sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Trump acordou Brasil da fantasia do isolamento; vamos voltar a dormir? - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

País sonhava ser imune ao jogo bruto da economia e da política mundiais, agora piorado

A agressão do governo de Donald Trump contra o Brasil parece nos ter acordado de um sonho tranquilo. Isto é, da fantasia de que o país fazia tempo não corria grandes riscos de sofrer ataques diretos no jogo bruto da política mundial (como em 1964).

Sujeitos às idas e vindas da economia mundial e a ações e derivas dos países dominantes sempre estivemos, levados pelas correntes da geoconomia e geopolítica, de um modo inadvertido, para ser gentil.

A dúvida agora é saber se vamos voltar a dormir, se é que Trump e outros fatores de conflito mundial não vão nos deixar insones. Vamos ter de pensar naquele clichê, na nossa "inserção mundial". Temos de pensá-lo agora em marcha forçada, em situação mais perigosa, em um mundo em rápida degradação no que diz às relações políticas, de força bruta, talvez guerra, e de racionalidade econômica alguma.

Uma medida da nossa posição na economia mundial pode ser a do total das exportações brasileiras nas exportações mundiais. É medida precária, limitada, mas serve para estas curtas e modestas colunas de jornal.

Considere-se a participação brasileira nas exportações do mundo de 1982, desde quando há dados melhores, a 2001, quando a China entrava na Organização Mundial de Comércio e crescia como nunca se viu na história. Foi em média de 1,06% do total. Nas duas décadas seguintes, ficou em torno de 1,2%. De 2022 a 2024, pós-pandemia, a participação brasileira foi para os picos da série, para 1,44%.

As exportações brasileiras aumentaram por causa da ascensão da China. O aumento da oferta de produtos foi possível por causa de vantagens típicas do país, desenvolvidas por meio de pesquisa científica e tecnológica —trata-se do tão sabido e excelente caso da Embrapa; depois, da Petrobras.

De início, entre 1990 e 2000, a participação brasileira fica estagnada também porque o comércio internacional crescia em ritmo muito maior do que o do PIB mundial: 2,3 vezes. Perdemos esse bonde. Na década seguinte, essa relação cai para perto de 1,5, mas ainda é forte. De 2011 a 2023, o comércio cresce menos do que o PIB mundial: 0,9.

Tamanho não é o único documento do comércio. Nesse período de liberalização e expansão comercial, houve deslocamento de produção para a Ásia e desenvolvimento maior das tais "cadeias globais de valor". Isto é, fazer um produto depende da importação de insumos, partes, peças e serviços de vários lugares do mundo. No Brasil, um exemplo raro disso é o da Embraer, de início também desenvolvida por investimento em formação e ciência.

E daí? Perdemos o bonde do aumento do comércio em um período regido por regras multilaterais. Perdemos o bonde da integração nas tais "cadeias de valor" por sermos uma economia fechada; não investimos o bastante em pesquisa (gastamos em subsídios).

Hipóteses de industrialização ou fomento de atividades de produtividade mais alta não foram aproveitadas, um dos fatores da "reprimarização" da pauta de exportações e da baixa da indústria no PIB.

Vamos para um mundo sob risco de guerra, de nacionalismo econômico, de política econômica internacional orientada por motivos de segurança. Perdemos oportunidades, mas isso é custo afundado.

O que fazer, além das fantasias, como participar da coalizão para desbancar o dólar ou de abrir sem mais a economia, ou de ideias lunáticas como largar nossa produção de commodities? O que vamos ser agora que precisamos crescer?

 

Nenhum comentário: