O Globo
Se texto for aprovado, a cidade se tornará a
primeira capital do Brasil e a maior metrópole do mundo a adotar a gratuidade
Belo Horizonte tem a chance de liderar um
movimento que pode redefinir a mobilidade urbana no século XXI. A Câmara
Municipal deverá votar na semana que vem o Projeto de Lei 60/2025, que
estabelece tarifa zero nos ônibus. Se for aprovado, a cidade se tornará a
primeira capital do Brasil e a maior metrópole do mundo a adotá-la no
transporte coletivo.
A política de tarifa zero nos ônibus tem uma história muito singular no país. Foi proposta primeiro no governo da prefeita Luiza Erundina, na São Paulo do fim dos anos 1980. Naquele momento, o projeto não conseguiu reunir apoio suficiente na Câmara Municipal e nem mesmo dentro do PT. Depois, em 2006, foi incorporada como bandeira pelos jovens do Movimento Passe Livre e passou a ser uma espécie de horizonte utópico das revoltas de tarifa dos anos 2000, que alcançaram seu apogeu nos protestos de junho de 2013.
Desde então, a tarifa zero vem sendo
experimentada como política pública concreta — primeiro em cidades pequenas,
depois em médias — e tem sido adotada mais por governos de direita que por
governos de esquerda. Hoje, 8 milhões de brasileiros vivem em cidades que
adotam a tarifa zero.
As mudanças nos padrões de locomoção urbana
com a pandemia dispararam uma crise nos sistemas de transporte público. Com
menos usuários, as empresas pressionaram por subsídios para manter oferta
mínima de ônibus. Para muitas cidades pequenas — e para algumas médias —, a
tarifa zero era a consequência lógica de demandas por subsídio cada vez
maiores.
Quando essas cidades aboliram a tarifa, a
queda de usuários se reverteu. A demanda disparou e chegou a quadruplicar em
algumas. Ao eliminar a barreira do preço, milhões de cidadãos — sobretudo os
mais pobres — passaram a acessar livremente as cidades. Com o uso de ônibus no
lugar de automóveis e motos, a emissão de poluentes diminuiu, e o trânsito
melhorou. Esses efeitos, modestamente sentidos em cidades pequenas, deverão ser
bem mais expressivos numa metrópole como Belo Horizonte.
Enquanto, nas cidades pequenas que adotaram a
tarifa zero, o custo do sistema de transporte pôde ser integralmente assimilado
pelo Orçamento público, isso não parece viável em grandes metrópoles, cujos
sistemas são muito mais extensos e complexos. O Projeto de Lei de Belo Horizonte
estabelece um financiamento tripartite baseado em subsídio público, verbas
advindas da exploração de publicidade e reformulação do vale-transporte. O
modelo econômico para de pé e é sustentável no tempo.
O vale-transporte é uma política com ótimos
objetivos, mas mal desenhada. Hoje, cobre apenas trabalhadores formais,
deixando metade da força de trabalho desassistida. Muitos não o solicitam
porque, a partir de certo patamar de salário, deixa de ser vantajoso por perder
a contrapartida da empresa.
Com a tarifa zero, esse modelo defeituoso
deixa de existir, já que não há cobrança para usar os ônibus. O Projeto de Lei
propõe, no seu lugar, que as empresas paguem uma taxa por trabalhador, em valor
semelhante ao do vale-transporte, mas cobrado sobre todos os funcionários. Essa
receita, somada ao subsídio atual e a novas verbas de publicidade, deverá ser
suficiente para sustentar o sistema, mesmo com o aumento esperado da demanda.
A adoção da tarifa zero não é uma ideia
excêntrica experimentada por cidades brasileiras. Cidades europeias médias,
como Luxemburgo, Belgrado ou
Montpellier, já implementaram a política com sucesso. Grandes centros urbanos
da Europa desenvolvem estudos para viabilizar a tarifa zero em seus sistemas de
transporte nos próximos anos. Se o Projeto de Lei de Belo Horizonte for
aprovado, o Brasil ficará na vanguarda global das políticas de mobilidade e
sustentabilidade.
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