Correio Braziliense
Pesquisa do Datafolha
de julho mostram que 63% dos brasileiros se opõem à interferência de Trump nos
assuntos internos do país, mas esse número cai para 48% entre os evangélicos e
42% entre eleitores de Bolsonaro
Não devemos nos iludir. A
imposição de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros,
sob a justificativa de ameaça à segurança nacional e como retaliação indireta
ao processo judicial contra Jair Bolsonaro (PL), marca o início de uma disputa
política que tende a se estender até as eleições de 2026. O gesto do presidente
norte-americano Donald Trump vai além da medida comercial. Sinaliza um
alinhamento explícito da Casa Branca à extrema-direita brasileira e representa
uma interferência inédita nos assuntos internos do Brasil.
Trump vincula o processo de Bolsonaro à sua própria narrativa de “perseguição judicial” e, ao fazer isso, espelha a polarização política em seu país no Brasil. Trabalha para enfraquecer a confiança mundial nas instituições brasileiras, principalmente no Supremo Tribunal Federal (STF), que conduz o julgamento do ex-presidente. O tarifaço é uma arma geopolítica, uma forma de chantagem para obter ganhos eleitorais, tanto nos EUA quanto entre os aliados de extrema-direita no Brasil.
Ceder à pressão e negociar
com base em exigências políticas seria um sinal de fraqueza institucional e
abriria precedente perigoso, porém, resistir implica em alto custo econômico,
especialmente para setores-chave como agronegócio, minérios, combustíveis e
manufaturados. Há riscos de erosão política e eleitoral nas regiões mais
afetadas pelo tarifaço, como Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que majoritariamente
se opõem ao governo. Não se sabe ainda se essa maioria se ampliará, sobretudo
em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, ou ainda pode ser compensada
pelo apoio ao governo em outras regiões.
Os dados da pesquisa do
Datafolha de julho mostram que 63% dos brasileiros se opõem à interferência de
Trump nos assuntos internos do país, mas esse número cai para 48% entre os
evangélicos e 42% entre os que votaram em Bolsonaro em 2022. No Sudeste, a rejeição
ao tarifaço é majoritária (67%), mas no Norte e Centro-Oeste, regiões
exportadoras e mais bolsonaristas, a divisão é maior. Ou seja, a opinião
pública ainda pode ser moldada. Existe um caldo de cultura conservador que
respalda as posições de Bolsonaro e Trump.
Até 2026, o conflito tende a
se intensificar. A narrativa de “Brasil soberano contra imperialismo de Trump”
será mobilizada por Lula e seus aliados, enquanto a oposição tentará usar a
crise para reforçar o discurso de que o governo é incompetente na condução das
relações internacionais e hostil ao agronegócio. Espera-se uma escalada
retórica, tanto no plano interno quanto externo. A guerra de versões ofusca o
debate técnico. A preferência por negociação (72 %) indica amplo respaldo à
diplomacia como estratégia do governo, porém, rejeita um confronto aberto de
Lula com Trump.
No Congresso, que volta a
funcionar na próxima semana, a oposição já articula uma CPI para apurar
supostas omissões do governo na gestão da crise comercial com os EUA. Líderes
do PL, do Novo e de parte do PP veem na crise uma oportunidade de reacender a polarização,
ao associar sua política externa a perdas econômicas concretas. Por outro lado,
setores moderados do PSD, MDB e União Brasil mostram desconforto com o tom
beligerante de Trump, especialmente após sua ameaça direta ao STF.
Supremo na berlinda
Lula, denuncia o tarifaço
como uma “ingerência imperial” e violação das regras da OMC. No entanto, o
apoio prático — em termos comerciais ou de compensação econômica — é limitado.
A UE, por exemplo, mantém seu próprio acordo com os EUA e hesita em tomar partido.
A China observa de perto, pode se beneficiar da retração brasileira no mercado
americano, mas não deve se envolver diretamente.
Internamente, o governo
tenta ampliar sua articulação com os setores produtivos para evitar o
isolamento, por meio do vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do
Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). A Frente
Parlamentar da Agropecuária, que tem 303 membros, dialoga com o ministro da
Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, mas é uma força de oposição histórica ao
governo no plano eleitoral.
O Palácio do Planalto estuda
medidas compensatórias, como créditos subsidiados via Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e novos acordos bilaterais na Ásia e
África, mas esses efeitos são lentos e incertos. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, ainda elabora um plano de contingência para mitigar os efeitos do
tarifaço, proteger as empresas e os trabalhadores atingidos pelo colapso das
exportações em setores como o de café, carnes e frutas.
O Judiciário continua sob
pressão. A chantagem para que o STF module o julgamento de Bolsonaro crescerá,
tendo como alvo os demais ministros da Corte, que podem sofrer as mesmas
sanções aplicadas a Alexandre de Moraes. O Supremo já deu sinais de que não aceitará
interferência, tornou-se um símbolo da soberania democrática.
Entretanto, pode se tornar o
epicentro de uma crise institucional se Trump escalar ainda mais as
retaliações. O Departamento de Estado dos Estados Unidos planeja impor a Lei
Magnitsky a outros ministros do STF que votaram a favor do processo contra Jair
Bolsonaro. Em resumo, o tarifaço é o primeiro ato de uma disputa estratégica
que seguirá até 2026.
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