julho, anunciar que a versão do tenente e soldado era
uma mentira, o que, segundo ele, “envergonha” a corporação. Tomara que seja
sincero: a vergonha, para quem tem um pingo dela, é um poderoso estímulo para
mudar mau comportamento. Recentemente, o mesmo porta-voz também teve de
explicar por que policiais haviam executado um jovem já rendido durante uma operação
na Favela de Paraisópolis. É dura a vida do coronel Massera.
No caso do Brás, Moreira e Gehring já estão presos, e anteontem a Justiça paulista aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra os dois PMs, que agora figuram como réus. Segundo o promotor de Justiça Enzo Boncompagni, eles “agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima, pessoa em situação de vulnerabilidade social”. Eis aí um bom resumo do que aconteceu, mas nem precisava: as imagens falam por si.
Colesterol em alta, uma tendência que exige
alerta
Correio Braziliense
Tão danoso quanto a glicose alta, o
colesterol alto é totalmente silencioso, o que faz com que a maioria das
pessoas não se preocupe em medi-lo nem em consultar o médico
Quase nunca ele é lembrado. Somente quando
causa algum estrago no organismo. Hoje, Dia Nacional do Colesterol, os
brasileiros não têm muito do que se orgulhar, já que os níveis dessa substância
em excesso são porta de entrada para quadros graves e irreversíveis, a exemplo
de angina (dor no peito), infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral
(AVC), entre outras complicações cardiovasculares.
No Brasil, pelo menos 40% da população adulta
têm colesterol alto. São, portanto, cerca de 56 milhões de pessoas acima de 18
anos em uma condição de saúde mais vulnerável, além de 20% de crianças e
adolescentes. O quadro é ainda mais grave quando olhamos para os óbitos: a cada
ano, 400 mil mortes são provocadas por doenças cardiovasculares, segundo a
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), muitas das quais decorrentes da
hipercolesterolemia.
A maior vulnerabilidade a doenças
neurodegenerativas, mais comuns durante a velhice, também tem sido observada
por cientistas. Pesquisa britânica publicada, em abril, na revista científica
Journal of Neurology Neurosurgery & Psychiatry mostra que manter as taxas
de colesterol baixas reduz em 26% o risco de demência por todas as causas e em
28% a possibilidade de ser acometido pelo Alzheimer.
Tão danoso quanto a glicose alta, o
colesterol alto é totalmente silencioso, o que faz com que a maioria das
pessoas não se preocupe em medi-lo nem em consultar o médico. Vale lembrar dos
índices de referência, que ficaram mais rígidos a partir de 2017: abaixo de
190mg/dl para o colesterol total, acima de 40mg/dl (desejável) e acima de
60mg/dl (ótimo) para o bom colesterol (HDL); e abaixo de 100mg/dl (ótimo) e de
100 a 129mg/dl (bom) para o colesterol ruim (LDL). No caso do estudo britânico,
os benefícios foram constatados com taxa do LDL abaixo de 70.
Ainda que o Brasil apresente um crescimento
ano a ano do número de pessoas com hipercolesterolemia, o Sistema Único de
Saúde (SUS) geralmente entra em cena para o manejo das doenças cardiovasculares
ligadas a ele. O tratamento para esses pacientes é gratuito, normalmente por
meio das farmácias populares, e inclui medicamentos e acompanhamento médico. O
ideal, porém, seria o fortalecimento de um trabalho preventivo, voltado para
comportamentos capazes de evitar que as taxas de colesterol saiam do
controle.
A combinação de dieta saudável e prática
regular de exercícios físicos segue sendo a principal recomendação dos médicos.
E também um desafio para boa parte dos brasileiros. Insegurança pública, preços
elevados de alimentos naturais e tempo excessivo de deslocamento entre casa e
trabalho são algumas das barreiras que dificultam homens e mulheres na adoção
de novos hábitos.
Não à toa, o país também registra um aumento vertiginoso no número de obesos — doença bastante relacionada ao colesterol alto. Pensar o bem-estar da população em toda a sua integralidade é o único caminho para uma gestão dos gastos públicos em saúde que não tenha que priorizar prontos-socorros e as unidades de terapia intensiva. A urgência é cara. E a prevenção salva vidas.
Agressão à democracia
O Povo (CE)
Bolsonaristas e seus aliados sequestraram o
Congresso Nacional para impor uma pauta que interessa somente a uma família,
por acaso, a do ex-presidente Jair Bolsonaro
O espetáculo deprimente que aconteceu na
Câmara dos Deputados não tem paralelo na história do Brasil, pelo menos desde a
redemocratização do País. Deputados bolsonaristas e seus aliados impediram
fisicamente o início da sessão que estava marcada para as 20h30min, que começou
por volta das 23h.
Após horas de negociação, o presidente da
Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB) teve dificuldade para ocupar sua cadeira,
pois o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS) recusava-se a desocupar o assento.
No entanto, com o clima tensionado ao
extremo, gritos e empurra-empurra entre os deputados, a sessão resumiu-se a um
discurso de Motta apelando para o diálogo. Mas ele foi econômico na repreensão
aos colegas que agrediram as normas básicas de funcionamento do Parlamento, um
ataque à democracia. o presidente disse apenas que o bloqueio do plenário
"não fez bem à Casa".
A obstrução física promovida pelos
bolsonaristas havia começado na segunda-feira, quando os trabalhos do Congresso
deveriam recomeçar depois do recesso de julho. No entanto, os plenários da
Câmara e do Senado foram ocupados em protesto contra a prisão domiciliar do
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Para sustar a invasão, o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), apresentou exigências como anistia aos envolvidos nos atos golpistas
de 8 de janeiro, o fim do foro especial por prerrogativa de função e o
impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ou seja, os bolsonaristas sequestraram o
Congresso Nacional para impor uma pauta que interessa apenas a uma família, por
acaso, a do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Depois do encerramento da sessão de
quarta-feira, com o fim da ocupação, o líder do PL na Câmara, Sóstenes
Cavalcante (RJ), disse que a Câmara iria pautar a anistia aos participantes da
tentativa de golpe e a questão do foro. O acordo teria sido possível somente
depois da intervenção do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No
entanto, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), disse que Motta não se
comprometeu com essas propostas.
A lembrar que espera os congressistas uma
pauta que interessa, não apenas a uma família, mas a todo o País. Estão na fila
aguardando a boa vontade suas excelências propostas como a isenção do imposto
de renda para salários até R$ 5 mil e medidas provisórias próximas do prazo de
vencimento.
O Senado também foi liberado e o presidente
Davi Alcolumbre (União-AP) dirigiu ontem uma sessão remota, a partir da mesa
diretora.
Hugo Motta precisa agora recuperar sua autoridade para se contrapor à chantagem bolsonarista e mostrar que está à altura do cargo que ocupa. Foi lamentável a forma como ele conseguiu reocupar a cadeira da Presidência, emparedado por uma leva de bolsonaristas, que nem ao menos atenderam os seus insistentes pedidos para saírem a plataforma de trabalho da Mesa Diretora.
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