sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Poderes ocultos. Por José de Souza Martins


Valor Econômico

Na movimentação apressada em favor dos condenados, já antes da condenação, o golpe continua. Por esses meios, pretendem assegurar a presença de Bolsonaro nas eleições de 2026

Acontecimentos políticos dos últimos dias constituem um painel de desafios interpretativos que são reveladores do que até aqui a visão dualista e polarizada da conjuntura política em declínio tem ocultado.

O 8 de Janeiro de 2023 jogou os bolsonaristas no precipício aberto pela ambição de poder e pela incompetência e desconhecimento dos mistérios próprios do processo político. Pela certeza da impunidade.

O julgamento e a condenação do primeiro grupo de réus da conspiração pelos atos golpistas mostraram que, pela primeira vez na história republicana, as instituições funcionam, a Constituição é para valer e sua transgressão é crime.

Então, insistem. Recorrem a um poder pouco debatido e questionado aqui, o poder oculto e paralelo das brechas da lei. As que são manejadas nas sombras da legalidade, pelos próprios interessados, para o ilegal.

Dois episódios expõem a nova cara do golpe persistente e insistente. De um lado a reivindicação dos condenados e dos condenáveis ou, em nome deles, de anistia ampla, geral e irrestrita. Isto é, todos os envolvidos no crime, mas especialmente o líder.

A ambição cega levou-os, também, a propor uma emenda constitucional para vedar a visibilidade de suas ações e medidas ilegais, em especial as de corrupção, a chamada PEC da Blindagem. Criminalidade de político no poder não seria crime porque de autoria invisível.

Na movimentação apressada em favor dos condenados, já antes da condenação, o golpe continua. Por esses meios, pretendem assegurar a presença de Bolsonaro nas eleições de 2026 para prolongar o mandato formalmente interrompido, em 2022. Mesmo pela condenação recente, impedido de candidatar-se em 2026, pretendem a continuidade de Bolsonaro no poder através do governo paralelo de sua família e de seus cúmplices.

A atual legislatura da Câmara dos Deputados é dominada por gente que Bolsonaro arrastou para mandatos dentro do legislativo. Neles, o governo paralelo do bolsonarismo já continuou no poder, a bloquear, desconstruir e inviabilizar projetos do atual governo que atendem carências de Estado e possibilidades opostas à ideológica autoritária do governo anterior.

A aliança ilegal de igrejas evangélicas com o bolsonarismo deu-lhe o suporte de mais de 30 milhões de adeptos dóceis que já conseguiram representar-se em pelo menos 90 cadeiras da Câmara, segundo um de seus líderes. O que dá ao governo paralelo uma dimensão e uma força que inviabilizam a representação política democrática e autêntica.

Mesmo que a polarização esteja fragilizada pela dispersão e pelas divergências da direita, é muito difícil concordar com o ex-presidente Michel Temer, que, no “Roda Viva”, da TV Cultura, de 15 de setembro, preconizou um pacto político de pacificação nacional para acabar com o radicalismo. Uma das facções, o bolsonarismo, quer anistia e blindagem para revigorar a polarização e o ódio.

Também porque o radicalismo da polarização está em declínio natural desde que o atual presidente da República foi eleito em 2022 e desde que a polarização alimentada pela satanização do voto e da democracia vem sendo lentamente derrotada por políticas e atos do governo, o que se expressa nas pesquisas eleitorais feitas após a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão e a condenação da cúpula do golpe.

A prepotência e os abusos do bolsonarismo atingiram o limite da tolerância popular no desfile bolsonarista de 7 de setembro, organizado e promovido pelo pastor Malafaia e sua igreja. Bolsonaro, filhos e Michelle foram celebrados como se fossem a pátria. Além de Tarcísio de Freitas, governador bolsonarista de São Paulo, que o personificará se for eleito presidente.

As demonstrações de massa em quase todas as capitais brasileiras no domingo 21 de setembro indicaram que a própria população está elaborando um pacto contra a radicalização e contra as concepções antidemocráticas e antibrasileiras dos bolsonaristas. A imensa bandeira americana do 7 de Setembro, sobreposta às bandeiras brasileiras, desfilando diante do palanque eleitoral antidemocrático, teve seu efeito bumerangue. No dia 21, uma imensa bandeira brasileira retomou o lugar usurpado pela bandeira invasora.

A traição à pátria ganhou substância no ato tarifaço de Trump, promovido pelos Bolsonaros, que prejudicou o país inteiro.

O desfile contra a anistia aos punidos pela tentativa de golpe e a PEC da Blindagem dos políticos contra os efeitos penais dos crimes que cometem no exercício do mandato indicam que a chave do poder paralelo perdeu efeito. Portanto, já não é hora do pacto, mas hora de reconhecer a volta pluripartidária dos movimentos sociais, agora como novidade de poder moderador suprapartidário e antipolarizador.

 

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