No fundo, a Civilização nasce das trocas: como imaginar a geometria de Pitágoras, que visitou o Egito das fabulosas pirâmides, obras inigualáveis pela precisão arquitetônica, sem o conhecimento dos cálculos que possibilitaram essas construções? Ou pensar a edificação do Estado no mundo de hoje sem o contributo do Direito romano? A História, muitas vezes, é o cruzamento das mais diversas geografias. Se a História vez por outra estabelece fronteiras, a Geografia teima em desdenhá-las.
Houve um tempo, aquele do nomadismo, em que "as nossas pernas eram o único passaporte requisitado", conforme indicou Eduardo Galeano.
No Brasil, não tem sido muito diferente, a nossa geografia assimilando as contribuições histórico-culturais de povos das mais diferentes regiões. Por aqui, os mitos indígenas têm milhares de anos, assim como os orixás africanos. E a língua portuguesa, na qual escrevemos todos, possui cerca de oitocentos anos.
Os documentos coloniais portugueses não atestaram que os lundus - tão "lascivos", música de origem acentuadamente africana - tinham invadido os lares das sinhazinhas em Minas Gerais? E a documentação relativa à história do samba carioca não informa que o então estudante de Medicina Noel Rosa deixava o asfalto de Vila Isabel e subia as ladeiras do Morro dos Macacos, situado no mesmo bairro, para aprender piano com Sinhô? Ainda no terreno da música e dos encontros que ela possibilita, revelando aquele que talvez seja o rosto mais verdadeiro do Brasil: Heitor Villa-Lobos era autodidata e Pixinguinha teve formação erudita. Foram unidos pelo chorinho e pelo amor às canções. Orestes Barbosa morou um período no Morro da Mangueira e chegou a se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. E os exemplos se multiplicam ad aeternum.
As raízes são antigas, mas
os galhos são novos. No Brasil, o que é de fato autóctone é a síntese, a
mestiçagem. Essa é a originalidade nacional - e é também a minha
convicção.
Historiador
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