sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Governo tenta evitar que sanção abra precedentes - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Na avaliação de um ministro, sanção não foi o desfecho de uma escalada de ameaças contra a soberania brasileira mas o começo


O governo brasileiro avalia que a sanção do ministro Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky não foi o desfecho de uma escalada de ameaças contra a soberania brasileira, mas o começo. E que se o Brasil não se insurgir, será criado um precedente com consequências mais amplas para o Estado nacional.

A manifestação de duas senadoras democratas, Jeanne Shaheen, de New Hampshire, e Elizabeth Warren, de Massachusetts, sinalizou, a integrantes do primeiro escalão do governo, não apenas o alcance pretendido por Trump como a chance de uma ação do Brasil vir a ter apoio da oposição americana. Nesta nota, as senadoras classificam de “absurda” a sanção contra Moraes por meio da Lei Magnitsky, por desvirtuar finalidade de coibir “abusos sérios aos direitos humanos” ao redor do mundo.

“Isso não é apenas um abuso limítrofe de um instrumento de política externa americana: é alvejar um ministro do Supremo Tribunal Federal que está conduzindo o julgamento de um ex-presidente acusado de planejar um golpe contra os resultados de uma eleição democrática no Brasil”, diz a nota, que relaciona a sanção ao tarifaço contra produtos essenciais aos EUA.

“Como se insurgir contra um sistema judicial independente na quarta maior democracia do mundo pode fazer a América mais segura, forte e mais próspera?”, prosseguem as senadoras antes de concluírem: “Este é mais um exemplo de que o presidente Trump prioriza os interesses políticos de seus aliados contra os interesses do povo americano”.

Se a manifestação sinaliza para o apoio político da oposição americana a uma atuação do governo brasileiro em defesa de Alexandre de Moraes, ainda não se sabe que caminhos serão seguidos. As possibilidades, que começaram a ser discutidas no jantar oferecido na noite de quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com as presenças do advogado-geral da União, Jorge Messias, e do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, serão delineadas a partir da avaliação de Moraes sobre o caminho preferencial a ser seguido.

Não há um único. O procurador da República Vladimir Aras, um dos maiores conhecedores da Lei Magnitsky, no Brasil, vê nas sanções aplicadas contra procuradores e juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) os precedentes que mais se assemelham ao caso Moraes. A ex-procuradora do TPI, Fatou Bensouda, sancionada pela Magnitsky no primeiro governo Trump só foi excluída da sanção pelo sucessor, Joe Biden.

Há outros casos, também relacionados ao TPI, em que dois especialistas americanos em direitos humanos foram impedidos de se comunicar com outro procurador do tribunal sancionado Karim Khan. Recorreram à justiça federal do Estado de Maine com base na Primeira Emenda à Constituição dos EUA, ou seja, como uma ofensa à liberdade de expressão. Ambos os casos trazem Trump usando uma lei aprovada para sancionar violadores de direitos humanos contra profissionais incumbidos de defendê-los frente às violações perpetradas em Gaza pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

Na frente doméstica, em defesa do direito do ministro de usar os serviços de empresas americanas, de cartões de crédito ou comércio eletrônico, por exemplo, Aras diz que o embasamento é o da ordem pública. Da mesma maneira que as plataformas digitais Rumble e Truth Social entraram com um processo para proibir os efeitos de decisão de Moraes lá, expediente desnecessário uma vez que o Ministério da Justiça já havia avisado ao seu homólogo americano que a decisão não tinha efeito extraterritorial, o mesmo se aplica à aplicação de lei americana no território nacional. “A aplicação de uma lei americana no Brasil violaria a ordem pública”, diz Aras.

Para o procurador, o Brasil estaria mais protegido se tivesse uma lei, como a União Europeia, que bloqueia o efeito extraterritorial de sanções americanas. A lei europeia é de 1996. O governo brasileiro não planeja encampar nenhuma iniciativa nesse sentido, seja por projeto de lei, seja por medida provisória. De toda maneira, se uma lei dessa já estivesse em vigor, empresas de cartão de crédito, frente à opção de pagar multa em dólar pela desobediência a uma lei americana ou em reais pelo desacato a uma lei brasileira, tenderiam à segunda opção.

Restam a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça. Ambas têm baixa efetividade, mas o recurso a uma, a outra ou a ambas pode ser um imperativo da necessidade de o Brasil demonstrar que não aceitará este caso como precedentes de outras ofensivas de Trump contra a soberania nacional.

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